Próximo Encontro Sapiens

Nosso próximo encontro será um pouco fora do comum. Usaremos novos métodos desde a escolha do tema até a hora de sentar e trocar ideias. A nossa proposta para esse novo encontro é de que haja uma maior interação entre nós de forma que possamos dar mais liberdade para você se sentir mais confortável.

Para nosso próximo tema gostaríamos que você escolhesse, desse sua opinião. Sobre o que você gostaria de falar? Que tipo de assunto te chama a atenção? Que tema você tem uma boa opinião para compartilhar? Quem assunto te traz dúvidas? Essas são propostas para ajudar você na escolha do tema. Não hesite em deixar sua proposta. Se quiser fazer isso de forma anônima, não há problemas, você tem essa opção. Mas não deixe de propor algo do seu interesse. Quer seja de "Como se joga bolinha de gude?" a "Filosofia de Nietzsche". Enfim, você tem total liberdade para deixar a proposta que quiser, ok?

Não deixe de comentar sua proposta. Estaremos aguardando sua opinião.

As lágrimas de Deus

"Jesus chorou"
(João 11:35)

O menor versículo da bíblia, o "Lobo da Estepe" de Herman Hesse e algumas palavras de Vinícius de Morais consumaram uma saga de pensamentos que vinham tomando espaço na minha mente. Nesse artigo quero fazer uma análise de apenas um desses três meios que me fizeram enxergar a liberdade de si mesmo como uma ponte para a salvação do eu. O que quero compartilhar com você é o grande significado que o menor versículo da bíblia me trouxe.

Jesus chorou! Não vamos aqui discutir o motivo de Jesus ter chorado, a ideia é compreender o porque de ele ter chorado PUBLICAMENTE. Por que ele não fez isso de forma isolada? Por que ele deixou que os que estavam próximos vissem esse momento de fraqueza? Foi um momento de fraqueza?

Nós fomos e somos criados num meio onde a atitude de chorar é vista como uma demonstração de vulnerabilidade, onde um garoto é ensinado que chorar não é coisa de homem, é coisa de mulher ou de "caba frouxo". E, ainda nesse mesmo meio, fomos apresentados a uma figura de deus em que ele não sofre, ele não demonstra fraqueza, ele não chora. "Porque ele é o todo poderoso", ou "porque ele não é vulnerável ao sofrimento". Mas bem ali, num cantinho da bíblia, duas palavras nos mostram que Deus sofre, que Deus chora, que Deus cede à tristeza. "Jesus chorou". E não só em um cantinho da bíblia, em outro lugar nós vemos essa afirmação; quando Paulo diz que "Deus é Amor". A partir do momento em que Paulo diz que Deus é amor, as características que são atribuídas ao amor, também são atribuídas a Deus, de forma que, quando Paulo diz que "O amor tudo sofre", Deus sofre. Como bem observou o Ricardo Gondim ao falar sobre esse trecho da bíblia. Enfim, nos foi ensinado que a lágrima é sinônimo de fraco, pequeno, vulnerável.

E aí eu me pergunto: Se isso é verdade, por que Deus não hesitou ao chorar em público? E mais: por que Ele chama de bem aventurados os que choram? Se o choro é sinônimo de fraqueza, Ele deveria controlar-se na frente da multidão. Se a lágrima reflete vulnerabilidade, seus produtores não devem ser chamados de bem aventurados.

Acredito que essa "força" ao engolir um choro, essa resistência em evitar a tristeza e a luta contra as lágrimas que se acumulam no canto do olho apontam para alguém que escolheu esse comportamento para mascarar uma face que foi esquentada pela torrente de lágrimas que banharam seu rosto. A atitude de se mostrar forte diante de determinadas situações revela um comportamento de alguém que foi ferido e abusado, quer seja sexualmente, moralmente ou psicologicamente. Prometer a si mesmo que não mais se importará, que não demonstrará compaixão, sensibilidade, dor; são promessas de alguém que experimentou uma tristeza profunda e toda sua confiança no outro pingou e foi sugado pelo tecido onde as lágrimas caíram. Abrir mão da dor pelo outro é o caminho mais fácil para tornar alguém áspero, seco, impenetrável.

Quando você se isola emocionalmente, você não permite que as pessoas te machuquem, mas também não permite que elas te curem!

Foi o que aconteceu com o Sr. Harley, O Lobo da Estepe, ele simplesmente decidiu se isolar, trancar-se num mundo sombrio, frio, distante, longe da dor; no inferno. O lugar onde a bíblia faz referência como sendo a total solidão, ausência, é o inferno. Ele, ironicamente, nos afasta da dor, mas da dor que o amor pode trazer, mas a falta disso é que nos leva a uma situação mais drástica de sofrimento. Isolar-se da dor traz mais sofrimento porque a dor é uma ferida que só cicatriza com a liberdade, não com a prisão dentro de si. A liberdade de abrir mão do mundo que foi criado para não se magoar, mas que magoa. A liberdade traz consigo o incômodo do amor. Como a sensação ardente de um bom remédio derramado numa ferida. 

Nos isolamos por medo de sermos magoados mais uma vez, nos trancamos no porão de nossa alma para nos asseguramos que não seremos traídos novamente; caluniados, perseguidos, nos cobrimos com o lenço da frieza emocional a fim de nos protegermos dos fantasmas que espremem nosso coração, que gelam nossa alma e arrancam soluços enquanto nossa cura escorre pelos olhos. 

Chorar não é para os fracos. O choro é o grito de um coração valente que decidiu ser sincero consigo mesmo, com o outro. A lágrima é a carta de alforria de um ser que trancou-se dentro de si mesmo para não ser magoado pelos outros, mas, ao fazer isso, magoou a si mesmo. Como diz a música de Los Hermanos: "Quem sempre quer vitória perde a glória de chorar!" Mostrar-se sensível e vulnerável publicamente é mais louvável do que voltar de uma guerra com a cabeça do inimigo nas mãos. Ao fazer isso, nos libertamos de nós mesmos, nos livramos da vergonha, quebramos os grilhões da mágoa, da falta de confiança. Ao permitirmos que a dor, a sensibilidade, a angústia rasguem nosso peito, temos a oportunidade de limpar o que a ferida abriu. Chorar não é vergonhoso. Vergonhoso é secar os olhos enquanto o coração se despedaça. Vergonhoso é enganar a si mesmo a fim de mascarar-se com o objetivo de me defender do outro. 

