Lendas dos Judeus #06 (O quarto dia)


A CRIAÇÃO: O quarto dia
O quarto dia da criação produziu o sol, a lua e as estrelas. Essas esferas celestes não foram na verdade formadas neste dia; foram criadas no primeiro dia, e meramente colocadas nos seus lugares no céu no quarto dia.
No princípio o sol e a lua desfrutavam de poderes e privilégios iguais. A lua falou com Deus e disse:
– Ó, Senhor, por que criaste o mundo com a letra Bet*?
Deus respondeu:
– Para que ficasse conhecido das minhas criaturas que existem dois1 mundos.
A lua:
– Ó, Senhor, qual dos mundos é maior, este mundo ou mundo que está por vir?
Deus:
– O mundo que está por vir é maior.
A lua:
– Ó, Senhor, tu criaste dois mundos, um maior e um menor; criaste o céu e a terra, sendo que o céu supera a terra; criaste o fogo e a água, sendo a água mais forte do que o fogo, porque pode apagá-lo. Agora criaste o sol é a lua, e é apropriado que um seja maior do que o outro.
Então disse Deus à lua:
- Sei bem que sua intenção é que eu lhe faça maior do que o sol. Como punição decreto que você fique com apenas um sexto da sua luz.
A lua suplicou:
– Devo ser punida tão severamente por ter dito uma única palavra?
Deus cedeu:
– No mundo futuro a sua luz lhe será restaurada, de modo que sua luz será novamente como a luz do sol.
A lua não estava ainda satisfeita.
– Ó, Senhor – ela disse, – e a luz do sol, quão grande será naquele dia?
A ira do Senhor acendeu-se então mais uma vez.
– Quê? Você está conspirando contra o sol? Tão certo quanto você vive, no mundo que está por vir a luz dele será sete vezes mais forte do que a luz que ele hoje irradia.
O sol percorre o seu curso como um noivo, sentado sobre um trono com uma guirlanda ao redor da cabeça. Noventa e seis anjos acompanham-no em sua jornada diária, em turnos de oito a cada hora: dois à sua esquerda, dois à sua direita, dois à frente e dois atrás. Forte como é, o sol poderia completar o seu curso do sul ao norte num único instante, mas trezentos e sessenta e cinco anjos restringem-no através de inúmeros ganchos de ferro. Cada dia um dos anjos solta o seu gancho, de modo que o sol é obrigado a gastar trezentos e sessenta e cinco dias no seu curso. O progresso do sol em seu circuito é uma canção ininterrupta de louvor a Deus. E é apenas essa canção que torna o seu movimento possível. Por essa razão, quando quis ordenar que o sol se detivesse no seu curso Josué ordenou que ele se calasse. Tendo calado sua canção de louvor, o sol ficou imóvel.
O sol tem duas faces: uma, de fogo, voltada para a terra, e outra de granizo, voltada para o céu, cuja função é aplacar o prodigioso calor que irradia da oura face – de outro modo a terra pegaria fogo. No inverno o sol volta sua face de fogo para cima, e dessa forma o frio é produzido. Quando se põe no oeste ao entardecer o sol mergulha no oceano e toma um banho, sendo seu fogo extinguido, e por essa razão ele não dispensa fogo nem calor durante a noite. Porém logo que alcança o leste na manhã seguinte ele mergulha numa corrente de fogo, que acende-o e concede-lhe calor, os quais o sol derrama sobre a terra. Da mesma forma a lua e as estelas tomam banho numa corrente de granizo antes de assumirem os seus postos à noite.

Quando o sol e a lua estão prontos para dar início ao seu ciclo de tarefas eles aparecem diante de Deus e imploram que ele os dispense de cumprir a sua obrigação, a fim de serem poupados de contemplar a humanidade pecaminosa. É somente mediante constrangimento que eles procedem com seu curso diário. Retornando da presença de Deus sol e lua encontram-se cegados pela radiância do céu, e não conseguem encontrar o caminho. Deus, por essa razão, lança flechas, por cuja luz cintilante eles são guiados. É devido à pecaminosidade do homem, a qual o sol é forçado a contemplar em seus cursos diários, que ele enfraquece à medida que se aproxima a hora do seu declínio, pois os pecados têm um efeito corruptor e delibitante, e ele se põe no horizonte como uma esfera de sangue, porque o sangue é o sinal de corrupção.
De manhã, ao lançar-se no seu curso, as asas do sol tocam as folhas das árvores do paraíso, e sua vibração é transmitida aos anjos e aos santos Hayyot, às outras plantas e também às árvores e plantas da terra, bem como a todos os seres da terra e do céu. É sinal para que eles voltem seus olhos para o céu. Logo que contemplam o Nome Inefável, que está gravado no sol, eles erguem suas vozes em canções de louvor a Deus. No mesmo momento é ouvida uma voz celestial que diz: “Ai dos filhos dos homens, que não atentam em honrar a Deus como essas criaturas que erguem agora suas vozes em adoração”. Essas palavras, naturalmente, não são ouvidas pelos homens, da mesma forma que eles não escutam o rangido do sol contra a roda na qual estão presos todos os corpos celestes, embora o som seja extraordinariamente alto. Essa fricção entre o sol e a roda produz as partículas cintilantes que dançam nos raios de sol. Essas são portadoras de cura aos doentes, as únicas criações doadores de saúde do quarto dia, no todo um dia desafortunado, especialmente para as crianças, sendo nele afligidas por doenças.
Quando Deus puniu a ciumenta lua, diminuindo sua luz e esplendor de modo que ela deixasse de se equiparar ao sol como havia sido originalmente, a lua caiu, e minúsculos fragmentos soltaram-se do seu corpo. Esses são as estrelas.

* A letra Bet, segunda letra do alfabeto hebraico, corresponde ao algarismo dois.

Lendas dos Judeus é uma compilação de lendas judaicas recolhidas das fontes originais do midrash(particularmente o Talmude) pelo talmudista lituano Louis Ginzberg (1873-1953). Lendas foi publicado em 6 volumes (sendo dois volumes de notas) entre 1909 e 1928.
Tradução: Paulo Brabo

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