Só vivemos uma vez


Ricardo Gondim
Não teremos outra vez. Não, ninguém espere outra chance. Nascemos condenados ao horror de ver a ampulheta sangrar areia, os calendários acelerarem, os relógios se fracionarem em milésimos de segundos. Vamos morrer. E depois que tudo tiver cumprido o seu destino, restará o quê? Diremos: “E agora, que a faca cortou, a lira tocou, o sol iluminou e o soldado matou?”. Sobrarão nossos vestígios.

Um dia todos passarão. Não ficará ninguém para observar nada. Meros rastros empoeirados testemunharão para o vazio que alguém andou por aqui. Mas a estrada permanecerá deserta.

Como serão os escombros? Nas universidades, livros, teses, nomes, que nada significam; nos museus, paisagens mortas; nos quartéis, medalhas enferrujadas; nos bancos, cofres lacrados; nos templos, bolor.

Depois de exercer a sua missão, o próprio tempo deixará de existir. Não haverá antes e depois. O assobio do vento não precisará viajar até ouvidos atentos. Se antes tudo era mudança, tudo se tornará estático. Terminarão as causas e os efeitos. Cessarão os contrastes.

Sem olhos, não existe beleza. Vitrais intactos perderão o esplendor; ninguém vai declarar alumbramento. Serão inúteis: por do sol, lua cheia, maré em ressaca, pororoca. Flautas, trompetes, pianos, pandeiros, harpas, jazerão em palcos desabitados diante de auditórios ausentes.

Somos um nadinha no tempo e nossa vaidade, uma neblina. O Eclesiastes também quer sacudir: “O destino do homem é o mesmo do animal; o mesmo destino os aguarda. Assim como morre um, também morre o outro. Todos têm o mesmo fôlego de vida; o homem não tem vantagem alguma sobre o animal. Nada faz sentido! Todos vão para o mesmo lugar; vieram todos do pó, e ao pó todos retornarão” [3.19-21].

Não demora e tudo deixará de ser. Breve seguiremos o caminho dos mortais, bem como o próprio planeta, que se apagará como se apagam as estrelas. Desapareceremos todos como desaparecem os vermes.

Portanto, enamoremo-nos.
Vivamos o instante impreciso.
Aspiremos o ar como se dele viesse o elixir da juventude.
Abandonemos resmungos.
Não nos exilemos nas masmorras que a neurose cria.

O tempo se chama agora. O dia é hoje. A vida é eterna devido à impermanência – eixo paradoxal.

Tornemo-nos jardineiros de prados.
Saiamos das estufas climatizadas.
Sejamos menos especialistas e mais aventureiros.
Corramos mais riscos.
Desobedeçamos aos cabrestos.
Testemos nossa afoiteza.
Encarnemos a inutilidade do afeto.
Assumamo-nos cafonas, bobinhos, no anseio de amar a poesia.

Antes que chegue o fim, fecundemos a vida com ternura.
Borboleteemos o pólen do amor.
As moradas eternas são vizinhas nossas.
Mudemo-nos para lá enquanto é tempo.





Soli Deo Gloria

O caçador de pipas

Amir e Hassan conversam sobre a história que Amir escreveu:


Naquela mesma noite escrevi minha primeira história. Levei trinta minutos para fazê-lo. Era um pequeno conto meio soturno sobre um homem que encontra um cálice mágico  e fica sabendo que, se chorar dentro dele, suas lágrimas vão se transformar em pérolas. Mas, embora tenha sido sempre muito pobre, ele era feliz e raramente chorava. Tratou então de encontrar meios de ficar triste para que as suas lágrimas pudessem fazer dele um homem rico. Quanto mais acumulava pérolas, mais ambicioso ficava. A história terminava com o homem sentado em uma montanha de pérolas, segurando uma faca na mão, chorando inconsolável dentro do cálice e tendo nos braços o cadáver da esposa que tanto amava. 


Hassan: -Mas posso perguntar uma coisa sobre a história? indagou envergonhado. 
 - Claro. 
 - Bem... -principiou ele, mas logo parou. 
 - Pode falar, Hassan - disse eu. E sorri, embora, de repente, o escritor inseguro que havia em mim não soubesse muito bem se queria ou não ouvir o que ele tinha a dizer. 
 - Bem... - recomeçou ele - o que eu queria perguntar é por que o homem matou a esposa. Na verdade, por que ele precisava estar triste para derramar lágrimas? Será que não podia simplesmente cheirar uma cebola? 




"O caçador de pipas"

Uma mãozinha

É costumeiro ver mensagens, gifs, cartazes, frases, etc. de pessoas agradecendo por uma "intervenção divina" ou um "milagre". Expressões do tipo "Deus me livrou dessa"; "Obrigado, Senhor por salvar fulana" e "Deus vai fazer um milagre na sua vida", são costumeiras e invadem direto nossos murais, caixas de emails, etc.

Esse tipo de coisa me levou a pensar: Para cada suposto milagre ou intervenção divina, digamos que 1 bilhão de intervenções humanas acontecem. Para cada "cura divina" de um câncer, digamos que 1 milhão (no mínimo) de pessoas foram curadas de outras doenças por homens. Para cada "intervenção de Deus", milhões e milhões de casos de intervenções humanas acontecem.

O que eu quero dizer é que enquanto Deus "cura" uma pessoa, médicos curam 1 milhão. Se é realmente Deus quem interfere na nossa vida para proporcionar milagres, por que parece que o que os homens fazem pelo próximo é bem mais significativo do que, supostamente, Deus faz por nós? Se Deus curou sua mãe que estava morrendo no hospital, por que Ele não cura as quase 11 milhões de crianças que morrem anualmente de doenças evitáveis?

"Eliab, você não acredita em milagres?"
- É claro que acredito. Só não acredito em campanhas publicitárias usadas para ganhar fiéis. Nem em acontecimentos que contradizem a afirmação bíblica de que Deus não faz acepção de pessoas.


Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Mateus 5:45 


Deus não manda milagres do céu, Ele utiliza pessoas como ferramentas para operar o milagre. Assim como uma seringa, a medicação e a agulha não curam ninguém sozinhas. Uma é utilizada pela outra para um bem comum. Elas não servirão se estiverem separadas. E mesmo com a agulha e a medicação na seringa, elas não funcionarão se não houver alguém que as manuseei.  Milagres não são truques de mágica, só são uma "medicação" que não existe aqui. 