Ao chorar publicamente Cristo nos dá uma valiosa lição. Ele nos ensina que até o maior dos Seres deve ceder à dor quando ela bater a porta. Ele nos ensina que um homem livre é livre de si mesmo, é livre para permitir que suas emoções fluam, escorram, dancem. Ele diz: "Bem aventurados os que choram, porque serão consolados". Quando você se isola emocionalmente, você não permite que as pessoas te machuquem, mas também não permite que elas te curem! Ao me isolar eu não dou ao outro a oportunidade de me colocar no colo, enxugar minhas lágrimas, abraçar e dizer que aquilo vai passar. Ao me isolar eu passo a imagem de que não sofro, de que sou intocável, frio, "forte", e quem tem esse rótulo não precisa de ajuda. Ninguém tem pena do leão que atacou a zebra, mas todos se entristecem com a derrota dela. Ninguém tenta ajudar o leão a pegá-la, mas, se tivermos a oportunidade, vamos salvá-la dele. 

Encerro esse artigo citando Vinicius de Morais falando sobre a maior solidão:



A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.

Por fim, ao trancar-se em si mesmo, tendo a tristeza como companhia, a mágoa como sombra e o remorso como alimento, não produzimos amor pelo próximo. Porque tudo que aprendemos foi criar pedras para atirar nos outros, para mantê-los distantes, distantes o suficientes para não verem nossas falhas, nossa fraqueza ante a dor. O que nos falta aprender, e aprendemos aqui, é que a dor não é fraqueza quando a vencemos com a sinceridade de nossa entrega aos sentimentos que surgem, quando a subjugamos ao confessar ao outro o que nos aflige, o que nos põe medo. O que vence a dor é a liberdade de sorrir, abraçar, dizer "eu te amo", correr na chuva, brincar feito criança quando nossa alma foi violentada por um mundo perverso, mas ao pagar o mal com o bem convertemos o que eram ruim em coisa boa, pois não há escuridão densa o suficiente para vencer a menor faísca de luz que se acende.



Abraço,
Eliab Alves Pereira



Da solidão

Sequioso de escrever um poema que exprimisse a maior dor do mundo, Poe chegou, por exclusão, à idéia da morte da mulher amada. Nada lhe pareceu mais definitivamente doloroso. Assim nasceu "O corvo": o pássaro agoureiro a repetir ao homem sozinho em sua saudade a pungente litania do "nunca mais". 

Será esta a maior das solidões? Realmente, o que pode existir de pior que a impossibilidade de arrancar à morte o ser amado, que fez Orfeu descer aos Infernos em busca de Eurídice e acabou por lhe calar a lira mágica? Distante, separado, prisioneiro, ainda pode aquele que ama alimentar sua paixão com o sentimento de que o objeto amado está vivo. Morto este, só lhe restam dois caminhos: o suicídio, físico ou moral, ou uma fé qualquer. E como tal fé constitui uma possibilidade - que outra coisa é a Divina comédia para Dante senão a morte de Beatriz? - cabe uma consideração também dolorosa: a solidão que a morte da mulher amada deixa não é, porquanto absoluta, a maior solidão. 

Qual será maior então? Os grandes momentos de solidão, a de Jó, a de Cristo no Horto, tinham a exaltá-la uma fé. A solidão de Carlitos, naquela incrível imagem em que ele aparece na eterna esquina no final de Luzes da cidade, tinha a justificá-la o sacrifício feito pela mulher amada. Penso com mais frio n'alma na solidão dos últimos dias do pintor Toulouse-Lautrec, em seu leito de moribundo, lúcido, fechado em si mesmo, e no duro olhar de ódio que deitou ao pai, segundos antes de morrer, como a culpá-lo de o ter gerado um monstro. Penso com mais frio n'alma ainda na solidão total dos poucos minutos que terão restado ao poeta Hart Crane, quando, no auge da neurastenia, depois de se ter jogado ao mar, numa viagem de regresso do México para os Estados Unidos, viu sobre si mesmo a imensa noite do oceano imenso à sua volta, e ao longe as luzes do navio que se afastava. O que se terão dito o poeta e a eternidade nesses poucos instantes em que ele, quem sabe banhado de poesia total, boiou a esmo sobre a negra massa líquida, à espera do abandono? 

Solidão inenarrável, quem sabe povoada de beleza... Mas será ela, também, a maior solidão? A solidão do poeta Rilke, quando, na alta escarpa sobre o Adriático, ouviu no vento a música do primeiro verso que desencadeou as Elegias de Duino, será ela a maior solidão? 

Não, a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.


Vinícius de Morais


A empregada, o assassino e o deus esquizofrênico

Já se vão alguns anos em que, por força das circunstâncias, precisei de abrigo no Rio de Janeiro. Dois amigos, filhos de pastor, me ofereceram sua casa e lá fiquei por quase um mês, desfrutando da amizade e companheirismo que até hoje me trazem boas recordações, algumas delas bem engraçadas. Uma dessas histórias diz respeito à empregada da família, que já nem me recordo o nome, mas nunca esqueci do fato:

Certa época, na residência da família, alguns objetos começaram a sumir, e eram sempre objetos de valor para todos na casa. Buscas daqui e de lá… e nada! Quando, repentinamente, a empregada encontrava o objeto estimado e todos ficavam felizes, além, é claro de enaltecer as virtudes da moça tão atenciosa. Mas lá pela quinta vez em que isso acontecera em menos de um mês, começaram a desconfiar da “sorte” da dita empregada e ao “encostarem-na na parede”, logo surgiu a confissão: era ela mesma quem escondia os objetos e depois que todos cansavam de procurar, os “encontrava”. Fazia isso para ser elogiada e querida pelos seus patrões (o que era totalmente desnecessário, já que trabalhava, com todas as regalias, há mais de 5 anos com aquela família).

Muda a cena.

Quem já não leu, ou ouviu falar, de casos em que o assassino comparece ao enterro da vítima, e ainda oferece consolo aos familiares enlutados? Um dos casos mais famosos foi o do ator(?) Guilherme de Pádua, assassino confesso da atriz(?) Daniela Perez, caso que chocou a opinião pública brasileira e ocupou horas da programação televisiva e páginas e mais páginas das publicações midiáticas à época. Realmente é algo chocante para a maioria das pessoas tal atitude, o que mostra, além de frieza, um grau de maldade e desfaçatez latentes na pessoa que age desta maneira.

Pois ao meu ver, as atitudes acima, da empregada e do assassino, em nada diferem da figura do “deus” que determina todas as coisas, que faz com que seus filhos sofram para depois aparecer com o “objeto querido”, que é capaz de assassinar pessoas, segundo o seu “decreto” e depois, “cara-de-paumente” oferecer o Consolador para aliviar corações enlutados.