Cristo não fazia mágicas. Ele era apenas o meio pelo qual Deus gerava milagres. O mesmo acontecia com os seus seguidores logo depois que Ele se foi. Uma coisa curiosa de se observar é que isso não era usado como estratégia para aumentar o número de seguidores. Aumentava, mas não era esse o objetivo. O Objetivo era, como falei no último post, pregar o evangelho. Lembra?: "Se alguém precisa, dê". É tudo uma questão de Graça. Diferentemente do que acontece hoje. O "milagre" virou campanha publicitária para encher o estábulo. 

Não acredito que Deus intervém na vida de alguém para beneficiá-la enquanto outros bocados passam necessidades. Não acredito na frase no para brisas traseiro do carro que diz: "Esse foi Deus que me deu". Não acredito nos vídeos que passam na TV mostrando como uma pessoa foi "abençoada" ao começar a frequentar determinada igreja e pagar dízimos. Deus teve poder para te dar um carro mas não teve poder para dar um prato de comida a uma criança que morreu de fome? Deus te encheu de grana porque você começou a dar dízimo a igreja? Não foi Cristo que falou que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males? Depois de falar isso ele iria te encher de riquezas? Esse deus que negocia com o homem não merece confiança. Aliás, qualquer ser que negocia com o homem não merece confiança. Quem foi mesmo que tentou negociar durante uma tentação? Quem foi mesmo que prometeu poder e glória a Cristo?

É muito perigoso atribuir feitos a Deus que você não tem certeza que foi Ele quem proporcionou. Da mesma forma que Deus criou o mundo e ordenou que ele seguisse seu ciclo, assim Ele fez com o homem. Deus criou tudo não para vir e ajudar as coisas a andarem, mas para que tudo seguisse conforme as coisas aconteciam. Vou usar dois péssimos exemplos mas vamos lá... É como um pai que confia em seu filho e a bicicleta para que o filho pedale por si só. Se o filho cair lá na frente, é consequência de como ele está pedalando. A culpa não é do pai. Uma das consequências de confiar é a queda. Mas todo pai corre pra socorrer o filho que caiu. Isso é diferente de andar com ele pra todo lugar guiando sua bicicleta. Não há confiança dessa forma. Um relojoeiro não precisa estar girando todas as peças o tempo todo. Ele construiu o relógio para que ele funcionasse independente de auxilio. Não é culpa do relojoeiro se o dono do relógio não soube usá-lo.

Não acredito que Deus intervenha no mundo. Se isso acontece, então Ele tem muito a explicar. Salvar uns e outros não, presentear fulano e não sicrano, curar uma câncer mas não curar todos, dar riquezas a mim mas não dar comida a um faminto; bem, isso não me parece muito divino. Acredito que o mundo segue um curso que é consequência de escolhas e acontecimentos. Acredito que qualquer "intervenção divina", na verdade, é uma ação humana influenciada pelo divino. Diferente de uma ação direta de Deus. Por exemplo: Pra mim, milagre é quando alguém se dispõe a ajudar pessoas com fome, ao invés de chover hambúrguer. Milagre é quando alguém abre mão de riquezas para dividir com os necessitados, não quando alguém fica milionário da noite para o dia, isso é o que a mega sena faz, não Deus. Milagre, pra mim, é o perdão, amor, comunhão, solidariedade, etc. Isso são milagres, ações humanas influenciadas pelo divino. 

Vou encerrar com uma última ilustração:

Por mais que um médico saiba qual é a doença do paciente, onde ela está atacando, sabe seus riscos, causas, etc. ele não tem como, ele mesmo, ir até o local e resolver o problema com suas mãos. O que ele faz é utilizar uma medicação para resolver aquele problema. Imagine que Deus trabalhe da mesma forma. Ele não intervém diretamente no problema assim como um médico não intervém diretamente em uma doença. Mas ambos proporcionam a cura através de outros meios. Para os médicos, a medicação; para Deus, o homem. É por isso que devemos nos doar a todos que precisam, essa é a maneira de Deus agir na vida do outro: através de mim e de você. Deus não vai fazer aparecer comida na mesa de alguém, mas você pode levar comida a quem precisa. Lembre-se: antes de fazer qualquer coisa, Deus precisa de um meio pelo qual fazer, e esse meio é você!



E havia em Damasco um certo discípulo chamado Ananias; e disse-lhe o Senhor em visão: Ananias! E ele respondeu: "Eis-me aqui, Senhor."
E disse-lhe o Senhor: "Levanta-te, e vai à rua chamada Direita, e pergunta em casa de Judas por um homem de Tarso chamado Saulo; pois eis que ele está orando;E numa visão ele viu que entrava um homem chamado Ananias, e punha sobre ele a mão, para que tornasse a ver." 

Atos 9:10-12



E Ananias foi, e entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, disse: "Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, me enviou, para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo."
E logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e recuperou a vista; e, levantando-se, foi batizado. 
Atos 9:17-18 





Abraço,
Eliab Alves Pereira





Cadê as autoridades?

Há mais de uma semana, ativistas do Greenpeace se revezam na corrente da âncora do navio Clipper Hope e impedem que ele se movimente para receber um carregamento de 31 mil toneladas de ferro gusa no Porto de Itaqui, em São Luis, no Maranhão.

Essa denúncia expõe três crimes graves relacionados à produção de ferro gusa no Brasil: trabalho escravo, desmatamento e invasão de terras indígenas. O carvão vindo da Amazônia serve para alimentar as siderúrgicas que produzem ferro gusa.

O Greenpeace exige que as autoridades tomem medidas imediatas para acabar com as ilegalidades da cadeia do ferro gusa e carvão.

Assim como você, o Greenpeace trabalha para transformar o mundo em um lugar mais verde e mais pacífico.

Divulgue a Campanha

Filho do homem

Dorothy L. Sayers,
The Man Born To Be King, 1943

JOÃO BATISTA. Eu vi e ouvi. Você é o Messias prometido… Nós sempre soubemos – e ainda assim posso dizer que eu jamais soube, de modo algum… Você é meu primo e meu amigo… nós brincamos juntos, conversamos juntos… falamos do Reino de Deus… E a palavra veio a mim: “Um dia você verá o Espírito de Deus descendo sobre um homem vivo – e este será o homem que irá batizar o mundo com fogo”… E quando vi, os cabelos da minha carne se eriçaram… O que significa?… Tenho conhecido você por todos esses anos e agora sei que nunca o conheci… Diga-me, Jesus, filho de Maria, quem e o que é o Messias, o Cristo de Deus?
JESUS. Quando você me batizou com a água do arrependimento…
JOÃO BATISTA. Sendo totalmente indigno de beijar-lhe os pés, filho do primo de minha mãe.
JESUS. Senti os ombros de Deus arqueados com o peso do pecado do homem. E eu soube…
JOÃO BATISTA. O que você soube, você a quem a voz chamou de Filho de Deus?
JESUS. Eu soube o que é ser Filho do Homem.