Um deus que age desta forma, na mais tranquila das hipóteses, é um esquizofrênico, para não o chamarmos de psicopata (não é assim que vociferamos todos contra os assassinos que agem assim?). Um deus que é capaz de realizar o mal para demonstrar logo em seguida sua bondade carece de acompanhamento psiquiátrico. Um deus que é capaz de fazer alguém cair em desgraça só para ensinar lições aos seus filhos queridos não merece o respeito. Um deus que é capaz de matar o marido de uma mulher e a mulher de um outro marido, só para os que “sobraram” se encontrarem e serem “felizes”, é um demônio!

Um deus que faz com que um casal tenha um filho com alguma doença séria só para “trazer de volta” o casal que estava “afastado da comunhão” não merece nem sequer uma nota musical, quanto mais um cântico de louvor. Um deus que mata uma criança num acidente trágico, só para ensinar aos pais as consequências de uma vida longe da igreja, pode ser chamado de diabo.

Um deus que precisa de atos de crueldade para demonstrar o seu “grande amor” e a sua “imensa graça” nunca, jamais, terá dos meus lábios a confissão de que “Vive e Reina para Sempre”.

Ando de braços dados com um Deus que se revela todo em amor e graça. Descubro-O nos lugares e nas pessoas mais inesperadas (até mesmo ateus e “não-cristãos). Contemplo sua beleza nos versos dos poetas e menestréis que habitam o meu silenciar. Devoro sua carta de amor, que muitos querem como manual, como criança que consegue juntar palavras pela primeira vez.

Estou num Caminho sem volta…



José Barbosa Junior

Por que deixei de crer em Deus (Liesel Hoffmann)

Não sou brasileira, mas sou quase. Meus pais Alfons e Helga saíram de Hamburgo em abril de 1990, quando meu irmão Wolfgang e eu éramos crianças de 10 e 3 anos, respectivamente, e se instalaram em Salvador, Bahia. Desde Hamburgo meus pais eram luteranos, e mantiveram a religião na Bahia, apesar da forte presença católica e das religiões afro-brasilienses. Cresci ouvindo falar em Deus como um controlador do universo, a quem os seres humanos devem obediência e medo. Sempre ouvia falar na igreja que Deus é quem permite ou proíbe que as coisas aconteçam em nossa vida. Me lembro de uma vez num sermão o reverendo comparar Deus a um controlador de voo, responsável por manter os aviões no ar. Nesse dia me lembro de ter falado ao meu pai: mas os aviões caem…

Crescemos e fomos para o bairro da Moóca, em São Paulo, sempre com a visão de Deus como o controlador do Universo. Eu, por ter ido para o Brasil bem nova não tive muitos problemas com o idioma, ao contrário de meu irmão que, assim como meus pais, não entendiam o uso dos artigos e pronomes com substantivos masculinos e femininos, o que os levava a falar coisas com “meu casa”, “meu mãe”, “minha pai”, “a namorado de meu irmã”, “meu cunhada” e coisas assim, o que sempre era motivo de piada entre os amigos brasileiros.

Em 2004, meu irmão resolveu fazer faculdade. Aos 24 anos achou que poderia seguir carreira em São Paulo mesmo, já que meus pais não pensavam em voltar para a Alemanha e ele também não tinha o menor interesse em voltar. Se sentia muito bem no Brasil. Nós no sentíamos bem. Iniciou, em fevereiro, o curso de Publicidade e Propaganda no Presbiteriano Mackenzie, uma das melhores faculdades de São Paulo. Havia acabado de adquirir um carro. Tinha uma belíssima namorada brasileira, que era modelo na época. Ele estava muito feliz com a vida. Falava que era um “quase brasileira”, e fazia os amigos rirem com isso. Meu irmão e eu nos dávamos muito bem. Ele era meu melhor amigo e eu era a melhor amiga dele, a ponto de confidenciarmos um com o outro coisas que nem nossos pais sabiam. Ele me ensinou a dirigir e eu o ensinava a falar português. Nós nos amávamos muito. Eu o tinha como um herói, e ele me via como uma boneca de porcelana, com ele mesmo dizia.

No dia 27 de maio de 2004, ao sair da faculdade, meu irmão foi abordado por três homens que o mandaram entregar o carro. Sem esboçar qualquer reação meu irmão lhes entregou a chave e se afastou. Ao entrar no carro, um dos homens acertou meu irmão com um tiro que foi fatal: na mesma hora ele caiu morto em frente a faculdade. Naquele dia eu perdia uma das pessoas mais importantes da minha vida: Wolfgang Rudolph Jung Hoffmann, o Wolf, meu irmão a quem eu tanto amava, que morreu aos 24 anos. A família entrou em crise: meus pais se desesperaram, meus tios pensaram em fazer justiça com as próprias mãos. Mais ainda: minha crença em Deus se esvaziou por completo. Eu, uma adolescente de 17 anos totalmente descrente de Deus. Me lembro de ter dito: que Deus controlador é esse que permite um rapaz tão cheio de vida como meu irmão morrer de uma forma tão injusta? Ninguém me respondia. Na catedral luterana o reverendo dizia apenas: “deus quis assim”. Quis assim como? Ele fica feliz com a desgraça da família dos outros? Onde fica o tal amor que a Bíblia tanto fala?

Para encurtar a história, nos mudamos para o interior de SP em 2004 mesmo e em 2005 voltei para São Paulo, para morar sozinha e iniciar minha vida com meus próprios braços. Em dezembro de 2009 minha família resolveu voltar para Hamburgo, Alemanha. O Brasil, essa terra abençoada de gente alegre, era doloroso demais para minha mãe, que lamenta por ter passado uma tragédia tão grande num país tão bonito. E eu que não tinha nada a perder voltei também, mas agora para Berlin, onde vivo hoje.

Desde que meu irmão se foi perdi totalmente a fé em Deus. Fiquei depressiva. Precise de acompanhamento psiquiátrico. Tive crises emocionais. Tinha momentos terríveis em que precisava ser socorrida por estar em uma crise nervosa. Me lembro de um dia, já em Berlin, durante uma crise emocional onde eu gritava de desespero eu dizer: dá pra sair da minha vida, Deus? Você já me trouxe prejuízos demais. E assim vivi. Não queria correr o risco de crer num Deus que eu pensava proteger os que amo e ter de conviver com novas tragédias.