Quando você me batizou com a água do arrependimento, senti os ombros de Deus arqueados com o peso do pecado do homem. E eu soube o que é ser Filho do Homem.

E conhecereis a verdade...

Esse post é um apelo. Eu sei que os outros também são. Mas esse é diferente. Dessa vez eu expus toda a minha fé para tentar mostrar a você o que Deus mostrou a mim. Antes de entrar no assunto, faço meu apelo:




Confie nEle!



















"É melhor ser escravo dos egípcios do que morrer aqui no deserto!"
(De algum babaca; para Moisés - Em algum lugar de Êxodo)

Viver como escravo ou morrer livre, eis a questão!


A esperança e o desejo de prolongar a vida é notável em cada ser humano. Até mesmo os suicidas têm esse desejo. Sei que não tenho direito de falar por eles mas eu sustento minha afirmação baseado na crença de que, ao tirar sua vida, o suicida, na verdade, tinha mais desejo de pôr fim nos problemas do que na própria vida. Qual seria o preço da liberdade? Você estaria disposto a pagar com sua própria vida? Ou você acha melhor estar preso e continuar vivo? Perceba que o próprio medo da morte é uma prisão. Observe que a escravidão não se dá apenas ao domínio do outro sobre mim. Minha pior cela sou eu mesmo. Meus medos, ambições, dependências, mágoas, inveja, comodismo, etc. Todos nós concordamos que a auto escravidão é um grande problema que pode afetar não só a nós mesmos mas a todos aqueles que nos rodeiam. Mas e quando a escravidão se torna mais confortável do que a liberdade?


Quando os israelitas viram o rei e o seu exército marchando contra eles, ficaram apavorados e gritaram pedindo a ajuda de Deus, o Senhor. E disseram a Moisés:
Será que não havia sepulturas no Egito? Por que você nos trouxe para morrermos aqui no deserto? Veja só o que você fez, nos tirando do Egito! O que foi que lhe dissemos no Egito? Pedimos que nos deixasse em paz, trabalhando como escravos para os egípcios. Pois é melhor ser escravo dos egípcios do que morrer aqui no deserto! Porém Moisés respondeu:Não tenham medo. Fiquem firmes e vocês verão que o Senhor vai salvá-los hoje. Nunca mais vocês vão ver esses egípcios. Vocês não terão de fazer nada: o Senhor lutará por vocês.

Por que preferir a escravidão? Observe que no Egito, apesar do tratamento de escravo, os israelitas tinham um lugar pra ficar, tinham comida, água, segurança (pelo menos mais do que tinham perambulando pelo deserto com um exército inteiro atrás deles), eles tinham regras para seguir, uma rotina para não deixar as coisas fora de controle, etc. De certa forma, a vida como escravo tinha bem mais benefícios do que a vida de liberdade no deserto. O fato de que a escravidão consegue acomodar os escravos é um grande fator para que levasse os israelitas a desejarem voltar para o Egito ao invés de estarem livres mas propensos a todo tipo de coisas fora do comum. Não quero generalizar isso. Mas eu quero que você entenda que estou usando Israel como exemplo mas meu objetivo é chamar a atenção para nosso estilo de vida. O mundo está cheio de instituições, sistemas, órgãos, regras, conceitos, exigências, compromissos e por aí vai... Tudo isso não seria formas de nos escravizar nos prendendo a instituições, conceitos, compromissos, etc.? Mas nós que escolhemos isso. Por quê? Todo ser humano que se conhece sabe o perigo de governar a si mesmo. Por isso escolhemos viver dependentes de todo tipo de coisa que nos oferecem para pôr um limite em nós. É por isso que existem tantos sistemas por aí. Sistemas políticos, religiosos, éticos, acadêmicos, familiar, empresarial, etc. O que todos têm em comum? A segurança de nos manter longe de nós mesmos. Escolhemos aquele que achamos melhor e mais seguro para nos moldar.

Você percebe a semelhança entre a escolha de Israel e a escolha de todo aquele que prefere viver dependente de algo para uma auto preservação? Sei que estou enrolando demais mas vou ser bem direto: A "igreja". Viver sob um sistema que te controla, diz o que fazer ou não para conseguir alguma aprovação de Deus, estabelecer rotinas para que satisfaçam o desejo de "fazer algo pra Deus", um sistema que guarda seu lugar todo domingo, seu cargo ou grupo de sei lá o que, etc. A "igreja" tem toda uma organização para deixar seus membros confortáveis, "sabendo o que fazer", basta seguir o roteiro, assim como os israelitas quando estavam no Egito. Mas aí Cristo vem com a seguinte proposta: "Amem a Deus acima de tudo e Amem uns aos outros assim como amam a vocês mesmos." Se você analisar, isso foi o chamado para fora do Egito. Cristo diz: "Saiam desse comodismo, desse sofá macio da religião e vão até os confins da terra para pregar o evangelho." E que evangelho seria esse? A Graça. O sacrifício de Deus por todo aquele que não merece. Pregar o evangelho é você fazer o que Cristo fez. Demonstrar misericórdia por todo aquele que cruzar seu caminho. Cristo não precisava curar ninguém, mas as pessoas precisavam de cura. Ele não precisava perdoar, mas as pessoas precisavam de perdão. Pregar o evangelho é compartilhar aquilo que você tem com quem não tem. Se alguém precisa de perdão, perdoe. Se precisa de um amigo, abrace-o. Se o seu próximo precisa de comida, alimente-o. Se seu irmão precisa de esperança, dê. Ou, como disse Yeshua: "Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil. Dá a quem te pede e não te desvies daquele que te quer pedir emprestado. Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem."

Isso é viver no deserto, longe do Egito. Mas o perigo de viver no deserto é que o conforto da escravidão foi abandonado. O conforto que eu digo é aquela coisa toda organizada, pronta para te manipular e fazer tudo que você queria de forma que não custasse muito pra você. Estar no deserto significa ver um mundo de areia e não saber onde está. Significa andar por 40 anos e se achar perdido por não ver "nenhum resultado". O deserto é perigoso porque nos deixa a sós com nós mesmos e com Deus. O deserto nos dá liberdade de fazer o que quisermos, mas nós ainda estamos acostumados com a época do Egito em que se eu fizer o que eu quero, serei castigado. Mas lembra que eu disse que no deserto você está com Deus? No Egito, você era castigado pela lei. No deserto, você está com quem te salvou da lei. Com quem cumpriu a lei por você.

Eu sei que é difícil concordar com muita coisa que eu escrevo aqui. Mas é como Paulo disse: Porque pela graça sois salvos, por meio da fé. Se você tem fé de que sua salvação é baseada no que você faz ou deixa de fazer, então você ainda está no Egito. Mas se você tem certeza de que você será salvo independente da obediência à lei, você está solto no deserto. Mas não está só.