Agora, depois de viver e estar totalmente estabilizada aqui, começo a ver Deus de uma outra forma. Li o livro de um teólogo chamado Jurgen Moltmann e venho lendo algumas coisas sobre Deus escritas por alguns líderes religiosos brasileiros. Um deles é o reverendo Ricardo Gondim, da Igreja Betesda em São Paulo. Estou descobrindo uma outra forma de ver Deus: ele não tem nada a ver com os acontecimentos humanos. Deus não controla nada, mas ama os seres humanos e lhes apoia nos momentos difíceis. Há alguns dias atrás, depois de ouvir um dos sermões do rev. Gondim pela internet cheguei à conclusão: Deus não teve nada a ver com a morte do Wolf, pois ele não permitiu nada, mas foi ele quem me ajudou a aguentar viva quando eu tentei tirar minha vida 15 dias após a morte dele. Comecei a chorar na hora. Pedi perdão a Deus por te-lo culpado pelas desgraças da minha vida. Espero que ele me perdoe por isso!

Ainda tenho várias dúvidas sobre Deus. E até hoje não me recuperei do trauma da morte do Wolf, mas aos poucos as coisas estão se encaixando. Mas independente de uma coisa e outra agora estou me sentindo melhor comigo mesma. Hoje faz exatamente 8 anos que meu irmão se foi, e é o primeiro ano que passo o dia inteiro sem qualquer crise depressiva. Ainda relembro a cena que vi quando cheguei em frente à faculdade, mas lido melhor com isso. Entendo que todos estamos sujeitos à tragédia.

Espero que esse texto seja mais um passo rumo à cicatrização dessa ferida tão dolorosa.



Liesel Hoffmann publica seus textos no seu blog:

Elogio à preguiça

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. Não poderia viajar pelo mundo inteiro.

Conta-se que em fins do século passado, num remoto país do Oriente, a viagem da capital à fronteira levava nada menos que trinta dias, e ainda por cima a lombo de camelo. E sucedeu que um engenheiro britânico ali residente, em nome do progresso, resolveu remediar a coisa.

– Enfim – concluiu ele, após uma audiência com o respectivo xá, ou coisa que o valha – , construindo-se a estrada de ferro de que o país tanto necessita, a viagem até a fronteira poderá ser feita em um só dia!

– Mas – objetou o velho monarca que o ouvira com uma paciência verdadeiramente oriental – o que é que a gente vai fazer dos vinte e nove dias que sobram?!

… E mais confortador das longas viagens de trem são esses burricos pensativos que vemos à beira da estrada e nos poupam assim o trabalho de pensar…

Certa vez abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”. Constava do título e de duas belas colunas em branco, com a minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso coordenador da página literária.

Já viram desconfiança igual?

Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.

Em suma: o que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho.

Compensação:

Suave preguiça que, do mal querer
E de tolices mil, ao abrigo nos pões…
Por tua causa, quantas más ações
Deixei de cometer!


Mario Quintana

Conversa de bar

Uns amigos estavam tomando umas e outras no bar de outro amigo quando um deles perguntou:

- "O que vocês acham? Se um homem tiver cem ovelhas, e uma fugir e se perder, o que ele fará? Deixará as outras noventa e nove e sairá em busca da perdida?" 

-"Só se ele estiver doido, ou bêbado!" Respondeu o segundo amigo.

- "E se a encontrar, ele se alegrará por causa dela mais do que pelas outras noventa e nove que não se perderam!" Continuou o que tinha dado início a conversa.

- "Ishe! Esse cara aí tem algum segredo com a cabritinha... kkkkk..." Comentou outro amigo. 

- É uma ovelha!

- Tanto faz!

- Vamos ver de outra forma: Se vocês tivessem cem latas de cerveja e percebessem que perderam uma, deixariam as noventa e nove e sairiam a procura da que perdeu-se?

- "Velho, tu acha que eu ia deixar noventa e nove latas de cerveja dando sopa pra ir atrás só de uma? Nem depois que eu tivesse tomado a metade delas!" Respondeu o segundo amigo.

- E o que tu quer dizer com isso? Perguntou o amigo dono do bar.

-Bem, um simples pecador, em certas circunstâncias, pode ser mais querido a Deus do que noventa e nove justos.*


Abraço,
Eliab Alves Pereira

*["Um simples pecador, em certas circunstâncias, pode ser mais querido a Deus do que noventa e nove justos." É uma frase de Herman Hesse no livro "O lobo da Estepe".]

Braços cruzados

"Eu não esquento a cabeça. Não vou mudar o mundo mesmo!"

Isso já é o suficiente para alguém ouvir muita coisa da minha parte. E foi assim que entrei numa discussão hoje.

Estava conversando com uma pessoa sobre más ações que são esquecidas quando quem as praticou manipula os atingidos com benefícios. E, por incrível que pareça, a pessoa tentou defender isso.

Eu sou corrupto, não trabalho para o bem social, mas isso não é relevante se eu te der uma grana extra pra você votar em mim. "Ah, mas ele ajudou alguém que precisava desse dinheiro!" Eu menosprezo pessoas, desvalorizo ações que não me geram lucros, mas você não se importa com isso porque, afinal, eu vou te empregar na minha empresa, correto? "Ah, mas tem muita gente chata no meio do mundo mesmo. Nem todo mundo as suporta. E quem não desvaloriza coisas que não trazem benefícios próprios?"

"Você não vai mudar o mundo sozinho!" Foi o que ouvi hoje. Pensei em citar Madre Tereza de Calcutá quando disse: "O que eu faço é uma gota no oceano. Mas sem ela o oceano seria menor." Mas não ia adiantar, Madre Tereza não era protestante, se é que você me entende.

"Quem não vai mudar o mundo é quem não tenta". Respondi. Como posso dar a mão a alguém que precisa se meus braços estiverem cruzados? 

Mas como explicar a cor verde a um cego? É difícil mostrar algo que só você vê; principalmente se a outra pessoa teve os olhos arrancados por um sistema acomodado, amém! 

O que estão ensinando a esse povo? "Tome aqui uma lista de coisas que vão te dizer como viver e está tudo bem!". É isso? Você não vê o monstro que estão criando quando limitam pessoas a algumas ações? Quando as prendem em uma bolha que não permite que vejam o caos lá fora?! Eu faço parte de um grupo de ação social, mas isso não me acomoda. Isso não me permite pensar: "Ah, já estou fazendo isso aqui, está ótimo!" Não! O mundo é grande, está bagunçado, precisa de mim, precisa de você! Se eu me limitar à ação social que eu faço num determinado lugar, esse grupo também será uma bolha. Isso deveria me dar mais vontade de procurar outros meios para trabalhar, não me acomodar!

Ouvi coisas que não queria ouvir, ouvi coisas que me fizeram pensar na distância em que algumas pessoas estão de fazer algo para os outros, ouvi coisas que me provaram que, se não houver recompensa, algumas pessoas deixarão o resto do mundo na lama. O pior é que a recompensa almejada não é ter salvo alguém, a recompensa não é fazer um novo amigo, a recompensa não é se doar a quem precisa, mas a recompensa é algo que vai me beneficiar com bens materiais ou financeiros. Como diria Emicida: "Quanto mais eu conheço algumas pessoas, mais eu gosto do meu cachorro!"

Não ter apoio, não ver grandes mudanças e ser a minoria a fazer é o bastante para eu desistir de ajudar o mundo? Cristo fez tudo sozinho! Ele foi debochado, criticado, perseguido e, depois que se foi, quem ficou pra continuar seu trabalho fez o que fez. Mas a sua gota tornou o oceano maior. Depois de todo o trabalho, qual a recompensa que ele teve? Foi traído, negado, crucificado. Por quem? Pelos seus! Se tem alguém que teria direito de desistir do mundo por causa dos resultados, esse alguém é Deus! Mas Ele abriu mão desse direito, arregaçou as mangas e veio fazer o que NÓS deveríamos fazer. Imagina se Ele olha pra nós de diz: "Eles estão perdidos, não vou esquentar a cabeça."

Uma vez li num livro de fábulas chinesas uma história contada por Lie Yukou que dizia o seguinte:

Perto das montanhas de Taihang e Wangwu vivia um velho de noventa anos que todo mundo achava que ele era louco. Ele tinha uma ideia fixa; a de remover as montanhas da frente de sua aldeia e levá-las para outro lugar. Ninguém acreditou que ele fosse fazer isso. Certo dia o velho louco acordou bem cedo e disse novamente que iria remover as duas montanhas para abrir caminho até Hanying, onde os agricultores iam vender seus produtos no mercado. Ele começou a encher um cesto com pedras e, pouco depois, passou perto de sua casa com a carga nas costas. Sua mulher perguntou: 

- Onde vai jogar a montanha? 
- No mar Bohai. 

Logo seu filho e seus três netos foram trabalhar com ele. Juntos quebravam as pedras, tiravam a terra, enchiam com ela os cestos e iam jogá-las no mar Bohai. Até o filho de sete anos da viúva, que nascera depois da morte do vizinho, veio ajudá-los. Eles trabalhavam de domingo a domingo, de primavera a primavera, voltando para casa apenas uma vez por ano. 
Mesmo as pessoas que não acreditavam que fosse possível tirar as montanhas do lugar se dispuseram a ajudar o velho louco. Primeiro sua mulher e seus outros filhos. Depois os vizinhos e os vizinhos de seus vizinhos. Mais tarde acharam, sim, que a montanha tinha de dar passagem até Hanying. 
Um sábio que vivia na curva do rio tentou dissuadi-lo daquela loucura.

- Deixa de ser doido. Um homem velho e fraco como você, incapaz de carregar um saco de areia, vai remover duas montanhas para mudá-las de lugar?

O velho deu um suspiro. Olhou para a montanha, olhou para o mar Bohai, lá longe, como se calculasse quanto tempo faltava para terminar o trabalho, e disse:

- Se eu morrer, eu deixo meu filho e o filho do meu filho, o filho do meu neto, o filho do filho do meu neto. Já as montanhas, não crescem mais nem aumentam de tamanho. Por isso eu vou continuar meu trabalho.

O sábio da curva do rio não soube o que responder.

[Dizem que essas duas montanhas estavam no sul do país. Hoje, uma está em Qinghai e a outra, na periferia de Beijing.]

Enquanto você esfria sua cabeça, eu carrego meu cesto. Senta de braços cruzados no meio do meu caminho e eu passo por cima de você.



Abraço,
Eliab Alves Pereira


Eu, você e Deus

Hoje tive uma grande decepção! Alguém me censurou por ter certos tipos de amizade que, para alguém, não são sadias ou não são amizades que me levarão muito longe. "Cuidado com aquele tipo de gente..."; "Não sei o que você está fazendo com essa pessoa!"; "Não vejo futuro em você estar com esse povo.

Esse comportamento, depois que passou a indignação, me fez pensar: Até onde o preconceito afasta as pessoas de novos amigos? Até que ponto a discriminação mudou o sentido genuíno do relacionamento?

"O quê? Eliab é amigo de ateus? Budistas? Espíritas? Homossexuais? Pobres? Políticos?"


Com todo esse medo, toda essa cisma, onde fica a aventura de conhecer pessoas diferentes? Pessoas novas, contrárias, de outra realidade, de outro ângulo? Será que relacionamento é baseado apenas na convivência entre eu e pessoas que me convêm, ou pessoas de "boa índole"? Será que o relacionamento se tornou tão mesquinho a ponto de limitar amizades a pessoas "iguais" a mim?

E o amigo? Onde fica? Será que amigo é apenas aquele cara que gosta de tudo que eu gosto? Amigo é aquele que é considerado uma boa pessoa para o senso comum, é isso? Amigo não é mais aquela pessoa a quem eu me dôo sem esperar algo em troca, mas sim quem vai me trazer uma boa imagem, correto? Não posso ser amigo de ateus porque eles vão pro inferno, não é? Vai que eles me arrastem! Não devo me aproximar de homossexuais porque eles são abomináveis. Até entendo a preocupação da pessoa que me censurou; vai que quando Deus for jogar um raio nos homossexuais eu esteja por perto!

Sociedade, por que você se deixou levar por esse pensamento? Por que você julga as pessoas como más companhias por causa do rótulo que você deu a elas? Você jogou um perfil em determinadas pessoas e, para que eu não descubra que você está mentindo, você me critica por me aproximar dessas pessoas. É como atirar em alguém e atirar também em quem se aproximou desse alguém só porque está próximo. O problema é que eu não me importo de ser atingido. Eu estou disposto a levar os golpes de uma sociedade preconceituosa se isso me conservar uma boa amizade!

Esse episódio me lembrou uma conversa que tive com Mirjam, uma amiga holandesa, ex missionária JOCUM. Lembrei quando ela comentou sobre a vergonha que sentira quando começou um trabalho social com prostitutas. Ela contou sobre os olhares e os comentários que as pessoas começaram a fazer sobre ela por se aproximar das garotas. Ela compartilhou comigo que, no início, se sentia bastante incomodada e envergonhada com essa situação. Comentou até que algumas vezes se pegou pensando: "Poxa, será que eles pensam que eu sou uma delas?". Mirjam diz que conseguiu se livrar disso quando comparou essa situação com a de Cristo. "Cara, Ele vivia com o tipo de gente mais rejeitada daquela época. Você acha que Ele também não pensou a mesma coisa que eu em algum momento? A diferença é que Ele não se importava com o que os outros pensavam a seu respeito".