A consequência de viver a vida inteira dentro de um lugar onde te ensinam que você será salvo se fizer algo, e condenado se não fizer, faz com que você se veja livre mas deseje voltar para a escravidão.

Sabe como eu acredito na minha salvação?

Gosto de imaginar a seguinte cena: Estou em um lugar entre a vida e a morte, e Deus chega diante de mim e diz: "Hoje você será julgado. Mostre-me porque eu devo te salvar." Eu olho pra Ele, depois olho para um canto cheio de lembranças e começo a juntar minhas lembranças uma a uma como se fosse um monte de papel. E eu digo: "Aqui estão minhas boas ações, aqui está tudo que escrevi, aqui está todo o tempo de oração que dediquei ao Senhor, aqui estão as regras que segui,  esse é o tempo que dediquei a leitura da bíblia, ao jejum, a pregação, a frequência na igreja, esse é o número de ceias que tomei, esse é o número de palavrões que não chamei, aqui estão as bebidas e festas que rejeitei, essas são as más companhias que abandonei, essas são as roupas que usei e as que deixei de usar, aqui são os lugares que não frequentei, essas são as músicas que não ouvi e esses são os mandamentos que obedeci. Mas eu tenho absoluta certeza de que nada disso vai ter peso algum no meu julgamento." E imagino Deus perguntando: "E se tudo isso não vai te salvar, o que é que vai, então?" E com a maior convicção vou dizer: "Olha ali naquele outro canto. Tá vendo Seu Filho saindo do domínio da morte? Eu sei que neste momento a morte tem domínio sobre mim. Mas eu também sei que Aquele que teve poder pra vencê-la me prometeu que se eu confiar nEle, Ele vai me salvar. As coisas que eu fiz ou deixei de fazer não me salvarão, mas a fé de que Teu Filho vai me tirar do domínio da morte, da mesma forma que fez com Ele mesmo, é o que vai garantir minha salvação. Não confio em nada que fiz, confio apenas no que Tu fizeste por mim."

É nisso que baseio minha salvação. Não é uma troca. É a confiança que eu tenho em Cristo. Não é o que eu faço, é o que Ele fez por mim.

Espero não fazer como os israelitas sempre faziam: Desejar voltar para o conforto da escravidão. Muitas vezes me vejo sozinho e por alguns minutos me pego pensando: Cara, o que é que eu estou fazendo? Olha onde eu estou. Não é bem mais fácil viver segundo o conselho dos outros. Por que não dou meia volta? Mas eu sempre lembro dessa passagem dos israelitas reclamando a Moisés e aí eu lembro que quem ficar no Egito nunca vai chegar a terra prometida. Eu preciso cair fora, deixar que Deus me guie pelo deserto. Preciso confiar que Ele vai me levar até a Sua promessa. No Egito eu tenho uma vida confortável e fácil mas essa vida e essa facilidade nunca vão me levar até o lugar que Deus me prometeu. Você vê a ligação que isso tem com a mensagem do evangelho? Livre-se de tudo aquilo que vai te deixar acomodado demais a ponto de não sair do lugar. Na "igreja" vão dizer que o Egito simboliza o mundo. E é verdade. O que não se percebe no discurso é que a "igreja" faz parte do mundo. E mundo que eu digo é no contexto religioso. Não no significado de planeta. Mas no significado de grupo que está longe de Deus.

Eu sei que essa caminhada é muito difícil. Abandonar tudo que te ensinaram e te apresentaram como verdade. Mas eu sei como é cada momento desse processo. Afinal, eu já passei por isso. Mas eu posso afirmar com toda a certeza da minha vida: Eu não preciso fazer nada para ser salvo. Ou melhor, a única coisa a fazer é confiar na salvação por meio de Deus, não pelas obras, igrejas, leis, estatutos, conduta, etc. O que foi que Moisés respondeu ao povo? "Fiquem firmes e vocês verão que o Senhor vai salvá-los hoje. Nunca mais vocês vão ver esses egípcios. Vocês não terão de fazer nada: o Senhor lutará por vocês." Israel não precisou construir barcos para atravessar o mar. Bastou a fé de um homem em Deus para que Deus salvasse todo o povo. Eu não preciso fazer algo para garantir minha salvação. Deus lutará/lutou contra a morte por mim e é nisso que acredito. Não acredito em regras, conduta ou barganhas como meio para a salvação. Acredito na promessa de quem tem poder para me livrar da morte. Afinal, se Ele conseguiu sair por si só, tirar os outros é moleza!

Só temo uma coisa: Israel sempre que se reconciliava com Deus, não durava muito para virar as costas e voltar a construir deuses pra eles. Cristo veio e reconciliou todos nós com Deus. Trezentos anos depois... Voltamos para o Egito. Que isso tenha um fim. Ao sair da escravidão quebrei o caminho por onde passei para não correr o risco de voltar. 

Antes de ir embora, desejo muito que você dê uma lida nos seguintes artigos:

Se você já leu, leia mais uma vez, por favor. Se tiver dúvidas, críticas, observações, por favor, não deixe de comentar.

Quero pedir só mais um favor: gostaria muito que você divulgasse esse post em uma ou duas redes sociais para que esse trabalho seja compartilhado. 


"Vós julgais segundo a carne; eu a ninguém julgo."

"Por isso vos disse que morrereis em vossos pecados, porque se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados."

"E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará."

"Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres." 
João 8 






Obrigado!


Abraço,
Eliab Alves Pereira

Temos outra dúvida:



O que é "A obra de Deus"?
Acredito que da mesma forma que eu já ouvi muitas vezes essa expressão, vocês também já devem ter ouvido pra caramba. Principalmente quem vive em igrejas. Nas de caráter pentecostal essa expressão é bem mais utilizada do que nas demais. 

A expressão "A obra de Deus" é bastante utilizada para descrever uma coisa que nós temos o dever de elaborar, propagar, desenvolver, ajudar, etc. É costumeiro ouvir isso na hora da arrecadação das ofertas quando alguns líderes dizem : "Vamos contribuir para a obra de Deus". Ou então é utilizada para expressar o significado de algo que está sendo feito pela igreja como cruzadas, evangelismo, construção de templos, eventos comemorativos, etc. 

Pra mim, o significado da obra de Deus não é muito bem esclarecido quando se utiliza essa expressão dentro de contextos que deixam a desejar quanto ao significado daquilo. OBS: Estou fazendo isso porque, dentro do contexto que se utiliza essa expressão, eu não sei realmente o que significa. Da mesma forma que fizemos com o post "O que é o pecado?", iremos fazer com esse. Vocês é que irão construir esse artigo com base em seus comentários. 