Aproveito esse pensamento da Mirjam e faço mais um comentário: Talvez Cristo tenha pensado: "Ainda bem que eles me consideram igual aos rejeitados". E eu concordo com Ele, se Ele tivesse dito. Mas mesmo sem Cristo ter dito isso, é assim que eu penso! Prefiro ser considerado igual aos marginalizados, aos excluídos, aos rejeitados; prefiro ser semelhante a eles.

[As palavras em destaque são links] 
Sociedade, você ridiculariza homossexuais (que também atacam seus perseguidores), persegue pessoas de religiões e ideologias diferentes, manipula os relacionamentos, condena prostitutas, destrói dormida de moradores de rua, patrocina o trabalho escravo infantil, você consome violência, imoralidade, você é narcisista, usa a mulher como objeto de prazer, desenvolve mídia ridícula e joga na mente de suas crianças, você destrói casamentos, censura o pensamento livre, você mata seu próximo, rouba seu vizinho, estupra seus filhos, polui o meio em que vive, não ajuda quem precisa de você, você é suja, preconceituosa, infame, doente e ainda se acha no direito de julgar o próximo? Você exclui e discrimina o marginalizado quando deveria ter nojo de quem o excluiu! Você reclama de quem está na lama depois de você tê-lo jogado lá! 

Então disse Jesus aos seus discípulos: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me; pois, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á."
[Mateus 16: 24 e 25]

 Está aí a solução para consertar essa sociedade despedaçada! 


Neguemos a nós mesmos, aceitemos o outro, abramos mão de nosso conforto para o bem do próximo, neguemos nossa vida para salvar a do nosso irmão, essa é nossa cruz! Amemos o outro a ponto de dar nossa vida por ele; não morrendo, mas no sentido de nossa vida não ser para nos servir, mas para servir o outro. "Mas se eu fizer isso, perderei minha vida!" você dirá. Se você fizer por amor, achá-la-á através de outros. Afinal, se todos fizermos isso, enquanto eu dôo minha vida a alguém, outro alguém estará se doando a mim. Cuidemos uns dos outros! Só precisamos que alguém tome a iniciativa. E, na verdade, alguém já começou esse trabalho: "Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos." [Marcos 10:45]

Perder sua vida por amor a Cristo não é morrer por um sujeito que viveu há 2.000 anos, é viver para a representação dele no próximo! É doar-se à manifestação dele no outro.


"Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me." 
Então os justos lhe responderão, dizendo: "Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?" 
E, respondendo o Rei, lhes dirá: "Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes".
[Mateus 25:35-40]

Perca sua vida por amor ao próximo e você estará fazendo isso a Cristo! Qualquer atitude sua para com o próximo, será para com Cristo. Quer seja alimentando-o, quer seja discriminando-o. Rejeite seu irmão e você estará rejeitando a Deus, abrace-o (por mais que seja diferente), e você estará abraçando Deus.




Abraço,
Eliab Alves Pereira

Amar o próximo sem amor a si mesmo

No que respeitava aos outros, ao mundo em redor, sempre estava fazendo os esforços mais heróicos e sérios para amá-los, para ser justo com eles, para não fazê-los sofrer, pois o "Amarás teu próximo!" estava tão entranhado em sua alma como o odiar-se a si mesmo; assim, toda a sua vida era um exemplo do impossível que é amar o próximo sem amor a si mesmo, de que o desprezo a si mesmo é em tudo semelhante ao acirrado egoísmo e produz afinal o mesmo desespero e horrível isolamento.

Essa é uma observação que o sobrinho da dona da pensão onde está hospedado o Sr. Haller, O lobo da Estepe, faz a respeito do novo hóspede. 

Herman Hesse faz uma brincadeira super inteligente com a frase "Amarás teu próximo como a ti mesmo" usando a frase pela metade e, logo em seguida, usando as palavras "odiar-se a si mesmo". O inteligente dessas colocações é que elas nos fazem, ou me fez, pensar sobre a grande contradição em que nos colocamos ao odiarmos a nós mesmos e, logo depois, tentarmos amar o próximo (como fez o Lobo da Estepe).

Como posso amar o próximo como a mim mesmo se eu vivo buscando em mim coisas que me desaprovam? Se eu busco coisas ruins em mim, como posso buscar o melhor do meu próximo? Se eu me enxergo como um pecador, como posso ver meu próximo de outra forma? Se eu não tenho misericórdia de mim mesmo, terei do meu próximo?

Estou questionando isso pelo fato de ver enraizado na mente de muita gente a ideia de que temos de viver nos culpando e correndo atrás de uma determinada perfeição para que possamos agradar a Deus. Todo dia eu vejo uma pilha de frases pedindo para Deus mostrar o caminho certo a seguir, ou vejo alguém se dizendo imperfeito, pecador, etc. Virou rotina ver pessoas se lamentando por não conseguirem "agradar" a Deus. 

Penso que as pessoas que fazem isso têm em mente a ideia de que se reconhecerem que são pecadoras, Deus vai se sentir tão bem com a "sinceridade" delas que vai perdoá-las de todas as suas dívidas. Claro, elas não pensam exatamente com essas palavras, mas se pararem pra analisar, é exatamente isso que pensam. 

Eu quero chamar a atenção para esse comportamento porque a partir do momento em que você busca apenas o que você tem de ruim para apresentar a Deus como forma de propiciação, você irá fazer o mesmo com o seu próximo; só que ao invés de apresentar como forma de livrá-lo dos seus pecados (como você faz consigo), será para condená-lo.

Já reparou que todo mundo que se acha o santarrão vive se lastimando e dizendo que é falho, imperfeito, pecador, etc? Já reparou também que é justamente esse tipo de gente que mais acha defeito nos outros? É justamente esse tipo de gente que mais julga o próximo! Por que? Porque ele vive buscando defeitos nele mesmo para apresentar a Deus e lamentar sua imperfeição, e isso o leva a achar que, por ser "sincero" ao admitir que é pecador, isso o torna bom aos olhos de Deus. Mas o fato de ele viver buscando erros em si o leva a buscar nos outros também.

Se eu busco apenas o que eu tenho de ruim, ou o que eu considero ruim, com um tempo eu vou começar a me odiar por ser aquilo que sempre vejo em mim. Se eu me odeio, que amor eu terei por mim mesmo para usar como exemplo para amar o próximo? Lembra do mandamento? Amar como a mim mesmo! Se não amo a mim, não amarei o próximo! Qualquer tentativa de amá-lo sem me amar antes será como o Lobo da Estepe: toda a sua vida era um exemplo do impossível que é amar o próximo sem amor a si mesmo.