Então, alguém pode me responder o que é "A obra de Deus?". Em que consiste? Como podemos descrevê-la? O que não podemos considerar que seja a obra de Deus? Qual a função dela?
Estou citando exemplos mas você tem total liberdade pra falar da forma que quiser.

A restauração do inferno

A restauração do inferno é o nosso novo pacote de postagens. São artigos escritos por Leon Tolstoi. É bem menor que o último e com uma leitura bem menos cansativa, mais simples e curta. Também optamos por organizá-lo todo nessa página. Dessa forma, basta clicar nos títulos abaixo e ler o artigo. No final de cada artigo você encontrará os títulos dos próximos artigos que dão continuidade ao box. Basta clicar e continuar a viagem. Cada texto é a continuação do anterior, portanto, é recomendável que você os leia em sequência. São só esses cinco artigos. Eles não vão tomar muito de seu tempo. Você pode ler um por dia ou os cinco em dez minutos. Você escolhe. Boa leitura!




Abraço,
Eliab Alves Pereira 

No menor, O Maior!

Deus cabe no coração do homem não por ser Grande e Pequeno ao mesmo tempo. Ele cabe porque o coração do homem é grande o suficiente para caber Deus.

Agora imagine todo esse espaço sendo preenchido por tudo, menos Deus.
O coração do homem é do tamanho de Deus porque Deus o construiu para ser sua morada. 
Mas se não for Deus que ocupa seu coração, muitas coisas podem ser colocadas para tentar preencher o espaço feito para Ele. É aí onde mora o perigo! Quantas coisas são suficientes para ocupar todo espaço de Deus em seu coração? O que será de você depois que todas essas coisas tomarem o lugar de Deus? 
Um pequeno copo com água não consegue preencher o espaço ocupado pelos mares. Quantos copos serão necessários para juntar toda a água dos oceanos? 
Você pode ter uma personalidade moldada a partir da existência de Deus em você ou a partir de todas as coisas que te preenchem que não seja Ele. Você nunca irá conseguir dividir um espaço no seu coração para Deus e outro para as coisas. O vazio que você tem no peito é do tamanho de Deus (parafraseando Dostoiévski). E só! Se Ele te ocupar, não haverá mais espaço para outra coisa. Se Ele te ocupar, o desejo por coisas será saciado pelo fato de Ele ser todas essas coisas, e mais! 

Quando você não enxergar mais valor no dinheiro, na fama, nos amigos, na família, nos estudos, na vida, Deus te tomou por completo. Mas isso não significa que você vai odiar todo o resto. Isso significa que a partir disso, todo o resto tem outras prioridades em sua vida. E todo os seus prazeres serão transferidos do anseio pelas coisas para o anseio pelo Criador das coisas! Você não amará o mundo porque ele te preenche, mas porque Quem te preenche te deu um novo mundo para amar. Quando colocamos o mais importante em primeiro lugar, aquilo que vem em segundo, não é reprimido, mas aumentado.
Certa vez C.S. Lewis disse: "Quando eu aprender a amar a Deus mais do que meus entes queridos, eu amarei meus entes queridos mais do que os amo agora. Mas se eu aprender a amar meus entes queridos em detrimento de Deus ou em vez dele, me aproximarei do ponto em que não terei amor nenhum pelos meus entes queridos. Quando colocamos o mais importante em primeiro lugar, aquilo que vem em segundo, não é reprimido, mas aumentado."



Abraço,
Eliab Alves Pereira

A assinatura secreta

Há gente que gostaria que Deus fizesse sentido cientificamente – ou, dizendo melhor, que Deus usasse mais sensatamente a evidência científica como argumento evangelístico. Entre esses estava, surpreendentemente, o falecido astrofísico Carl Sagan,
Carl Sagan vivia dizendo que, se existisse, Deus deveria ter deixado a sua existência mais clara. que despejou todo o seu ressentimento contra o Deus em que não acreditava no seu romance Contato(que acabou gerando um filme muito diferente dirigido por Robert Zemeckis).
Carl Sagan vivia dizendo que, se existisse, Deus deveria ter deixado a sua existência mais clara. Para evitar a Bacia das Lamas da nossa condição religiosa, Deus deveria ter deixado a sua assinatura muito visível, onde pudesse ser vista por todos e por cada um. Ao chegarem na lua os primeiros astronautas deveriam ter encontrado um gigantesco painel de neon piscando milagrosamente “Só Jesus Cristo Salva” (ou “Allahu Akbar”, dependendo de quem está contando a história). A Bíblia deveria registrar descobertas científicas impossíveis de se antever no tempo em que foi escrita, como a posição dos elementos pesados na Tabela Periódica, a engenharia da comunicação via-satélite ou uma descrição detalhada do mecanismo da mitose celular. Cada pedra revirada deveria exibir a inscrição Made By God, e cada pôr do sol deveria vir acompanhado de um símbolo muito visível de copyright. Bastaria isso, ou pelo menos uma dessas coisas. Sagan ficava muito chateado com Deus por ser um artista que, se existisse, havia deixado a sua obra sem assinar
Confesso que eu esperava mais do velho Sagan, que de outra forma julgava muito perspicaz e cabeça aberta. Quem disse que a assinatura do universo teria de ser de natureza científica? Não poderia ser uma pegada literária, psicológica, artística? Quem sabe nos deparamos com a assinatura todos os dias e somos simplesmente incapazes de perceber? E se o universo fosse a própria assinatura?E se o universo fosse a própria assinatura? Haveria assinatura mais conspícua do que o universo? Quem sabe não haverá uma assinatura particular para cada pessoa, e tantas assinaturas quanto pessoas?
A ânsia de Sagan por uma prova irrefutável não me intriga tanto quanto o fato de haver inúmeros cristãos que caem na tentação de procurar enquadrar Deus e a Bíblia num sensato cenário científico. Há aqueles de nós que defendem que o texto bíblico prefigura acuradamente a redondeza da terra, o fato do planeta estar suspenso sobre o vazio, a formação das tempestades, os fundamentos da transmissão por ondas de rádio, a existência dos dinossauros, o ciclo da água, a interdependência das espécies, o mecanismo das placas geológicas, a fisiologia do cérebro, toda a psicologia de Freud e Jung, a natureza química do tecido vivo e até mesmo (como sugerido aqui recentemente) a perna faltante do cromossomo Y.
O que me incomoda neste tipo de alegada evidência é que ela fundamenta-se na interpretação subjetiva de um texto para confirmar a sua verdade científica – e subjetividade e ciência são, por definição, imiscíveis. Estamos explicando a posteriorimetáforas de outros, e de outros que estavam falando a respeito de outra coisa. Trata-se de defesa no mínimo tênue, e para sempre controversa. Pior ainda, este tipo de inferência subjetiva é muito difícil de contradizer porque está baseada numa leitura muito pessoal de um texto que já é suficientemente obscuro. O intérprete pode sempre alegar que a evidência é clara como o sol e que apenas os obstinados e preconceituosos não se dobram diante dele – mas eu posso sempre alegar que quem pode ver um aparelho de rádio na arca da aliança deve ser capaz de enxergar coisa pior em textos ainda mais obscuros.
Não consigo engolir esse tipo de argumento “não haveria como estar ali sem a intervenção divina” por diversos motivos além de me parecerem subjetivos e pouco convincentes. Acredito demais na consistência de DeusA revelação mais inequívoca não bastaria para alguém que fosse cético o bastante.e na integridade da ciência para crer que Deus precisaria/utilizaria uma confirmação científica dessa natureza para se legitimizar.
Primeiro porque, no caso da escritura, a suposta revelação embutida no texta sagrado não teria valor algum para o público original, que não teria naturalmente como detectá-la e impressionar-se com ela. Pessoalmente, suponho que não seria justo atribuir mais significado ao texto do que o seu leitor original teria condições de captar. Se os primeiros leitores não precisaram compreender as revelações científicas secretamente embutidas no texto que adotaram imediatamente, não imagino porque o público posterior precisaria/mereceria evidência maior.
Em segundo lugar, está muito claro para mim que mesmo a revelação mais inequívoca não bastaria para alguém que fosse cético o bastante. Talvez haja textos, sagrados ou não, de outras culturas, que acertam numa mosca para a qual não apontaram, mas estou certo de que as supostas “revelações” bíblicas não despertariam mais do que um bocejo de ceticismo em alguém como Carl Sagan – ou Philip Klass, o famoso debunkerde discos voadores. Os dois caras exigiriam evidência muito mais inequívoca antes de se dobrarem – e eu, pelo meu lado, creio que para eles nenhuma evidência seria conclusiva o bastante. É preciso fé para acreditar que textos sagrados estejam falando de ciência.
Finalmente, se Deus fosse menos tímido do que aparentemente é e mais como Sagan gostaria que ele fosse, se a existência de Deus e a consistência de determinada religião ficasse realmente inequívoca, incontestável, à prova de balas; se Deus fosse entrevistado no Jô e desse concertos no Central Park e se tornasse testemunha-chave em todos os julgamentos possíveis; se a palpabilidade de Deus se tornasse questão de senso comum e de vez em quando tropeçássemos nele no shopping; se fosse assim, algo muito fundamental mudaria no nosso relacionamento com ele, algo que não estou certo que ele (ou mesmo eu) queira que mude. Se algumas tensões seriam relaxadas, outras pressões muito maiores e difíceis de avaliar seriam criadas pela opressiva e onichateante presença de Deus.
Bem, fato é que a Bíblia não contém previsões científicas inequívocas, apenas o mesmo tipo de sugestões vagas e controversas que, descobri recentemente, alguns encontram no Alcorão. Mais importante, talvez, é que a Bíblia diga descaradamente que é pela fé (isto é, não pela evidência científica, que) entendemos que os mundos foram criados pela palavra de Deus; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente (Hebreus 11:3).Deus não precisa provar nada para ninguém. Esta última frase esgota, naturalmente, qualquer pretensão de consistência científica que a Bíblia ou Deus poderiam ter.
Como qualquer agnóstico pode atestar, a prova inequívoca parece não fazer parte domodus operandi de Deus. Se Deus existe, parece ter optado por um austeríssimo recato quase nunca interrompido. Emblema disso são as três tentações às quais Jesus resistiu no deserto, todas elas provocações para que ele quebrasse o recato divino e tornasse inquestionáveis diante de todo o mundo a sua missão e a sua divindade. Todas as tentações diziam, de certa forma, a mesma coisa: “prove a si mesmo e aos outros que é Deus”; numa de suas respostas à tentação, Jesus rebateu com um verso da Bíblia Hebraica que equivale a dizer: “Deus não precisa provar nada para ninguém”. Isso evidentemente não prova nada a respeito de nada, mas aparentemente era essa mesmo a idéia.
Devido a todo esse consistente recato divino, não tenho como deixar de simpatizar com a perplexidade e o ressentimento dos agnósticos que encontro freqüentemente. Apenas peço que me anexem como evidência de um sentimento semelhante: eu mesmo creio irrestritamente em Deus, mas sou cético demais para deixar-me convencer por qualquer prova inequívoca da sua existência.
Minha fé diz mais respeito às minhas dúvidas do que às minhas certezas.


Paulo Brabo

A fé como falha moral

É sabido que certo personagem de Dostoiévski argumentou que “sem Deus não existe moralidade” – isto é, um ateu convicto não teria qualquer motivo real para sustentar uma postura de correção moral. Segundo essa linha de pensamento o homem sem fé em Deus, desprovido de cadeias adequadas para refrear as suas inclinações, tenderia irremediavelmente a chafurdar na imoralidade. O ateu sentir-se-ia imediatamente livre para adulterar, roubar, mentir, matar, canibalizar, prostituir-se e prostituir – e faria tudo isso e muito mais sem qualquer freio ou constrangimento.

Da crença em Deus dependeria então (quase como defendeu Plínio Salgado) toda a defesa da virtude, da castidade, do heroísmo, da delicadeza de sentimentos, da integridade individual e do pudor coletivo.
Como confirma a postura de muitos ateus declarados, em tudo tão ou mais íntegros e gente boa quanto muitos religiosos, parece seguro afirmar que o autor russo estava errado. Pessoas sem Deus parecem de fato sustentar vidas íntegras – a não ser que, como não é inconcebível, os ateus estejam na verdade muito menos “sem Deus” do que os crentes gostariam de pensar.
De qualquer forma, nunca simpatizei com esse argumento “sem Deus não haveria moralidade”. Além de me parecer racionalista demais, a defesa deixa a impressão de que a moralidade é por si mesma coisa mais admirável do que Deus – como se a existência de Deus precisasse da moralidade para ser justificada.
Finalmente, no entanto, o inevitável aconteceu: um ateu mobilizou o argumento inverso para atacar a fé. Segundo George M. Felis, professor de filosofia no Georgia Perimeter College, a moralidade não é inconcebível sem Deus; pelo contrário, ela é inconcebível com ele.
Sejamos brutalmente honestos. Descrever a fé como “a falência da razão” é, na melhor das hipóteses, meia-verdade.
Há alguns que afirmam que suas convicções religiosas estão fundamentadas apenas na razão e em evidências palpáveis, mas nunca encontrei eu mesmo criatura tão rara. A mais sagaz argumentação jesuítica que busque justificar a religião racionalmente não deixará o componente “fé” inteiramente de lado [...]. Por “fé”, neste contexto, quero dizer (e crentes honestos também) acreditar em alguma coisa porque se escolhe acreditar nela, sem levar-se em conta a ausência de evidência/razões para se acreditar.
SE AS CRENÇAS DE ALGUÉM NÃO PODEM SER JUSTIFICADAS, E SE AS AÇÕES DE UMA PESSOA SÃO MOLDADAS E JUSTIFICADAS PELAS SUAS CRENÇAS, ENTÃO ALGUMAS AÇÕES NÃO PODEM SER JUSTIFICADAS.
A fé não é apenas a falência da razão: a fé é a deliberada abdicação da razão. A fé não é um erro na mesma linha de um erro de lógica. Não é simplesmente um lapso que não leva em conta uma evidência que deveria ser levada em consideração. A fé é a declaração de que a razão é muito boa em determinadas áreas, mas que sua eficácia termina aqui onde o crente afirma que ela termina. E nenhum argumento pode ser concebivelmente dado para que não se apliquem os critérios da razão em um dado assunto, porque o argumento em si deve aderir aos critérios racionais [...].
Já ouvi gente dizer coisas assim:
– Não é algo racional. Você tem de sentir.
– Crer não é questão de raciocínio ou de argumentação. Você não tem como argumentar sobre Deus porque Deus está além de qualquer argumentação [...].
O motivo pelo qual isso é tão importante não é simplesmente porque gente que abraça a fé acabará tendo crenças mal-formadas. A razão não é apenas normativa no sentido mínimo de que há estruturas dentro das quais ela deve operar ou não será mais razão. Há também um componente ético na razão, porque as crenças de uma pessoa estão intimamente ligadas às suas ações [...].
Se a pessoa abre mão da razão na formação das suas crenças, ela abre mão do único acesso à verdade que temos. Os seres humanos não tem qualquer capacidade perceptual para discernir a verdade – do modo como somos, por exemplo, imediatamente capazes de discernir cor e forma. O mais perto que podemos chegar da verdade é justificando nossas crenças. A fé não é justificação, é a suspensão de todos os critérios de justificação. A fé declara que determinadas crenças – essas fundamentais, bem no centro da minha visão de mundo e que moldam o modo como eu vejo as coisas – não precisam ser de forma alguma justificadas.
Se as crenças de alguém não podem ser justificadas, e se as ações de uma pessoa são moldadas e justificadas pelas suas crenças, então algumas ações não podem ser justificadas.
HÁ UM COMPONENTE ÉTICO NA RAZÃO.
Aqueles que vivem pela fé não são intelectualmente inferiores. Pode-se até dizer que requer-se um certo brilhantismo, ou pelo menos extraordinária flexibilidade mental, para entregar-se à ginástica mental que exige aplicar-se a razão à maior parte das áreas da vida e suspendê-la por completo em outras áreas. Não se trata portanto de questão de intelecto. E dizer que a fé é a falência da razão ou a abdicação da razão é apenas dar um nome a ela, não explicar o que há de errado com ela. Creio que algo mais forte pode ser dito.
A fé é uma falha moral. A abdicação da razão é a abdicação da justificação. Quando as pessoas deixam de tentar justificar as suas ações no mundo de forma racional – quando decidem agir, ao invés disso, pela fé – elas podem muito bem fazer qualquer coisa e chamar isso de correto e bom.






Paulo Brabo

Forrobodó caótico sem significado


Ano passado me procuraram para uma entrevista. O assunto seria a igreja evangélica e esses caras estranhos chamados sem-igreja. Me mandaram as perguntas, eu respondi, mas a matéria nunca apareceu em lugar nenhum. Ainda nessa fase de vacas magras no blog, desenterrei a entrevista pra postar aqui. As perguntas foram formuladas pelo jornalista carioca e flamenguista Marcos André Lessa.

1) O movimento dos sem-igreja cresce a cada dia: blogs e comunidades no orkut já são dedicados ao tema, como lugares para "congregar" e compartilhar de questionamentos parecidos. Na sua opinião, quais os motivos para esse movimento ocorrer?

É um movimento natural. É pra onde tudo migra hoje. Virtual, pessoal, íntimo. Grandes instituições estão em descrédito em todos os ambientes, não só no cristão. E a internet surgiu como uma alternativa que viabiliza contatos e trocas entre gente sem a dependência de uma instituição toda hierarquizada, toda rígida, toda dogmática. Sem falar no custo pra manter as instituições formais funcionando. Pouca gente ainda se dispões a arcar com esses custos. É um preço muito alto que se paga, tanto em dinheiro como em mão de obra. É só olhar pras grandes instituições religiosas e ver o tanto de dinheiro, tempo e gente envolvida só em manter tudo funcionando. As pessoas estão saturadas desse método e tentando encontrar formas alternativas. É natural que seja assim.

2) Nos posts "Um primeiro passo" e "Ter, pertencer, ir" vc parece concluir uma série de reflexões e a partir dali começar uma nova trilha, só que agora sem estar ligado oficialmente a uma igreja evangélica. Como foi esse processo? Houve algum momento/fato/acontecimento especial que foi um marco, um início desses questionamentos?

Não houve marco não. Houve certamente um processo, mas não sei se consigo defini-lo bem. Fui sendo influenciado por um monte de boas pessoas, tanto pessoalmente como através de leituras. E aquilo que fui recebendo, fui passando adiante, especialmente dentro do contexto da instituição da qual fazia parte – e também através do blog. Basicamente em uma busca por simplificação tanto na mensagem como na estrutura de vida comunitária e na vivência da mensagem do evangelho de Jesus na prática, no dia-a-dia, na vida comum. Meu desligamento acabou sendo uma consequência natural, uma vez que o que vinha vivendo e falando ia causando certo desconforto na instituição à qual eu era filiado (ou igreja da qual era membro, tanto faz). Eu não queria ficar causando desconforto à ninguém, portanto me afastei antes que o desconforto virasse briga ou coisa parecida.

3) O que foi mais difícil pra você nesse processo, até a conclusão acima?

Rompimento nunca é fácil. Envolve um monte de amigos, gente boa, gente querida. E um monte de hábitos. Claro que gostaria de poder romper com a instituição, a forma, sem precisar romper com gente, pessoas. Mas na prática isso é muito complicado. Perde-se vínculos. Encontros que antes eram semanais passam a ser esporádicos. Mesmo que os encontros semanais fossem, no geral, bastante frios e superficiais, eles aconteciam e a gente via os rostos e tinha os nomes sempre na memória. Encerrando esses encontros, aos poucos vai-se perdendo vínculos. Essa é a parte chata.

4) No blog você também citou algumas reações à sua decisão. Alguma específica te marcou, positiva ou negativamente?

Não lembro exatamente que reações citei lá, mas ouvi uma pequena porção de bobagens a meu respeito. De gente que nunca falou mais do que um 'oi' e 'tchau' comigo, mas já tinha opiniões fortíssimas sobre mim, e de alguns mais próximos também. A maioria na linha de que eu era um ‘desviado’ e que queria ‘causar divisão’, enfim, passei a ser considerado um sujeito perigoso. Melhor manter distância. Mas foi pouco, comparado a histórias que ouço por aí. Os caras tinham seus motivos. Estavam protegendo suas crenças e tal. Não tenho nada contra ninguém. Até entendo essas reações. Lamento, mas entendo. Mas teve também alguns bons amigos que permaneceram bons amigos e deram uma grande força. Isso foi ótimo.

5) Em outro post vc cita que seu dízimo agora seria encaminhado à caridade, ou algo do tipo. Como você chegou a essa conclusão? E a passagem que diz "trazei todos os dízimos à casa do tesouro"?

A passagem sobre a ‘casa do tesouro’ foi escrita num tempo em que existia uma ‘casa do tesouro’. Essa casa não existe há mais que 2 mil anos! O 'templo', depois de Jesus, passou a ser o coração do homem. É aí a casa do tesouro. No coração de cada um. E no coração não cabe dinheiro; cabe amor, cuidado, misericórdia, paz, perdão, graça, proteção, carinho. Essas coisas todas se manifestam de um para o outro de muitas formas e uma delas é repartindo-se o que cada um tem em amor. É como Paulo falou pra rapaziada de Corinto: “No presente momento, a fartura de vocês suprirá a necessidade deles, para que, por sua vez, a fartura deles supra a necessidade de vocês. Então haverá igualdade, como está escrito: ‘Quem tinha recolhido muito não teve demais, e não faltou a quem tinha recolhido pouco’.” Essa obrigação de dar 10% da renda pra igreja da qual o sujeito é membro é uma tolice. O amor é que nos constrange e nos move a repartir o que temos com quem não tem, ou tem pouco. Simples assim. Sem obrigação, sem barganha, sem valor nem endereço fixo.

6) Lendo seu blog, tenho a impressão que você foi criado na igreja. E você tem dois filhos. Fica preocupado se eles vão abraçar ou não a fé cristã, mesmo sem frequentar uma igreja qdo crianças?

É preciso corrigir a definição do termo ‘igreja’ aqui. Meus filhos estão aprendendo, junto comigo, a ser igreja em todo canto, em todo tempo. O que eu espero de todo coração é que eles abracem a Cristo. Espero que Deus me dê a graça de vê-los vendo um pouquinho de Jesus em mim, ou pelo menos no meu desejo sincero de seguir Jesus. Se isso (ou qualquer outra coisa) os levar a abraçar a pessoa de Jesus, certamente todo resto estará resolvido. Há muita gente caminhando por aí abraçada à ‘fé cristã’ dentro de ‘igrejas’ sem, no entanto, jamais ter abraçado o Cristo.

7) Em "Ter, pertencer e ir" vc fala de uma solidão pós-decisão de ser um "desigrejado". Queria que vc falasse mais sobre esse sentimento, e como ele se expressou na sua rotina.

Acho que falei um pouco disso na pergunta 3. Todo rompimento é traumático. As noites de domingo foram bastante esquisitas no começo. Eventualmente sinto falta de um amontoado maior de gente. Mas quando estava nesse amontoado, achava ele meio vaziozão. No fim, passei e ainda passo alguns dos momentos mais intensos da minha vida familiar quando nos reunimos em torno da mesinha de centro na sala com livros, músicas, violão e copos de nescau à postos. Passamos algumas horas ali de longas e profundas conversas que, por algum motivo, nunca tive antes. Estando sozinho, passei a assumir como minhas muitas responsabilidades que antes estavam delegadas à instituição. E ajudou também o fato de ter mais tempo livre, uma vez que antes estive sempre bastante envolvido em programas da instituição que me tomavam várias noites por semana.

8) Sua esposa teve os mesmos questionamentos que você? Se não, como ela encarou suas reflexões e conclusões? Se teve, foi ao mesmo tempo que você?

Minha esposa veio junto, desde o comecinho. Conversamos bastante desde sempre e ela participou de todas as etapas de mudança na nossa caminhada com Jesus.

9) Na sua opinião, qual a importância e função da igreja evangélica hoje?

Isso é complicadíssimo de responder, porque a expressão ‘igreja evangélica’ já não significa absolutamente nada mais, e faz tempo. É uma bagunça tão grande, um forrobodó tão caótico, que já não tem significado nenhum. É Edir Macedo, Malafaia, Terranova, Rodovalho, apóstolos, bispos, profetas, curandeiros, milagreiros, manipuladores, caras-de-pau, safados... toda essa gente aí é ‘evangélico’. A função desses aí é enganar o povo e ganhar muito dinheiro isento de impostos. É construir seu impériozinho e ter uma porção de subordinados submissos beijando suas mãos. E esses caras crescem que nem capim porque anunciam um projeto de prosperidade e poder. O povo que os segue não faz a menor idéia de quem seja Jesus. Abraçam a esperança hedonista de poder e, para isso, vendem a alma. São enganados, mas enganados pela sua própria ganância. É triste, mas é o que é.


Só que tem também um monte de gente boa, esforçada e bem intencionada em instituições que se esforçam um bocado pra apontar pra Jesus e não pra si mesmas e fazer o bem ao próximo, e não construir um templo novo bonitão, acarpetado e cheiroso. Isso existe. Tá espalhado por aí. Cada vez mais raro, porque até esses aos poucos vão cedendo às tentações de crescimento e sucesso oferecidas pelo primeiro grupo. Mas sempre há uns guerreiros remanescentes por aí. E os caras também se chamam de ‘evangélicos’.Enfim, a igreja evangélica é uma balbúrdia indefinível. Mais vale largar dela e seguir Jesus independente do lugar onde você esteja. E esse lugar pode até ser uma igreja evangélica, tudo bem. O importante é não permitir que a igreja instituição e todas as suas programações e demandas tomem o lugar do Cristo. É só seguir Jesus onde estiver. E se dois ou três forem junto, está ótimo.



Tuco Egg em entrevista ao Jornalista Marcos André Lessa.