Se depois de tudo que Cristo fez por mim, eu ainda sou imperfeito, então de que valeu sua morte? Se eu devo correr atrás da minha perfeição, de que valeu o sacrifício de Cristo? Ao se doar no nosso lugar, Cristo nos livrou de toda culpa, de toda imperfeição, de todo pecado. Ele já fez esse esforço por mim. Se eu tentar ser perfeito, eu estou dizendo que o trabalho não foi bem feito. O fato de haver pessoas que vivem buscando a perfeição é porque essas pessoas não têm fé na justificação por meio de Cristo, e se não têm essa fé é porque não conhecem a salvação por meio de Cristo, podem conhecer outra coisa que lhes foi apresentada, mas não a genuína salvação pela Graça. Eu só preciso crer que, por causa de Cristo, eu fui justificado. Eu sou considerado perfeito por causa do que Ele fez por mim. A cultura diz que sou imperfeito, a mídia também diz, a igreja, amigos, família, escola, etc. Mas eu sou imperfeito para um padrão estipulado por eles. E, pra mim, o que importa é o padrão estipulado por Deus. E qual é? 

Assim, com um sacrifício só, ele aperfeiçoou para sempre os que são purificados do pecado. E o Espírito Santo também nos dá o seu testemunho sobre isso. Primeiro ele diz: "Quando esse tempo chegar, diz o Senhor, eu farei com o povo de Israel esta aliança: Porei as minhas leis no coração deles e na mente deles as escreverei." Depois ele diz: "Não lembrarei mais dos seus pecados nem das suas maldades." Assim, quando os pecados são perdoados, já não há mais necessidade de oferta para tirá-losPor isso, irmãos, por causa da morte de Jesus na cruz nós temos completa liberdade de entrar no Lugar Santíssimo. Por meio da cortina, isto é, por meio do seu próprio corpo, ele nos abriu um caminho novo e vivoNós temos um Grande Sacerdote para dirigir a casa de Deus.Portanto, cheguemos perto de Deus com um coração sincero e uma fé firme, com a consciência limpa das nossas culpas e com o corpo lavado com água pura.
[Hebreus 10:14-22] 

Ao me perdoar, ao me justificar, ao me tornar digno de chegar perto dEle, Deus me deu a oportunidade de ver tudo de bom que eu tenho, Ele me deu a oportunidade de ver o mal que havia em mim morrer, Ele permitiu que eu me enxergasse como Ele me enxerga: como alguém que foi consertado por Ele. Dessa forma, não vejo imperfeição em mim, o que vejo é a Graça Divina. Minhas falhas, erros e pecados não me levam a um auto martírio, não mais! 

Agora essas coisas me levam a enxergar a Misericórdia que recebi. E isso me faz perceber que há algo de bom aqui dentro que fez Cristo se entregar por mim. E é esse algo de bom que eu procuro no outro. Dessa forma, o amo como amo a mim mesmo; como alguém que apesar das mancadas, tem algo de especial que chamou a atenção de Deus. Se não me culpo, como posso culpar o outro? 

O motivo que eu tinha para me odiar foi destruído em Cristo. Se eu creio em sua salvação, então não tenho motivos para me odiar, se não tenho motivos para me odiar, não tenho para odiar o outro. Afinal, o que Deus viu em mim, também viu em meu próximo!




Abraço,
Eliab Alves Pereira

Naturalmente, não querem nadar

Esta manhã encontrei uma frase em Novalis (...) 

(...) Espere, aqui está. Ouça: "A maioria dos homens não quer nadar antes que o possa fazer." Não é engraçado? Naturalmente, não querem nadar. Nasceram para andar na terra e não para a água. E, naturalmente, não querem pensar: foram criados para viver e não para pensar! Isto mesmo! E quem pensa, quem faz do pensamento sua principal atividade, pode chegar muito longe com isso, mas sem dúvida estará confundindo a terra com a água, e um dia morrerá afogado.



O lobo das Estepe - Herman Hesse 

A grandeza do mar

VOCÊ SABE por que o mar é tão grande?

Tão imenso? Tão poderoso?
É porque teve a humildade de colocar-se alguns centímetros
abaixo de todos os rios.
Sabendo receber, tornou-se grande.
Se quisesse ser o primeiro, centímetros acima de todos os rios,
não seria mar, mas sim uma ilha.
Toda sua água iria para os outros e estaria isolado.
A perda faz parte.
A queda faz parte.
A morte faz parte.
É impossível vivermos satisfatoriamente.
Precisamos aprender a perder, a cair, a errar e a morrer.
Impossível ganhar sem saber perder.
Impossível andar sem saber cair.
Impossível acertar sem saber errar.
Impossível viver sem saber morrer.
Se aprenderes a perder, a cair, a errar, ninguém mais o controlará.
Porque o máximo que poderá acontecer a você é cair, errar e perder.
E isto você já sabe.

Bem aventurado aquele que já consegue receber com a mesma naturalidade
o ganho e a perda, o acerto e o erro, o triunfo e a queda, a vida e a morte.




Paulo Roberto Gaefke
[No livro "Quando é preciso Viver" página 29]

Deus, liberdade e suicídio

Ficou famosa a frase de Albert Camus sobre o suicídio: “O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia.” O existencialista francês não contemplou, com certeza, a questão pelo ângulo que vou abordar. Pego, entretanto, a afirmação dele para mostrar que a inciativa de acabar com a vida radicaliza a ideia de liberdade.

O suicida desafia as questões fundamentais do livre arbítrio. A liberdade de dizer sim ou não à própria existência contrapõe qualquer conceito de soberania divina. Até onde Deus controla o dedo que puxa o gatilho ou a mão que enlaça o pescoço? O suicida cumpre algum propósito preconcebido antes de seu nascimento? Insisto em perguntar (sem cinismo): “Quem se mata interrompe por conta própria os planos divinos ou cumpre o papel que lhe foi designado antes da fundação do universo?”.

Para melhor entender o embaraço, imaginemos um debate sobre os limites da liberdade humana. O auditório está lotado. De um lado fica o grupo que defende teses deterministas: “cultura, genética e forças econômicas se somam a infinitos fatores circunstanciais, e ninguém é livre”. À esquerda, existencialistas meneiam a cabeça. Com chavões sartreanos, repetem: “a existência precede a essência, e a existência acontece no imperativo de ser livre”. No centro, teólogos agostinianos, dedo em riste, deixam claro: “a humanidade só conhece a liberdade de pecar”. Nas últimas cadeiras, niilistas gritam: “a vida não tem sentido algum e a própria necessidade de dar sentido à existência não passa de desespero em face da morte”. De repente, no meio da algazarra, um jovem se levanta. Ele carrega um revólver. Enfia o cano na boca, e antes que alguém possa evitar, puxa o gatilho.

No exato instante em que o rapaz escolhe acabar com a própria vida, os debatedores, perplexos, se entreolham. Não há o que dizer.

O susto deixa várias perguntas sem resposta. A brutalidade do gesto estava “escrita e determinada” por quais fatores? Deus? Ele tinha o código genético de matar-se? Em vidas passadas, selou aquela hora? Ou Deus o predestinou para tal insanidade? Alguma mão cobria a que executou o gesto? Quem ajudou ou, pior, empurrou o suicida para o abismo? É possível entender as forças sociais, genéticas ou instintivas que levam um rapaz a um ato tresloucado?

Por mais de um motivo, Camus acertou. O suicídio é, sim, um nó górdio tanto da teologia como da filosofia. No suicídio reside o mais radical e completo exemplo do livre arbítrio. A não interferência divina nas escolhas individuais ficam claras quando alguém se mata. Repetindo Sartre, o findar-se com as próprias mãos mostra que a humanidade “está condenada à liberdade”.

Aristóteles afirmou que mulheres e homens se diferenciam dos animais só por serem racionais. Descartes tentou ir além: humanos são mais excelentes por terem desenvolvido sentimentos. Rousseau, entretanto, procurou demonstrar que liberdade é o fator determinante para se entender a humanidade.

Para o iluminista francês, somos livres porque dispomos da capacidade de aperfeiçoar-nos – ou de destruir-nos. Só os humanos conseguem libertar-se de instintos naturais quando agem. Um cachorro, que carinhosamente lambe a mão do dono, não é movido por virtude. Ele age sem noção. Desconhece que pode morder ao invés de lamber. Mas o torturador arranca as unhas do preso e o marido espanca a companheira por maldade; isto é, existia a possibilidade de não fazerem aquilo. Se em qualquer ação forçada, o crime se torna inimputável, o pitbull que destroça a criança não pode ser levado a qualquer tribunal e o pedófilo, sim.

O conceito de liberdade implica em ações não coagidas – ou manipuladas. Um ato só é virtuoso ou viciado se existir a possibilidade de eleger o oposto. É possível afirmar: liberdade é vocação. Deus decidiu criar o mundo para a liberdade. Seu intento único é amar; e liberdade é atributo do amor. Deus não criou por carência. Ele escolheu rodear-se de pessoas que pensam, sentem e decidem não porque necessitava dar satisfação a outra divindade ou para cumprir alguma demanda misteriosa. Deus criou porque sua natureza essencial é amar.

A Bíblia expressa com clareza: Deus é amor. Quem ama busca relacionar-se. E relacionamento significa valorizar o outro. Deus estima tanto que se expõe e se vulnerabiliza. Caso nunca tivesse criado, não lidaria com pessoas imperfeitas. E jamais experimentaria dor e frustração. Em seu apreço, a liberdade humana passa a ser o limite que Deus impõe a si mesmo.

Tal fragilidade pode ser bem compreendida nas metáforas do profeta Oséias e do Filho Pródigo. Nos dois, os amantes se veem em situação embaraçosa. O comportamento tanto da mulher como do filho causam dor; escapam ao controle do marido e do pai. Na parábola, o filho sai de casa. O pai não reage. A porta precisa ficar aberta. Não lhe interessa manter o filho constrangido. Resta ao velho esperar. O profeta se vê na desdita de amar uma leviana, que se prostitui com qualquer um. Sobra perdoar; e aguardar. Quem sabe ela voltará?

Comparando Deus a um imperador, temos uma leve insinuação da relação amor, liberdade. Certo rei dispõe de várias mulheres no harém. Ele, porém, se apaixona por Sulamita. Caso ordene, ela será conduzida à câmara real como objeto de prazer. Mas o monarca não quer desse jeito. Ele a vê em outro patamar. Para isso, precisa conquistar o seu coração. Mais complicado: ele também quer ser dela. Na busca do amor, por mais poderoso que seja, o imperador ficou vulnerável, indefeso.

Deus deseja cativar. Ele anseia por filhos, por amigos. E também quer ser nosso. Os amantes não se forçam. Impor-se e amar não combinam.

Deus é frágil? No amor, sim. Mas afirmar isso não o enfraquece, apenas descreve o poder do amor. O sofrimento de Deus não diminui a sua grandeza, apenas distingue o Aba de Jesus dos ídolos gregos. O sentimentos divinos ajudam a entender: o poder mais maravilhoso do universo não usa da coerção, ele é a plenitude dos afetos.

Jesus encarnou Deus e vimos as suas lágrimas. No Galileu, Deus se revelou empático. Por causa do Nazareno, ficou impossível conceber que a divindade tudo ordena, tudo dispõe e tudo orquestra. Não existe um deus que toca projetos sem levar em consideração as pessoas, que ele jura amar. Para promover a sua glória, Deus não tece sorrateiramente os fios da história. Não há subterfúgio em seu caráter.

As carnificinas de Aushwitz, Ruanda e Iraque não foram planejadas em algum tempo remoto. Deus não guia a bala perdida que mutila a criança na favela. A lógica que tenta transformar Deus em títere, que às vezes deixa os eventos correrem frouxos, é cruel. Se, para capitanear a história Deus fecha os olhos (vontade permissiva), ele é maquiavélico. Se orquestra horrores como etapas necessárias para cumprir uma ”vontade soberana”, ele é monstruoso. Um deus cruel, maquiavélico e monstruoso não merece ser adorado.

Começo, meio e fim da história não estão prontos. Se Deus se sente feliz em gerenciar cada nano evento e se preordenou, em sua providência, todos os fatos, a humanidade vive uma farsa. E se tudo está pronto: busca de justiça, indignação contra o mal e solidariedade não passam de iniciativas fúteis.

Prefiro aceitar que o mal nunca fez parte de qualquer projeto. O Deus da Bíblia sofre com a morte de inocentes e se indigna com a injustiça que condena bilhões à miséria. Ele ainda conclama homens e mulheres de boa vontade a serem pacificadores.

Não é certo confundir Jesus de Nazaré com o deus frio e distante dos gregos. Determinismo, antônimo de liberdade, anula o amor. Deus não planejou, determinou ou ajudou o rapaz a dar fim à própria vida. Vale bater na mesma tecla: Deus é amor.

“… e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”. [1Coríntios 1.25].




Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim