O que é a igreja?

– O que é “a Igreja”? – perguntou Belzebu severamente, relutando em acreditar que seus servos fossem mais espertos do que ele.

– Bom, quando uma pessoa diz uma mentira e teme que não vão acreditar nela, chama sempre Deus por testemunha, e diz: “Por Deus, estou dizendo a verdade!” Isso, em essência, é “a Igreja”, porém com uma peculiaridade: aqueles que reconhecem a si mesmos como sendo “a Igreja” acabam convencidos de que são incapazes de errar, e portanto qualquer besteira que proferem não podem nunca refutar. A Igreja é constituída da seguinte forma: homens asseguram a si mesmos e a outros de que seu mestre, Deus, a fim de assegurar que a lei que revelou aos homens não seja mal interpretada, deu poder a determinados homens que, juntamente com aqueles a quem transferem esse poder, são os únicos capazes de interpretar corretamente o ensino dele. Assim esses homens, que chamam a si mesmos de “Igreja”, consideram-se defensores da verdade não porque pregam o que é verdadeiro, mas porque se consideram os únicos verdadeiros sucessores dos discípulos dos discípulos dos discípulos, até os discípulos do próprio mestre, Deus. Embora esse método, como o dos milagres, tenha a desvantagem de que as pessoas possam afirmar simultaneamente, cada uma por si mesma, serem membros da única Igreja verdadeira (como de fato sempre acontece), tem a vantagem de que tão logo os homens declaram que são a Igreja e desenvolvem sua doutrina com base nessa afirmação, não podem mais renunciar ao que já disseram, por mais absurdo que seja, não importa o que digam as outras pessoas.
A PRÓPRIA POSIÇÃO DELES OBRIGAVA-OS A DISTORCER O ENSINO.

– Mas por que a Igreja distorceu o ensino em nosso favor? – perguntou Belzebu.

– Fizeram isso – prosseguiu o diabo de capa – porque uma vez tendo se declarado os únicos expositores legítimos da lei de Deus, e tendo persuadido os outros disso, tornaram-se os árbitros máximos do destino dos homens e obtiveram portanto o poder máximo. Tendo obtido este poder, ficaram naturalmente orgulhosos e, em sua maior parte, depravados, e deste modo provocaram a indignação e a inimizade de outros contra eles mesmos. E na sua luta contra esses inimigos, não tendo outros meios além de violência, começaram a perseguir, executar e queimar na fogueira todos que não reconheciam a sua autoridade. Portanto a própria posição deles obrigava-os a distorcer o ensino, de modo a justificar tanto suas vidas perversas quanto a crueldade empregada contra os seus inimigos. E foi exatamente isso que fizeram.


Texto de Paulo Brabo



Uma entrevista

Apresentador: Você é um pastor cristão, e diz que acredita na Bíblia, o que significa que você deveria amar todas as pessoas.

Pastor: É isso mesmo.

Apresentador: Mas me parece que você e a sua igreja têm uma posição um tanto quanto sem amor, quando se trata dos gays. Os homossexuais são bem vindos em sua igreja?

Pastor: É claro. Nós cremos que o evangelho é uma mensagem relevante para cada pessoa desse planeta, e nós queremos que todos ouçam o evangelho e encontrem a salvação em Jesus Cristo. Então, em nossa igreja, nossos braços estão estendidos para pessoas com qualquer tipo de histórico, todo tipo de raça, todo tipo de etnia e cultura. Somos um lugar para todos os tipos de pecadores, e pessoas com todos os tipos de problemas.

Apresentador: Mas você disse “somos um lugar para pecadores”. Então você acredita que a homossexualidade é pecado, certo?

Pastor: Sim, acredito.

Apresentador: Então como você concilia o mandamento de amar todas as pessoas com uma posição sobre o homossexualismo que alguns diriam ser radicalmente intolerante?

Pastor (sorrindo): Se você acha que a minha posição sobre homossexualismo é radical, espere até ouvir no que mais eu acredito! Eu creio que um casal de adolescentes que fazem sexo no banco de trás do carro estão pecando. O casal heterossexual que não é casado mas moram juntos ali na esquina, para mim, está pecando. De fato, qualquer atividade sexual que ocorre fora da aliança do casamento entre um marido e sua esposa é pecado. Mais ainda, Jesus leva essa ética sexual um passo além e vai ao cerne do assunto. Isso significa que cada vez que eu simplesmente desejo sexualmente outra pessoa, estou pecando. A visão radical de Jesus sobre o sexo nos mostra todos como pecadores sexuais, e foi por isso que ele veio morrer. Jesus veio para salvar pecadores, homo e heterossexuais, e transformar nossos corações, mentes e comportamentos. Porque ele morreu por mim, eu devo tudo a ele. E como seguidor de Jesus, procuro obedecer tudo que ele diz sobre sexo e moralidade.

Apresentador: Mas Jesus não condenou o homossexualismo diretamente, não é mesmo?

Pastor: Ele não precisava. Ele foi diretamente à questão do coração e intensificou os mandamentos contrários a comportamentos imorais do Antigo Testamento. Assim, Jesus não condenou o adultério, por exemplo, da mesma forma que um dos Dez Mandamentos. Jesus condena até mesmo o desejo que leva ao adultério, com o propósito de nos oferecer corações transformados que começam a bater no ritmo de seus mandamento radicais.

Apresentador: Você diz que ele condenou o adultério, mas ele decidiu não condenar aquela mulher que foi pega em adultério.

Pastor: Sim, mas ele disse a ela “vá, e não peques mais”.

Apresentador: Mas quem é você para condenar alguém que não se alinha com as suas crenças pessoais sobre sexualidade?

Pastor: Quem sou eu? Ninguém. Não é de importância alguma o que eu penso sobre essas coisas. Essa conversa sobre homossexualismo não tem nada a ver com as minhas crenças pessoais. É sobre Jesus e o que ele diz. Eu não tenho direito de condenar ou julgar o mundo. Esse direito pertence a Jesus. Minha esperança é segui-lo fielmente. Isso significa que tudo que ele diz em relação a práticas sexuais é o que eu creio ser verdadeiro, amável e muito melhor para a felicidade do ser humano – mesmo quando parece estar longe das murmurações da cultura atual.

Apresentador: Mas você está julgando. Você está dizendo para todos os gays que estão nos assistindo que eles são pecadores.

Pastor: Eu não estou falando apenas dos gays. Estou apontando Jesus como resposta para toda pecaminosidade sexual.

Apresentador: Mas você está se referindo aos gays. Por que você está tão focado assim nos homossexuais?

Pastor (sorrindo): Com todo o respeito, foi você quem trouxe esse assunto.

Apresentador: Você está dizendo que não é possível ser gay e cristão?

Pastor: Não. Estou dizendo que você não pode ser um cristão genuíno sem arrependimento. Todos – incluindo eu – são culpados de pecar, mas o cristianismo se baseia no arrependimento. Concordamos com Deus sobre nosso pecado, deixamos essa prática para trás e corremos para Jesus. Quando se trata de cristianismo, esse debate não é sobre homossexualismo contra outros pecados. É se o arrependimento é ou não integral para a vida cristã.

Apresentador: Mas você enxerga porque um homossexual nos assistindo pode pensar que você está o atacando pessoalmente? Você está dizendo que há algo de errado com ele.

Pastor: Eu penso que o ensinamento de Jesus sobre sexualidade nos mostra que há algo de errado com todos nós – algo que só pode ser consertado pelo que Jesus fez por nós na cruz, em sua ressurreição. Dito isso, eu entendo porque as pessoas podem pensar que estou atacando-as pessoalmente. A maioria das pessoas que se sentem atraídas pelo mesmo sexo acreditam que nascem com essas tendências. É por isso que elas normalmente veem essa atração como algo central em suas existências, e assim se identificam com o rótulo de “gay”. Então quando alguém questiona seu comportamento ou desejo, eles entendem como um ataque ao que há de mais central em si mesmos. Isso normalmente não é a intenção da pessoa que discorda do comportamento homossexual. Mas é assim que se entende. Eu compreendo isso.

Apresentador: Se é verdade que uma pessoa nasce com uma ou outra orientação sexual, então como é possível ser amável condenar a orientação de alguém?

Pastor: Bem, nós realmente não sabemos com certeza sobre a atração sexual ser inata e decidida desde o nascimento. Tudo que temos é o testemunho de pessoas que dizem ter experimentado desejos homossexuais desde a infância. O cristianismo ensina que todas as pessoas nascem com uma inclinação para o pecado. É possível que algumas pessoas terão uma propensão ao abuso do álcool ou ataques de ira, enquanto outros uma propensão a outros pecados. De qualquer forma, cristãos acreditam que as pessoas são mais do que seus instintos sexuais. Nós acreditamos que a dignidade humana é diminuída sempre que definimos nós mesmos por comportamentos e desejos sexuais. Pense nisso: homens casados, às vezes, são atraídos por muitas mulheres que não são sua esposa. Isso significa que eles devem se auto-intitular como polígamos? De forma alguma. E você certamente não consideraria agressivo por parte dos cristãos encorajar homens casado a não agirem conforme seus desejos, em um esforço para permanecerem fieis às suas esposas. Esse é o cristianismo, afinal de contas.

Apresentador: Não, ainda parece que você está dizendo para as pessoas não serem honestas com quem elas são.

Pastor: Só parece assim porque você acredita que o desejo sexual reflete o centro da identidade de alguém. Ajudaria se você e outros que concordam com você entendessem que, ao me pressionar para aceitar o comportamento homossexual como normal e virtuoso, vocês estão indo contra o próprio centro da minha identidade como seguidor de Jesus. O rótulo mais importante para mim é “cristão”. Minha identidade – em Cristo – é central para quem eu sou. Então eu poderia dizer a mesma coisa e chamar você de intolerante, preconceituoso e agressivo por tentar mudar uma convicção que está no cerne de quem eu sou, como cristão. Eu não digo isso porque eu não acredito que seja a sua intenção. Mas você também não deveria pensar que a minha intenção é atacar um homossexual ou causar danos a ele simplesmente porque eu discordo.

Apresentador: Mas o problema é: sua posição cultiva o ódio e encoraja o bullying.

Pastor: Eu reconheço que algumas pessoas trataram de forma equivocada os homossexuais no passado. É um vergonha que qualquer um faça chacota, provoque ou agrida outro humano feito a imagem de Deus. Dito isso, eu penso que devemos deixar mais uma coisa clara, no que tange o discurso civil: discordar não é odiar. Eu espero que ainda possamos ter uma conversa de verdade nesse país sobre pontos de vista diferentes sem retratar um ao outro da pior forma possível. A ideia de que discordar do comportamento homossexual necessariamente resulta em perigo aos gays é elaborada para encerrar as conversas e imediatamente definir um ponto de vista (nesse caso, o ponto de vista cristão) como fora dos limites. Como cristão, eu devo amar meu próximo e buscar o bem dele, mesmo quando não concordo 100% com ele. Mais ainda, a figura de Cristo morrendo na cruz por seus inimigos necessariamente afeta a forma como eu penso sobre essa e outras questões.

O acalentado conforto da proibição

Só os grandes articuladores da fé, que vivem e pensam em esferas distantes da multidão, é que falam da sua religião em termos profundos e categorias teológicas. Para uma pessoa normal, ou para alguém que observa de fora, uma religião é mais claramente definida pelas suas proibições.

O cidadão comum, muito sensatamente, prefere não ter de sentir-se à vontade entre termos como atonement, parousia, kenosis, koinonia e kairos. O cristão médio vive muito bem sem conhecer as quatro teorias da redenção, sem ter lido a autobiografia de Agostinho, sem pausar diante das agonias de Kierkegaard e sem dobrar-se com as angústias de Bonhoeffer. Ele intui que é possível aproximar-se de Jesus sem saber exatamente o que é graça irresistível, pecado original, amilenismo, soteriologia, hermenêutica, exegese, escatologia realizada, depravação total, arminianismo, imanência, universalismo, teísmo aberto ou monergismo. Muitos cristãos tarimbados sentem-se pouco à vontade para manusear sem proteção até mesmo conceitos que são mencionados pelo nome na Bíblia, coisas como santificação, graça, justificação, eleição e arrependimento. Até mesmo, olha, fé.

Em contraste com isso, os mais despreparados dentre nós sentem-se em geral prontos para elencar as interdições que envolve a nossa fé particular – ou, no mínimo, para zelar nominalmente pela aplicação delas. De longe, “minha religião não permite” é a profissão de fé mais comumente proferida da Terra.

É desse modo, elencando proibições, que na vida real falamos aos outros da nossa religião e inquirimos os outros a respeito da deles. É falando de proibições que orientamos ou corrigimos o caminho dos que se agregam ao círculo da nossa crença.

Há coisa de cinquenta anos as facções evangélicas e protestantes do Brasil cultivavam uma série de interdições em comum, a maioria das quais foram abolidas nesse intervalo, embora continuem a vigorar para um grupo ou outro. Crente não podia não podia beber, não podia ir ao cinema, não podia jogar futebol; não podia ouvir música do mundo, não podia entrar em boate, não podia fumar; não podia jogar, não podia fazer apostas e não podia dizer palavrão; se fosse mulher, não podia usar calça comprida, não podia usar maquiagem, não podia cortar o cabelo.

Corta para 2011: não só caíram todas essas proibições (ou a sua maioria), como a cultura e a tecnologia avançaram rápido demais para que as assembleias pudessem legislar com adequada austeridade proibições novas. Tarde demais para lembrar que crente não pode usar telefone celular, não pode ter conta no twitter e não pode ler o Paulo Brabo (nem o JovenSapiens).

Isso não quer dizer que os cristãos tenham deixado de construir sua identidade entrincheirando-se atrás de suas mais sagradas proibições. Permanecemos, como sempre, particularmente interessados nas transgressões que dizem respeito ao corpo: da nossa pauta eterna aparentemente nada tem poder para riscar a contracepção, as relações homossexuais e o sexo não apaziguado pelo casamento.

Tanto a teologia quanto as proibições acabam sempre, portanto, encontrando o seu público. Para os teólogos, a essência da fé está nas filigranas e coisas profundas que a massa não tem como entender; para a massa dos fiéis, a essência da fé está nas proibições muito práticas que lhes fornecem por um lado uma identidade e por outro lhes garantem uma recompensa.

Uma das muitas coisas singulares a respeito de Jesus de Nazaré é que ele evitou por completo tanto as armadilhas teologantes dos letrados e eruditos quanto a religiosidade rasa, de proibição e recompensa, das massas.

Jesus não ignorava, naturalmente, que as duas abordagens tem muita coisa em comum. Em grande parte, a lista de proibições adotada pelos crentes é composta ou esboçada pelos religiosos letrados que residem acima deles na pirâmide socioeconômica. “Se não são os sofisticados o bastante para entender as minúcias da teologia em que se fundamentam,” raciocinam os líderes religiosos com relação ao seu rebanho, “que pelo menos não caiam naquelas transgressões mais severas. Façamos uma lista”.

Postando-se muito acima dessas mesquinharias, Jesus recusava-se, por um lado, a gastar um instante que fosse do seu tempo expondo ou discutindo teologia. Era contando histórias que ele desfiava indicações sobre a natureza e os desafios do Reino. Era no calor sem sofisticação de estradas, de refeições, de curas e de abraços – no calor da vida real – que ele mostrava como o Reino se deveria viver.

Por outro lado, ele recusava-se de modo consistente a fornecer ao seu público o conforto almejado das listas de proibições. Jesus não só negava-se a falar da vida abundante em termos de obediência a interdições, como repelia com exuberância as tentativas que as pessoas por vezes faziam de, às custas dele, reduzir a ética a uma resposta “sim ou não” para um problema complexo.

Naquela época não tinha qualquer penetração cultural a noção que todos conhecemos hoje, de que as motivações mais mesquinhas para se agir de determinada forma são o medo da punição e o desejo da recompensa. Jesus, no entanto, agia e ensinava como se fosse coisa muito evidente que uma ética de conduta regida por proibições é limitada e infantilizante. Muito mais ambicioso, o rabi de Nazaré sonhava com um mundo deautonomia individual e de decisões responsáveis: “por que vocês não decidem por si mesmos o que é certo?” (Lucas 12:57).

Ao mesmo tempo, Jesus desafiava constantemente a noção – pelo menos tão enraizada nos seus dias quanto nos nossos – de que simplesmente abster-se de descumprir os mandamentos era coisa capaz de garantir alguma recompensa ou de habilitar o adorador a exigi-la de Deus. Não contente em negar o conforto das listas de regras e proibições, o Filho do Homem insistia que na perspectiva divina nenhuma obediência tem recompensa ou a merece.

Na verdade, Jesus sugeriu mais de uma vez que a sensação de superioridade moral que acompanha uma vida de obediência estrita aos mandamentos é, em si mesma, a única recompensa que um religioso/carola deve esperar receber pela sua conduta.

Quem rege sua postura pela obediência aos mandamentos, insistia Jesus, não faz nada de mais e nada deve esperar em troca. A imitação de Deus requer uma bondade assertiva e uma generosidade vivida, não uma vida de recuos, desvios e melindres. Como ilustração espetacular desse modo de ver as coisas, em seu último discurso no evangelho de Mateus o Filho do Homem ousa condenar ao inferno não os pecadores que rebaixaram-se a fazer o mal, mas os religiosos que deixaram de fazer o bem.

Essa visão outorgava ao homem uma liberdade que tinha tanto de terrível quanto de sublime. O apóstolo Paulo maravilhou-se diante dela mais de uma vez. Por vezes usamos o seu “mas nem todas me convém” a fim de anular por completo o seu “todas as coisas me são lícitas”, porém isso é não fazer justiça à vertigem que ele detectou. Para recapturá-la seria preciso reescrever o seu hino como: “todas as coisas me são lícitas, e terei a hombridade de assumir responsabilidade por todas que eu fizer ou deixar de fazer”.

Um Deus que sonhava para os seres humanos uma vida de plena maturidade, sem recalques mas sem descontos, mostrou-se incrível e exigente demais para ganhar verdadeira popularidade.

Ao sugerir que seu Pai não recompensava a obediência, mas esperava uma gentileza assertiva mais do que uma obediência neurótica a regulamentos, Jesus requereu uma profunda e intransigente ressignificação da imagem que os homens faziam (e ainda tendem a fazer) de Deus. Não é de se admirar que poucas gerações de convertidos depois os cristãos já tivessem revertido à imagem tradicional da divindade, aquele que aceita os bons e rejeita os desobedientes.

Jesus, patrono da maturidade, perguntava a seus discípulos porque eles não discerniam por si mesmos o que era correto, e ensinava que as prostitutas chegam ao céu antes dos religiosos. Hoje em dia as igrejas, patrocinando a imaturidade, explicam que a Bíblia é uma norma inflexível de conduta, e ousam dizer a gente adulta, capaz de ler os evangelhos por si mesma, que criança boazinha é que vai para o céu.


Texto de Paulo Brabo


Piercings, Evangelho e Cultura

Antes de começar o texto, quero pedir desculpas aos leitores por trazer um texto que não tem muita relevância. Dizer o que você deve o não fazer não é o objetivo do JovenSapiens. Mas infelizmente esse é um assunto que muitos cristãos têm dúvida. Então trouxe esse ótimo texto do pastor Sandro Baggio para tirar "nossas" dúvidas!
Eliab Alves Pereira 

Piercings estão cada vez mais comuns em nossos dias. Algo que há menos uma década era olhado com reprovação e preconceito, é hoje visto em homens, mulheres, jovens e até crianças. Se a sociedade parece estar aceitando esses adereços cada vez com mais naturalidade, os cristãos parecem confusos a respeito. Afinal de contas, a questão da aparência ainda é assunto de grande discussão e controvérsia em muitos círculos evangélicos.

A primeira coisa que precisamos ter em mente quando o assunto é aparência pessoal, é que se trata de algo que muda com o tempo e com o lugar. Usos e costumes estão diretamente ligados à cultura.

Basicamente uma cultura é formada por três elementos: cosmovisão (a maneira como o povo vê o mundo), sistema de valores (o que é importante para aquele povo) e normas de conduta (o modo como o povo se comporta, e isso diz respeito tanto à vestimenta, como ao modo de se relacionar com os outros, etc.). Culturas são diferentes de acordo com sua cosmovisão, valores e normas de conduta. Arrotar em público após uma refeição é totalmente aceitável (e até louvável) em certas culturas, e repugnante em outras. Uma mulher com os seios à mostra é normal em muitos países da África (onde a mesma mulher não pode exibir as pernas acima do tornozelo) enquanto que o mesmo é obsceno em outras partes do mundo. Beijar na boca em público é normal aqui no Brasil, mas pode levar alguém à cadeia em certos países islâmicos. Nestes mesmos países islâmicos, um homem não pode andar de mãos dadas com sua esposa, mas pode andar de mãos dadas com outro homem. No Ocidente tal prática evoca idéias de homossexualismo. E por aí vai.

Todas essas coisas são formas de expressão cultural. Podem ser um insulto ou algo escandaloso para os de fora (que não fazem parte da cultura), mas não são necessariamente erradas para quem é daquela cultura. O fato é que nenhuma cultura é totalmente igual à outra e nenhuma cultura está acima da outra. João viu no céu povos de todas as tribos, raças, línguas e nações (grupos étnicos). Todas as culturas possuem elementos que precisam ser valorizados e outros que precisam ser transformados pelo Evangelho.

Sendo a aparência pessoal é uma questão de expressão cultural, esta aparência também muda de acordo com a cultura. Pinturas na face e no corpo estão presentes em diversas culturas. Na Polinésia, os nativos usam a tatuagem para escrever sua história familiar no corpo. A tatuagem e o piercing no umbigo eram comuns no Antigo Egito. Alguns povos usam piercing, brincos e outras formas de alteração do corpo (body modification ou simplesmente bod mod). O problema é que o mundo está ficando pequeno. Estamos nos tornando cada vez mais uma aldeia global. Esta globalização faz com que certos costumes que antes só eram vistos em algumas culturas isoladas e lugares remotos da terra, comecem a se tornar moda em todo o mundo.

A tatuagem de henna é uma exemplo recente desta realidade. E quem são os responsáveis pelo lançamento da moda em nosso mundo dominado pela MTV e Internet? São os artistas, músicos e cantores. São eles quem fazem a moda. Foram os Beatles que popularizaram os costumes orientais no Ocidente. A popularização do piercing foi em 1993 com o vídeo clip “Cryin”, do Aerosmith, onde Alicia Silverstone apareceu com um piercing no umbigo. Uma banda de rock, uma balada romântica, uma jovem atriz linda. Elementos essenciais para fazer a moda pop ou cultura pop, que nada mais é do que uma mistura de culturas e costumes do mundo pós-moderno.

Leornard Sweet, professor metodista e um dos mais interessantes pensadores cristãos de nossa época, comenta sobre tatuagens e piercings em seu e-book The Dawn Mistaken For Dusk. Ele diz que a razão pela qual “bod mod” é o assunto no 1 nas listas de discussões e bate-papos de jovens cristãos com menos de 20 anos nos EUA é que isso faz parte da cultura jovem pós-moderna atual (e quase global), uma cultura onde a imagem é altamente valorizada. A ironia disso tudo é que cirurgias plásticas e implante de silicone são coisas cada vez mais aceitas pelos cristãos modernos. Tem personalidades famosas do mundo evangélico brasileiro com o corpo siliconado. Todavia, como diz Sweet, “Cirurgia plástica é uma forma severa de alteração do corpo. Isto é aceito, mas brincos e tatuagens, não são?”

Na Bíblia lemos a história de Isaque que deu a Rebeca uma argola de seis gramas de ouro para ser colocada no nariz (piercing) e, após fazer isto, ajoelhou-se para adorar a Deus. Penso que se o primeiro ato fosse pecado ou considerado pagão, então Isaque não teria adorado a Deus em seguida.

No livro de Êxodo, percebemos que as mulheres dos hebreus usavam brincos e argolas, os quais foram oferecidos como oferta dedicada ao Senhor para a construção do Tabernáculo. Novamente, não penso que Deus aceitaria de seu povo ofertas que representassem costumes pagãos.

O texto mais intrigante para mim se encontra em Ezequiel 16, onde o próprio Deus diz que adornou Jerusalém com jóias, pulseiras, colares, argolas para o nariz e brincos para as orelhas. Ao que parece, tais adornos não eram uma ofensa ao Senhor.

Uma vez que a Bíblia parece não condenar o uso de piercing, por quê deveríamos nós?

Nosso desafio não é condenar, mas orientar as pessoas (principalmente os jovens) para os riscos que existem em fazer estas coisas sem uma orientação profissional e cuidados de higiene e saúde. A pessoa está consciente dos riscos de inflamação, doenças contagiosas e “efeitos colaterais” diante da sociedade? Está consciente de que algumas alterações são irreversíveis e, mesmo diante da possibilidade de reversão, podem deixar marcas para o resto da vida?

Mais ainda, precisamos falar sobre questões de identidade, valor pessoal e auto-imagem. Pois são estas as questões mais importantes para quem está considerando qualquer forma de alteração do corpo, seja uma plástica no nariz, implantar silicone nos seios, colocar um piercing ou fazer uma tatuagem.


Soli Gratia!
Sandro Baggio, pastor

O verdadeiro arrependimento

“Olharão para aquele a quem traspassaram” 
(Zacarias 12.10)

O quebrantamento santo que faz um homem lamentar o seu pecado surge de uma operação divina. O homem caído não pode renovar seu próprio coração. O diamante pode mudar seu próprio estado para tornar-se maleável, ou o granito amolecer a si mesmo, transformando-se em argila? Somente aquele que estendeu os céus e lançou os fundamentos da terra pode formar e reformar o espírito do homem. O poder de fazer que da rocha de nossa natureza fluam rios de arrependimento não está na própria rocha.
O poder jaz no onipotente Espírito de Deus... Quando Deus lida com a mente do homem, por meio de suas operações secretas e misteriosas, Ele a enche com uma nova vida, percepção e emoção. “Deus... me fez desmaiar o coração” (Jó 23.16), disse Jó. E, no melhor sentido, isso é verdade. O Espírito Santo nos torna maleáveis e nos tornamos receptíveis às suas impressões sagradas... Agora, quero abordar o âmago e a essência de nosso assunto.

O enternecimento do coração e o lamento pelo pecado são produzidos por olharmos, pela fé, para o Filho de Deus traspassado. A verdadeira tristeza pelo pecado não acontece sem o Espírito de Deus. Mas o Espírito de Deus não realiza essa tristeza sem levar-nos a olhar para Jesus crucificado. Não há verdadeiro lamento pelo pecado enquanto não vemos a Cristo... Ó alma, quando você chega a contemplar Aquele para quem todos deveriam olhar, Aquele que foi traspassado, então seus olhos começam a lamentar aquilo pelo que todos deveriam chorar — o pecado que imolou o seu Salvador!Não há arrependimento salvífico sem a contemplação da cruz... O arrependimento evangélico é o único arrependimento aceitável. E a essência desse arrependimento é olhar para Aquele que foi moído pelos pecados... Observe isto: quando o Espírito Santo realmente opera, Ele leva a alma a olhar para Cristo. Nunca uma pessoa recebeu o Espírito de Deus para a salvação, sem que tenha recebido dEle o olhar para Cristo e o lamentar por seus pecados.

A fé e o arrependimento são gerados e prosperam juntos. Ninguém deve separar o que Deus uniu! Ninguém pode arrepender-se do pecado sem crer em Jesus, nem crer em Jesus sem arrepender-se do pecado. Olhe, então, com amor para Aquele que derramou seu sangue, na cruz, por você. Por meio desse olhar, você obterá perdão e quebrantamento. Quão admirável é o fato de que todos os nossos males podem ser curados por um único remédio: “Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra” (Is 45.22). Contudo, ninguém olhará para Cristo sem que o Espírito de Deus o incline a fazer isso. Ele não conduz uma pessoa à salvação, se ela não se rende às suas influências e não volve seu olhar para Jesus...

O olhar que nos abençoa, produzindo quebrantamento de coração, é o olhar para Jesus como Aquele que foi traspassado. Quero me demorar nisso por um momento. Não é somente o olhar para Jesus como Deus que afeta o coração, mas também olhar para este mesmo Senhor e Deus como Aquele que foi crucificado por nós. Vemos o Senhor traspassado, e, em seguida, inicia-se o traspassamento de nosso coração. Quando o Espírito Santo nos revela Jesus, os nossos pecados também começam a ser expostos...

Venham, almas queridas, vamos juntos à cruz, por um pouco, e notemos quem era Aquele que recebeu a lançada do soldado romano. Olhe para o seu lado e observe aquela terrível ferida que atingiu seu coração e desencadeou um duplo fluxo de sangue.
O centurião disse: “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (Mt 27.54). Aquele que, por natureza, é Deus e governa sobre tudo, sem o Qual “nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3), tomou sobre Si mesmo nossa natureza e se tornou homem, como nós, mas não tinha qualquer mácula de pecado. E, vivendo em forma humana, foi obediente até à morte, morte de cruz. Foi Ele quem morreu! Ele, o único que possui a imortalidade, condescendeu em morrer! Ele, que era toda a glória e poder, sim, Ele morreu! Ele, que era toda a ternura e graça, sim, Ele morreu! Infinita bondade esteve pendurada na cruz! Beleza indescritível foi traspassada com uma lança! Essa tragédia excede todas as outras! Por mais perversa que tenha sido a ingratidão do homem em outros casos, a sua mais perversa ingratidão se expressou no caso de Jesus! Por mais horrível que tenha sido o ódio do homem contra a virtude, o seu ódio mais cruel foi manifestado contra Jesus! No caso de Jesus, o inferno superou todas as suas vilezas anteriores, clamando: “Este é o herdeiro; ora, vamos, matemo-lo” (Mt 21.38).

Deus habitou entre nós, e os homens não O aceitaram. Visto que o homem foi capaz de traspassar e matar o seu Deus, ele cometeu um pecado horrível. O homem matou o Senhor Jesus Cristo e O traspassou com uma lança! Nesse ato, o homem mostrou o que fariam com o próprio Eterno, se pudesse chegar até Ele. O homem é, no coração, assassino de Deus. Ele se alegria se Deus não existisse. Ele diz em seu coração: “Não há Deus” (Sl 14.1). Se a sua mão pudesse ir tão longe quanto o seu coração, Deus não existiria nem mesmo por mais uma hora. Isto dá ao traspassamento de nosso Senhor uma forte intensidade de pecado: foi o traspassamento de Deus.
Por quê? Por que razão o bom Deus foi assim perseguido? Oh! pelo amor de nosso Senhor Jesus Cristo, pela glória de sua Pessoa, pela perfeição de seu caráter, eu lhe peço — admire-se e envergonhe-se de que Ele foi traspassado! Não foi uma morte comum. Aquele assassinato não foi um crime comum. Ó homem, Aquele que foi traspassado com a lança era o seu Deus! Na cruz, contemple o seu Criador, o seu Benfeitor, o seu melhor Amigo!

Olhe firmemente para Aquele que foi traspassado e observe o Sofredor que é descrito na palavra “traspassado”. Nosso Senhor sofreu severa e terrivelmente. Não posso, em uma mensagem, descrever a história de seus sofrimentos — as tristezas de sua vida de pobreza e perseguição; as angústias do Getsêmani e do suor de sangue; as tristezas de seu abandono, traição e negação; as tristezas no palácio de Pilatos; os golpes de chicotes, o cuspe e o escárnio; as tristezas da cruz, com sua desonra e agonia... Nosso Senhor foi feito maldição por nós. A penalidade do pecado ou o que lhe era equivalente, Ele a suportou, “carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (1 Pe 2.24). “O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5).

Irmãos, os sofrimentos de Jesus devem amolecer nosso coração! Nesta manhã, lamento o fato de que não me entristeço como deveria. Acuso a mim mesmo daquele endurecimento de coração que eu condeno, visto que posso contar-lhes essa história sem enternecimento de coração. Os sofrimentos de meu Senhor são indescritíveis. Examinem e verifiquem se já houve tristeza semelhante à de Jesus! A sua tristeza foi abismal e insondável... Se você considerar firmemente a Jesus traspassado por nossos pecados e tudo que isso significa, seu coração se dilatará! Mais cedo ou mais tarde, a cruz desenvolverá todo sentimento que você será capaz de produzir e lhe dará capacidade para mais. Quando o Espírito Santo põe a cruz no coração, o coração se dissolve em ternura... A dureza de coração desaparece quando, com profundo temor, contemplamos a Jesus sendo morto.

Devemos também observar quem foram os que traspassaram a Jesus. “Olharão para aquele a quem traspassaram.” Ambos os verbos se referem às mesmas pessoas. Nós matamos o Salvador, nós que olhamos para Ele e vivemos... No caso do Salvador, o pecado foi a causa de sua morte. O pecado O traspassou. O pecado de quem? Não foi o pecado dEle mesmo, pois Ele não tinha pecado, e nenhum engano se achou em seus lábios. Pilatos disse: “Não vejo neste homem crime algum” (Lc 23.4). Irmãos, o Messias foi morto, mas não por causa dEle mesmo. Nossos pecados mataram o Salvador. Ele sofreu porque não havia outra maneira de vindicar a justiça de Deus e de prover-nos um escape da condenação. A espada, que deveria cair sobre nós, foi despertada contra o Pastor do Senhor, contra o Homem que era o Companheiro de Jeová (Zc 13.7)... Se isso não quebranta nem amolece nosso coração, observemos por que Ele foi levado a uma posição em que poderia ser traspassado por nossos pecados. Foi o amor, poderoso amor, nada mais do que o amor, que O levou até à cruz. Nenhuma outra acusação Lhe pode ser atribuída, exceto esta: Ele era culpado de amor excessivo. Ele se colocou no caminho do traspassamento, porque resolvera salvar-nos... Ouviremos isso, pensaremos nisso, consideraremos isso e permaneceremos apáticos? Somos piores do que os brutos? Tudo que é humano abandonou a nossa humanidade? Se Deus, o Espírito Santo, está agindo agora, uma contemplação de Cristo derreterá o nosso coração de pedra...

Quero dizer-lhes ainda, ó amados: quanto mais olharmos para Jesus crucificado, tanto mais lamentaremos o nosso pecado. A reflexão crescente produzirá sensibilidade crescente. Desejo que olhem muito para Aquele que foi traspassado, para que odeiem cada vez mais o pecado. Livros que expõem a paixão de nosso Senhor e hinos que cantam a sua cruz sempre foram bastante queridos pelos crentes piedosos, por causa de sua influência sobre o coração e a consciência deles. Vivam no Calvário, amados, até que viver e amar se tornem a mesma coisa. Diria também: olhem para Aquele que foi traspassado, até que o coração de vocês seja traspassado.

Um antigo teólogo dizia: “Olhe para a cruz, até que tudo que está na cruz esteja em seu coração”. E acrescentou: “Olhe para Jesus, até que Ele olhe para você”. Olhem com firmeza para o sua Pessoa sofredora, até que Ele pareça estar volvendo sua cabeça e olhando para você, assim como o fez com Pedro, que saiu e chorou amargamente. Olhe para Jesus, até que você veja a si mesmo. Lamente por Ele, até que lamente por seu próprio pecado... Ele sofreu em lugar, em favor e em benefício de homens culpados. Isso é o evangelho. Não importa o que os outros preguem, “nós pregamos a Cristo crucificado” (1 Co 1.23). Sempre levaremos a cruz na vanguarda. A essência do evangelho é Cristo como substituto do pecador. Não evitamos falar sobre a doutrina do Segundo Advento, mas, antes e acima de tudo, pregamos Aquele que foi traspassado. Isso levará ao arrependimento evangélico, quando o Espírito de graça for derramado.


Sermão de C.H. Spurgeon

A luz brota da escuridão

O lugar chamado Calvário.
Lucas 23.33
 
O monte da consolação é o Calvário. A casa da consolação está construída com a madeira da cruz do Calvário. Nenhuma outra cena na História ilumina tanto a alma como a tragédia do Calvário. A luz brota da escuridão do meio-dia no Gólgota, e todas as ervas do campo florescem alegremente debaixo da sombra daquela madeira que antes era maldita.
Naquele lugar de sede, a graça cavou uma fonte que jorra água pura como o cristal, e cada gota é capaz de aliviar as misérias da humanidade. Você que tem passado por tempos de conflito confessará que não foi no monte das Oliveiras onde encontrou consolação, nem no Tabor, nem no Sinai; dirá que o Getsêmani, o Gabatá e o Gólgota foram os meios pelos quais você obteve consolação. As ervas amargas do Getsêmani têm frequentemente removido as amarguras de sua vida; o açoite do Gabatá, banido as suas inquietações; e os gemidos do Calvário, repelido todos os outros gemidos.
Não é estranho que a hora mais negra que já despontou na terra pecaminosa tocasse o coração com poder e luz, dando mais consolo do que a alegria de um anjo? Para que os olhos do lamentador se volvam a cruz mais rapidamente do que para Belém, onde nasceu Jesus?

Portanto, o Calvário nos proporciona consolações raras e preciosas. Jamais teríamos conhecido o amor de Cristo em toda a sua profundidade e amplitude, se Ele não tivesse morrido. Não poderíamos imaginar a profunda afeição do Pai, se Ele não tivesse entregue o seu Filho à morte.
As misericórdias comuns das quais desfrutamos, todas cantam sobre o amor, assim como as conchas, quando colocamo-nas aos ouvidos, sussurram sobre o profundo mar, de onde veio; mas se desejamos ouvir o próprio oceano, não devemos olhar as bênçãos cotidianas mas o que aconteceu na Crucificação. Aquele que deseja conhecer o amor retire-se ao Calvário e veja o Homem de Dores morrer.


Texto de C.H. Spurgeon

O novo céu

Meu amigo Ricardo Quadros Gouvêa, que comete diariamente a indiscrição de ser mais erudito e antenado do que eu, reagiu por email ao meu O crepúsculo dos deuses oferecendo uma sacada ao mesmo tempo brilhante e simples: descartado o sonho da exploração do espaço, o destino de migração redentora da cultura ocidental passou a ser o mundo cibernético — o universo da internet, da nuvem, dos smartphones, das redes sociais e dos computadores.
Hoje a ficção científica tem explorado outros reinos, como o da computação e virtualização. Creio que é aí, Paulo, que está acontecendo a construção de um novo mito redentivo — conforme Charles Stross, Vernor Vinge e até mesmo William Gibson e Bruce Sterling.

Agora que o Gouvêa me abriu os olhos para o evidente, não consigo pensar em outra coisa: se cada época tem seu próprio “mito de migração redentora”, subalterno ao seu mito principal, o “lugar melhor” das nossas presentes esperanças e ilusões é o espaço cibernético.
Porque não deve haver dúvida, antes de tudo, que a internet (nossa grande janela comunitária para essas realidades) é para nós um lugar. Embora seja na verdade uma rede incorpórea e espiritual de zeros e uns, falamos da internet como de um mar em que se navega: um domínio geográfico com legítimos destinos, endereços e pontos de referência. Aqui há sítios que se pode visitar, bibliotecas que se pode vasculhar, parques de diversões em que se pode viver, pontos de encontro em que se pode rever os amigos. Um ciberespaço, para usar o termo de William Gibson.

Também não deve haver dúvida de que enxergamos nesse universo alternativo um destino redentor. Essa expectativa se aplica e se manifesta em pelo menos dois níveis.
No primeiro nível o mundo virtual é um destino redentor porque é para ele que podemos fugir, agora mesmo, das aflições mais imediatas da existência. Se a experiência cotidiana nos derruba e oprime, no abrigo da internet podemos ser finalmente quem somos, livres das limitações e constrangimentos da vida real.

Na internet ninguém precisa envelhecer, e você pode usar para identificar o seu perfil aquela foto boa de 2002. Os relacionamentos virtuais dispensam os embaraços, cheiros, ruídos e usanças da vida real: você não precisa fechar a porta do banheiro, pode sair da conversa tão repentinamente quanto quiser, é livre para deixar a escova de dentes em cima da pia, tem autonomia para descartar um parceiro em favor de outro sem precisar mover-se da cadeira.
No oásis do ciberespaço alguém está sempre pronto pra te entender e pra te desejar: aqui você encontra gente apaixonada por aqueles assuntos interessantes que sua família e seus amigos insistem em ignorar, e acha estímulo e vazão para todas as suas imaginações sexuais.
Resistir é inútil: estar sozinho com a internet é ter toda a companhia e todo o conforto que alguém pode desejar. Ninguém na sua casa te entende, mas @pikachu1981 quer te levar para a cama. Você pode se sentir solitário, mas o Matheus Feltrinelli acaba de visitar o seu perfil no Facebook. As raposas tem suas tocas e as aves tem seus ninhos, mas aqui você tem onde reclinar a cabeça. A Terra pode estar encolhendo, mas o universo da internet está em permanente expansão, e só estamos contemplando os primeiros segundos de seu irresistível Big Bang.

Este domínio de plenitude e de realização, que está em todo lugar estando em lugar nenhum, é o céu do terceiro milênio. E, com um novo céu desses, quem precisa de uma nova terra?
Nosso interesse nas possibilidades e contradições desse paraíso se manifesta claramente no segundo nível, o nível literário, da articulação dessa mitologia. Porque nos últimos anos a ficção científica tem adotado o espaço cibernético como um destino de migração redentora no sentido mais literal da coisa. Na cultura pop a profecia mais antiga dessa visão foi articulada pelo filme Tron, de 1982, em que o protagonista é sugado para aventuras dentro do “mundo eletrônico” do computador. Nas décadas seguintes o sonho de uma realidade virtual pesada, indistinguível da experiência da realidade física, voltou à superfície em O passageiro do futuro, de 1992, e encontrou o seu pleno esplendor em Matrix (1999), que gerou mil filhos e está longe de perder a fertilidade.
Este representa, no entanto, o aspecto mais superficial dessa discussão, aquele que emerge para o grande público através de Hollywood. Como bem lembrou o Gouvêa, grande parte da literatura de ficção científica das últimas décadas, desde pelo menos a década de 1980, tem de uma forma ou de outra se ocupado da temática das realidades virtuais que a tecnologia pode desvendar ao homem e além do homem.

Tendo nossa cultura se desiludido do sonho da exploração do espaço, na literatura mais recente de ficção científica apocalíptica a migração redentora da humanidade passou a ser representada, alternativamente, como [1] um encontro com a eternidade pelo mergulho definitivo no mundo cibernético, onde estaremos para sempre livres das limitações da carne, ou [2] a criação, como resultado do avanço da tecnologia, de uma nova inteligência que nos ultrapassará e nos justificará eternidade adentro.

Na linguagem de Vernon Vinge esse segundo apocalipse se chama Singularidade: o momento futuro ou iminente em que a tecnologia humana acabará produzindo uma inteligência sobre-humana, inteligência cuja entrada em cena produzirá consequências que nós — meramente humanos que somos — somos estruturalmente incapazes de prever.
Isso para não falar de gente como Nick Bostrom, professor de Filosofia da universidade de Oxford, que parou um dia para ponderar a probabilidade de que eu e você já estejamos, neste momento, vivendo numa simulação dentro de um espertíssimo computador criado por uma civilização avançada. Porque, afinal de contas, “é em princípio inteiramente possível implementar uma mente humana num computador suficiente rápido”. Se os computadores que temos hoje em dia são capazes de simulações incrivelmente complexas, explica Bostrom, a lógica exige que tomemos como verdadeira uma das seguintes três informações:

  1. As chances de que uma espécie no nosso atual nível de desenvolvimento seja capaz de alcançar a maturidade tecnológica, evitando a extinção, são incrivelmente pequenas;
  2. Praticamente nenhuma civilização tecnologicamente madura demonstra interesse em rodar simulações computadorizadas de mentes como as nossas;
  3. Você com quase toda a certeza existe dentro de uma simulação.

Ou seja, no estágio tateante em que se encontra, a tecnologia já nos forneceu metáforas — desafios e ferramentas — que são, por assim dizer, pós-humanas. Com elas nos tornamos capazes de pulverizar a realidade e sonhar o momento talvez não muito distante em que seremos, nós mesmos, tecnologia obsoleta e ultrapassada. Graças a essas ferramentas, ganhamos ainda a terrível clareza da incerteza: nenhum de nós tem mais como dizer ao certo se está dentro ou fora do que costumávamos chamar de realidade, ou de que lado da Singularidade está olhando para a experiência.


Texto de Paulo Brabo

Eu mudo para continuar o mesmo

A palavra mudança incomoda a muitos, principalmente aos líderes de igreja.
Acredito que isso acontece por um erro de conceito na base do pensamento. Os líderes pensam que a igreja, a teologia e principalmente a vida estão em terra firme. Acreditam que essa terra é seca e quando encontram um oásis fixam sua vida toda em torno daquela fonte, construindo casas e cercas para não serem incomodados.

Mas vendo a dinâmica da vida, da sociedade, dos nossos tempos e o amadurecimento que uma pessoa tem com o evangelho, tenho percebido que a vida não está sobre terra firme e sim em um rio agitado.
Aquele que fica parado é levado pela correnteza do sistema, do comodismo e da religiosidade que nos anestesia da vida.
Aquele que experimentou o evangelho nunca mais pode parar de remar, pois sabe que parar é retroceder.

Como diria o filósofo Leonardo Boff: eu mudo para continuar o mesmo.
Mudar não é necessariamente sair do lugar, mudar, muitas vezes, é continuar na mesma fé e convicções. Na correnteza da vida quem não se mexe cai na grande cachoeira.
Percebo que nas igrejas e ministérios, os líderes recusam mudanças, não necessariamente porque estão receosos do que está mudando, mas simplesmente porque acreditam que mudar deve ser um ato raro e de “times que estão perdendo”.

Pensam que a vida está parada em terra firme, mas não. Igrejas e ministérios que não estão pensando e repensando o seu jeito de agir podem estar condenados a serem levados pela correnteza.
Talvez a primeira grande mudança que você pode tentar fazer com a sua igreja e ministério é ensiná-la que mudar é bom, que mudar sempre é preciso. Precisamos estar sempre reformando.
Mudamos para continuar sempre os mesmos!

Texto de Marcos Botelho

O crepúsculo dos deuses

Eu
Quero um lugar
Que não tenha dono
Qualquer lugar

Somos gente, e gente precisa de mitos, aquelas grandes narrativas formadoras que nos alçam para além das perplexidades paralisantes da realidade cotidiana e servem de espinha dorsal sobre a qual suportamos e orientamos o arco da vida.
Como já foi suficientemente demonstrado, todos vivemos debaixo de uma narrativa deste tipo, mesmo os mais céticos e descrentes dentre nós. Talvez não baste dizer que os seres humanos precisam de mitos; mais acertado seria dizer que são os mitos que nos tornaram humanos em primeiro lugar, e que são eles os patrocinadores do que nos resta de humanidade.
O ocidente pré-moderno via o arco ascendente da existência como desenhado exclusivamente por Deus: era a divindade que víamos nos conduzindo gradualmente de um presente incerto a um futuro de segurança. A condução divina era nossa narrativa sustentadora.

Na era moderna, Deus foi grosso modo substituído pela razão. Passamos a crer que a razão (equipada por todos os seus periféricos ideológicos: a ciência, a autonomia, a liberdade, a democracia, o materialismo, a privatização da produção e da vida social, o otimismo humanista, o capitalismo liberal) é quem nos guiaria de um presente incerto para um futuro de segurança. Criamos coletivamente a narrativa da colonização do espaço.Nossa narrativa orientadora passou a ser arco ascendente do progresso conduzido pela mente racional.
Parte fundamental da estrutura de um mito (como tentei indicar acima na expressão “arco ascendente” e em verbos como “conduzir” e “guiar”) é o seu componente geográfico. Em cada mito está embutida uma promessa de deslocamento, a promessa de que seremos através da eficácia do próprio mito transferidos de um lugar para outro – em particular, do lugar em que estamos para um lugar melhor.
Independentemente do mito/narrativa que nos conduz, estamos todos antevendo e ansiando por esse “lugar melhor” de tranquilidade e abundância ao qual cremos que o mito pode nos levar. Esse destino já foi, para um punhado de hebreus sem-terra, o fulgor da Terra Prometida, que manava leite e mel. Para milhões de mulheres, escravos, párias e marginalizados de todos os impérios, foi o Paraíso em que reinariam a paz e a justiça que não encontraram na experiência terrena. Para a Europa cristã saturada, exaurida, injusta e infértil da segunda metade do milênio passado, a Terra Prometida foram as Américas, destino de impensável abundância e de irrestrita liberdade. Para os norte-americanos decepcionados com o convencionalismo, a rigidez social e o corporativismo das colônias do Atlântico, o “lugar melhor” foi o Oeste Selvagem, terra da oportunidade, da igualdade e do ouro1.

Portanto cada época (e, num certo sentido, cada lugar) teve seu próprio “mito de migração redentora” subalterno ao seu mito principal. Vivemos todos debaixo da expectativa perpétua desse lugar de abundância e de realização, esse destino ao mesmo iminente e distante, onde poderemos finalmente ser quem somos e não teremos mais de viver debaixo das limitações e constrangimentos da vida que temos agora – isto é, aqui.
No século XX, ao mesmo tempo em que a tradição cristã perdia definitivamente para a ciência o primeiro lugar como mito orientador no ocidente, os homens terminavam de mapear o globo e ponderavam com terror crescente as consequências da limitação de sua circunferência. Havendo os destinos terrestres de abundância finalmente se esgotado, a humanidade esboçou um mito de migração redentora que se adequasse ao seu novo mito orientador, e criamos coletivamente a narrativa da colonização do espaço.

As profecias do novo mito, contendo suas promessas e advertências, passaram a ser registradas nos livros de ficção científica, que são um ramo contemporâneo da milenar literatura apocalíptica. No Apocalipse de João a salvação dos homens está na cidade celeste que desce do céu à terra; na ficção científica a salvação da terra está nos homens que sobem ao céu para edificar as cidades celestes.
A ficção científica prometeu que colonizaríamos os planetas, que viveríamos em estações orbitais sustentáveis, que exploraríamos galáxias e pisaríamos sistemas planetários repletos de riquezas que a imaginação não pode conceber. Ensinou-os que descobriríamos no espaço novas formas de vida, novas fontes de energia e recursos, para todos os efeitos, inesgotáveis. Doutrinou-os com a ideia que a exploração espacial representaria uma retomada muitas vezes multiplicada do espírito da Grandes Navegações dos séculos XV e XVI, e que recuperaríamos nela nossa vocação de plantar colônias e esbarrar em novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve.

O espaço tornou-se o nosso destino redentor, “a fronteira final” que prometia e possibilitava a grande futura migração – a mágica transferência para um domínio que representaria a solução de todos os problemas energéticos, populacionais e culturais que caracterizam a condição circular do nosso planeta.
A ideologia da exploração espacial ao mesmo tempo justificou a exploração dos recursos da Terra e a requereu. Se não tomamos medidas para conter a superpopulação foi porque a ficção científica implantou no inconsciente coletivo a noção de que no futuro estaríamos colonizando o espaço sem fim. Se não tomamos medidas para conter a radical espoliação dos recursos da terra foi porque a literatura apocalípticaA exploração dos recursos do espaço talvez requeira mais recursos do que a Terra tem de sobra para oferecer. da exploração espacial prometeu que em breve teríamos acesso aos recursos inesgotáveis e sem precedentes das estrelas e dos planetas2.
Porém nas últimas décadas temos testemunhado o que pode ser uma interrupção radical de toda essa narrativa, e o recente encerramento do projeto do ônibus espacial é apenas o símbolo mais recente dessa quebra de continuidade. A exploração espacial como a sonhamos talvez não seja impossível, mas o sonho tem perdido em golpes implacáveis da realidade o seu poder de factibilidade e de oportunidade, e portanto sua força de mito redentor.

Tudo que diz respeito à colonização do espaço tem se mostrado mais complexo e cheio de obstáculos do que costumávamos prever. Colocamos o pé na lua meia dúzia de vezes – custou caro e ensinou-nos muito em todas as áreas, mas foi só. Nenhum pé humano pisou o solo do mais próximo dos planetas do nosso próprio sistema, e não há qualquer perspectiva de que essa visita possa materializar-se nas próximas décadas. Se não temos como sequer antecipar ou arrebanhar a tecnologia e os recursos necessários para a mais simples das viagens interplanetárias, o sonho da colonização do nosso próprio sistema permanece distante ao ponto do irreal – quanto mais o de uma viagem a outro sistema planetário, quanto mais o de uma realidade em que esse tipo de viagem se torne coisa comum, factível e de retorno garantido.
Em particular, os cientistas intuem com cada vez mais clareza que a exploração dos recursos do espaço talvez requeira mais recursos do que a Terra tem de sobra para oferecer. Se, apesar das dificuldades, conseguirmos acesso aos recursos de outros destinos planetários, será com toda probabilidade tarde demais – tarde demais, isto é, para resolver os problemas que nos apertam na nossa presente experiência no planeta.

Os cientistas esperavam, pelo menos tanto quanto os cristãos, que a salvação viesse do céu, mas estamos todos aprendendo juntos a perder essa fé3. Perdemos nosso mito subalterno de migração redentora, e hoje em dia contribuímos para o naufrágio planetário sem contar sequer com a ilusão de um plano de fuga.
Talvez não seja cedo para concluir que o nosso primeiro planeta será também o nosso último. Talvez não seja cedo para celebrar que o universo pode estar para sempre a salvo de nós.
                  

NOTAS

  1. Os exemplos se pode indefinidamente multiplicar: para nordestinos esmagados pela seca, o destino de esperança foi o sul Brasil; para gente apertada pela falta de oportunidade no interior, é a cidade grande. []
  2. Ou seja, nada mudou muito desde que a tradição cristã ensinou que podíamos violentar esta terra sem qualquer escrúpulo porque em breve Deus nos daria outra. []
  3. Essa quebra de paradigma tem se refletido na própria ficção científica. O seu mito de migração redentora permanece mais ou menos inalterado, mas com cada vez menos frequência chegamos a esse novo destino através de foguetes, tecnologia convencional ou iniciativa humana. Daí a crescente importância, na literatura de ficção científica mais recente, de abismos negros, portais, wormholes e fendas no tecido espaço-tempo – soluções ou atalhos que aproximam-se, em espírito e em execução, do arrebatamento dos santos e da transição ao céu prometidos pela tradição cristã. Exemplos: a saga Stargate e as séries Primeval, Torchwood e Terra Nova. []

Texto de Paulo Brabo

Dignidade a preço de marmitex!

Se vocês me permitirem, vou lhes contar uma história verdadeira ocorrida comigo recentemente em pleno clima do Natal de 2009.

No último dia 22 de Dezembro, fui ao centro da cidade de Maringá-PR para fazer um depósito bancário e algumas comprinhas básicas de Natal. O vai e vem das pessoas enchia o Comércio e as calçadas. No ar, aquele clima natalino básico e tradicional. Apesar da familiaridade anual quase rotineira, parece que o coração da gente fica mesmo um pouco mais humano e sensível às necessidades alheias. Afinal, é Natal!
Amontoados em uma dessas calçadas, bem em frente a um restaurante de comida por quilo, pertencente a uma família de descendentes de imigrantes, deparei-me com uma família de sete pessoas da etnia indígena Kaigang (três jovens senhoras e quatro crianças) vendendo seus artesanatos e cestos de bambu.
Estava sozinho, já havia feito minhas tarefas e buscava alguma coisa para passar o tempo enquanto andava pelo centro esperando o momento de encontrar minha esposa e meus filhos, que perambulavam em algum outro ponto do centro. Como era hora do almoço, e, apesar de não estar com fome, resolvi convidar toda a família Kaigang para almoçar comigo naquele restaurante. Dei a notícia de que eram meus convidados e olhei nos olhos dos pequeninos para apreciar a reação. Um deles, sorrindo, me disse, enquanto segurava carinhosamente a mão “do estranho”, mas, aparentemente, bom homem:

-Posso pedir uma Coca Cola?
-Claro! – respondi, e perguntei em seguida:
-Você gosta de Coca Cola, é?
-Siiim! – respondeu ele sem titubear enquanto abria um grande sorriso.

Segurei firme a mão desse pequenino ao mesmo tempo em que adentrava o restaurante cheio de gente “fina” e me assegurava de que o resto do grupo venceria a evidente timidez e me seguiria.
Por se tratar de um sistema de self-service, eu me dirigi à fila, os posicionei e expliquei ao grupo o que fazer e fui falar com um dos proprietários, que estava na balança, informando que a despesa dos Kaigangs ficaria por minha conta. Para minha surpresa e desapontamento, eu ouvi uma resposta inesperada para os dias de hoje. O proprietário, que, como já disse antes, é filho de imigrante, foi carinhosamente acolhido e abrigado por nossa terra e por nosso povo, disse-me, categoricamente, que não poderia servir os índios do lado de dentro do restaurante, em evidente preocupação com a clientela. Disse-me ainda que eu só poderia lhes servir marmitex para viagem.
Enquanto continha minha fúria interior, eu fingi não entender e lhe sugeri uma mesa mais ao fundo, para não perturbar ninguém. Novamente, o proprietário insistiu: "Senhor, infelizmente, não posso fazer isso." Foi então que olhei para a família Kaigang e os vi extremamente inquietos e constrangidos, como que querendo se esconder embaixo das mesas. Entre confortar os excluídos e “voar” no pescoço do proprietário, graças a Deus, eu resolvi conduzir o grupo, que agora saía do local mais rápido que havia entrado, pra fora do restaurante e posicioná-los de volta na humilhante calçada.
Pensei em “quebrar o barraco”, chamar a polícia, fazer um boletim de ocorrência, e até mesmo, levar meus convidados a outro restaurante, mas, não consegui engolir o descaso e a audácia racista e adentrei novamente para pedir os marmitex ali mesmo. Lembrei-me de que Deus tem nos falado ultimamente sobre o aspecto educador da Graça, já que, sobre o aspecto Salvador, eu não conseguiria representar bem naquele momento. Resolvi investir na inversão de valores na vida do proprietário e lhe ensinar uma lição que espero ser de valia doravante.
Enquanto os marmitex eram preparados, fiz questão de confrontar o moço e de pedir capricho ao servir a comida sobre a ameaça de registrar uma queixa de racismo e de constrangimento público. “Nunca vi marmitex tão bem servidos." Durante minha ira, senti a visita do espírito Santo de Deus como que “compactuando” com minha indignação. Senti que, de alguma forma, ao me posicionar em favor daqueles ilustres desconhecidos, atraí a atenção do Pai para aquela situação ali naquele local. Percebi claramente o zelo de Deus em ação, em meio a um processo vergonhoso e absurdamente injusto. Quase podia sentir no ar o “furor” de Sua indignação e o deslocamento de ar de suas narinas.
Meus amigos Kaigangs se foram levando consigo os seus marmitex, sua coca cola e a “vergonha de sua identidade. Naquele momento, tive vergonha de fazer parte do mundo “civilizado”. Porém, voltei pra casa naquele dia um pouco mais crente e consciente da luta pela justiça e pela transformação. E, disposto a fazer valer o adágio popular de que “todo dia é dia de índio”, bem como, a abrir caminho e defender diante de Deus, nas circunstâncias da vida, os deixados de fora que vem de toda língua, povo e nação!
Sei que você também enfrenta situações de exclusão e racismo assim todos os dias pelas ruas por onde anda. Se juntos, atentarmos para o que é reto e justo, arregaçarmos nossa mangas, estendermos nossas mãos, alçarmos nossa voz, em nome de Jesus, poderemos mudar esse nosso mundo ironicamente “desumano” e com a graça de Deus, transformar alguns corações e mudar algumas atitudes.


Texto de:
Wellington Oliveira
Presidente de Jocum Brasil

Andando em cima do muro... Mas que muro?

Hoje nas igrejas tem se popularizado expressões para uma pessoa que frequenta a igreja, e que continua sua vida fora dela sem Deus. Temos o crente Raimundo, um pé na igreja e outro no mundo, ou então ‘ele ta morno’, ou até EM CIMA DO MURO.
Afinal ficar “em cima do muro” é mais fácil, você tem sua salvação e nem precisa abrir mão de nada. Não é maravilhoso?! É o caminho perfeito pra seguir, vou pra festa da sexta, faço o que eu quero, vou pra outra no sábado, curo minha ressaca no domingo de manhã. E a noite? IGREJA, chego lá falo com a galera, assisto o culto, dou aquela saída com o pessoal para lanchar, passo a semana cuidando da minha vida e no próximo domingo? IGREJA de novo, e vou vivendo essa minha vida assim... Em cima do muro, e aí quando eu tiver perto de morrer, aí sim, eu aceito a Jesus de verdade, enquanto isso o muro me basta.
Então, eu vou ter que dizer uma coisa pra vocês, e vocês não vão gostar... Pois é a noticia é ruim sim, e algumas pessoas talvez se admirem com o que eu vou dizer. Então deixa eu te dizer, ta Andando em cima do muro... Mas que muro? É essa a realidade, que muro? Não existe um muro, nunca existiu um muro na verdade, é algo que querem que você pense que existe pra você se sentir mais confortável, ou então por medo de dizer que você ta indo para o inferno, sim para o inferno.
Se você acha que ser um crente mais ou menos já serve, deixo para você Apocalipse 3.16 Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca. Um texto bem direto e simples. Não vamos acreditar que um banco de igreja no domingo a noite é um caminho estreito, temos que concordar que ele é um caminho bem largo e prático, o que ilude muito as pessoas que frequentam a igreja. Mal sabem essas pessoas que isso não vale nada pra Deus, e esse muro aí que ela jura que tá em cima, nem tá embaixo delas, elas se apoiam numa falsa ideologia que as fez pensar que não estão distantes de Deus, mas a um simples passo que parece fácil de dar.
Porque assim, a Bíblia, lá em Mateus 7.14 diz que só existem DOIS caminhos, isso mesmo DOIS, não são três, porque aí sim poderiam ter um muro, mas não, são DOIS caminhos e só o estreito leva a Deus.
Logo se você junta os dois parágrafos acima, existe o caminho estreito que leva a Deus, e o outro caminho que leva direto para o inferno, mas esse aí tem a porta larga, olha que nessa vai passar muita gente que pensa que tá assim, em cima do muro.
Quer um conselho para entender que não existe muro? Leia Mateus 7 completo. Isso mesmo, todo esse texto. E se você quando terminar acreditar ainda acreditar que existe um muro, um meio termo, só poderei te oferecer minha compaixão.
E quando você perceber que já não está num muro, mas caminhando para uma porta larga, eu estarei feliz em saber que você largou sua ilusão, e que agora compreende que o muro era só mais um meio de te afastar de Deus. E que agora sim poderá começar para junto do Pai, que é fiel e justo para te perdoar.
Ainda é tempo de descobrir que não existe um muro... Ainda é tempo de escolher o caminho certo... Ainda é tempo de se voltar para Deus.


Texto de: Thiago MB17





"Eu era essa merda de pessoa. E Ele transformou cada pedaço" (Vídeo)

Ah se eu fosse o diabo...

Seu eu fosse o diabo? Ah, se eu fosse o diabo...
Estaria satisfeito com meu trabalho, ou melhor, com o trabalho dos humanos. Principalmente aqueles que pensam que estão fazendo algo proveitoso. Aqueles que tentam ao máximo fazer a vontade de meu inimigo apelando aos seus próprios esforços. Vejamos como tem se saído meu trabalho e o que eu poderia fazer pra continuar brincando com esses insetos...
Antes de tudo, faria o possível para que o notebook de Eliab descarregasse, infelizmente não tenho esse poder e ele acabou de achar o carregador. Mas posso atrapalhar sua leitura desse artigo. Alguém te chamando pra fazer algo, ou fazê-lo lembrar que já está na hora da refeição, preguiça de ler, falta de concentração, ah, são tantas opções. Vocês são tão fáceis de manipular!

Antigamente eu fazia com que os próprios irmãos da igreja saíssem e levassem com eles muitos "fieis". Mas graças a eles eu prendi algo mais destruidor: O bom é deixar a cobra dentro da toca. Se alguém ficar envenenando os outros, a doença espalha dentro da igreja e quando você menos esperar, estão todos infectados e ainda achando que estão fazendo a coisa certa. Nessa parte eu estou me saindo bem!

Outra coisa que tem se saído muito bem é a visualização do pecado! Esse meio é ótimo porque além de deixar os insetos pensando que estão fazendo algo para agradar meu inimigo, a sociedade ainda volta-se contra eles. A visualização do pecado é meu plano mais bem elaborado. Eu pego um inseto, trabalho de uma forma para que os defeitos dele fiquem bem visíveis. Com isso, os crentes acabam rejeitando-o e negando qualquer ajuda necessária para livrá-lo de mim e dele mesmo. Geralmente isso funciona com drogados, homossexuais, prostitutas e pessoas com aparência diferente. O mais divertido não é isso! O mais divertido é ver os insetos que acham que estão lutando do lado do meu inimigo dizerem que não tratam essas pessoas de forma diferente. Dizem que aceitam todos que querem mudar de vida. Dizem que não fazem acepção de pessoas. Cara, às vezes eu quase acredito nisso! Eles são muito bons em enganar a si mesmos. Isso me diverte. Parecem um bando de baratas tentando acreditar que são águias só porque têm asas. Hilário!

E ainda tem outra coisa muito divertida, com a discriminação deles por essas outras pessoas a sociedade se volta contra os crentes e zomba deles, persegue e a cada dia o circo se fecha cada vez mais pra eles. Mas o que me deixa rolando de rir é que os imbecis acham que isso é a perseguição que meu inimigo falou que se seguiria ao pregarem o evangelho. Esperem um pouco que eu preciso dar uma pausa pra rir. Não consigo escrever e lembrar disso ao mesmo tempo. Minhas gargalhadas não permitem...



Uffa! Minha barriga ficou doendo. Eu amo esse circo!

Ah, ia esquecendo, tem um meio de trabalho que me ajudou muito desde a época da igreja primitiva e vem firme e forte até hoje, graças a grande ajuda da igreja e dos legalistas (a igreja que acha que faz a diferença, não a igreja escolhida pelo meu inimigo). O que tem ajudado bastante é a vergonha do pecado. O sentimento de culpa depois de pecar faz com que eles deixem de orar, ler as escrituras, enfim, se afastam de Deus por causa da vergonha.
O bom disso é que eles perdem o relacionamento com o único ser que pode limpá-los do pecado. A igreja ajudou muito ao condenar e criticar alguns pecados, principalmente os pecados sexuais. Ela deu tanto foco neles que as pessoas os tratam como se fossem piores do que os outros. Pode analisar, eles têm mais vergonha de dizer que se masturbam do que confessar que contaram uma mentirinha. Isso é ótimo porque faz com que eles esqueçam do que meu inimigo pregou quando veio: a Graça e o perdão. Eles não lembram disso. Só lembram que fizeram algo de errado que a igreja abomina. Eles se preocupam mais com a condenação dos outros do que com o perdão divino.
Nem sempre foi assim. Teve um sujeito que me quebrou a cabeça. Davi, o inseto segundo o coração do meu inimigo. Que ódio eu tenho dele. Como pode? Ele não fazia como fazem os idiotas de hoje. Por mais que ele pecasse, ele sempre estava buscando reconciliar-se com você sabe quem. O pecado os aproximavam mais. Não tinha pecado nenhum que o envergonhasse a ponto de afastá-lo de Deus. Ele sabia que a única maneira de ser curado era procurar o médico e não correr dele. Dei boas risadas com as quedas dele. Mas fiquei irado com as risadas do meu inimigo quando eles estavam conversando. Ainda bem que são poucos os insetos que se comportam assim ultimamente.

E isso não teria nenhum resultado se não fosse a falta de conhecimento deles sobre meu inimigo. Se eles conhecessem meu inimigo o tanto que eu conheço, meu trabalho estaria acabado!

Pra encerrar, quero comentar dois pilares que têm feito meu trabalho sem que eu me esforçasse tanto! O primeiro é o entretenimento. De início parece algo inofensivo. Muitos dos meus subordinados criticaram minha escolha. Mas tiveram de me aplaudir quando viram os insetos deixarem de orar pra fazer qualquer outra coisa mais legal. Quando eles pararam de estudar as escrituras para ver seriados, novelas, filmes, etc. E o que é melhor, eles nunca perceberam isso.
A outra coisa, na minha opinião, minha mais engenhosa trama, foi sugerir à igreja que sua missão consiste em promover entretenimento para as pessoas, tendo em vista ganhá-las para meu inimigo. É eu sei, isso foi brilhante! Claro que eu não teria conseguido sem que o entretenimento externo me ajudasse. No início foi bem curioso ver as pessoas abraçarem as coisas mais legais e se afastarem das coisas chatas do meu inimigo. Eu já estava satisfeito. Mas eu poderia incrementar esse bolo. Daí, eles começaram a pegar as coisas legais e adaptar aos "cultos" para deixá-los mais divertidos. O legal é que com isso, além de irem esquecendo aos poucos as escrituras, eles acreditam de todo coração de que aquilo continua sendo um culto ao meu inimigo.

Tem muita coisa pra falar aqui. Mas tenho de deixar pra outra ocasião. Preciso voltar ao trabalho. Já vou voltar fazendo com que os insetos que leram esse artigo saim sem meditar no que foi dito, que isso não tenha relevância na vida deles. Que seja apenas um monte de palavras sem importância e significado pra eles. Afinal, tenho me dado muito bem ao fazer isso. Preciso fazer isso logo antes que eles saiam e falem sobre isso com meu inimigo. Se pedirem ajuda para salvá-los dessas armadilhas, implorarem perdão pelos erros e pedirem pra O Cristo guiar a vida deles. Está tudo acabado!



Abraço,
Agora é Eliab Alves ;D





Se a vontade de Deus é boa, agradável e perfeita... Por que escolhemos as outras?

Esses dias parei para pensar sobre esse assunto que por diversas vezes simplesmente passa despercebido. Lá em Romanos 12.2 a Bíblia nos afirma que a vontade de Deus é boa, é agradável e é perfeita, e nós extremamente sábios loucos homens resolvemos: “Quem cuida da minha vida sou eu, então faço o que eu quiser.” E aí caímos na idiotice, sim idiotice, de deixar Deus de lado e ‘cuidar da minha vida como eu bem entender’.
Mas se vocês querem saber o porquê fazemos isso é fácil, e a resposta é simples, porque nós somos humanos imperfeitos, porque nós nos acostumamos a viver num mundo imperfeito, porque o mundo nos ensinou que o mal é bom, que o desagradável é agradável, e que não precisamos da perfeição ‘a gente se vira com o que tem’. Porque nosso coração é enganoso, e assim como o meu já me enganou diversas vezes, tenho certeza que o de Eliab também o enganou, e que nossos corações irão por diversas vezes nos enganar nos fazendo inverter tais valores para suprir desejos próprios.
Porque nós, humanos prepotentes e auto-suficientes, vivemos num mundo que nos ensina a ser individualista, e nós tolos influenciáveis, apenas aceitamos. Logo passamos a pensar que não precisamos do bom, ‘o que vier é lucro’, nem do agradável, ‘a tendência é piorar’, e muito menos do perfeito, ‘nada é perfeito, a gente fica com o que tem’. Como cantou PG “Sábio, Louco Homem sem Deus”. Já passou da hora de nós VERDADEIRAMENTE deixarmos Deus renovar nossa mente e pararmos de viver um ‘evangelho de banco de igreja’. Já passou da hora de ficarmos INCONFORMADOS com este mundo, porque quando o mundo já não nos agrada mais é porque começamos a viver o evangelho, porque aí sim! Quando deixarmos Deus nos transformar pela renovação (renovar-se, alterar(-se) para melhor – Dicionário Houaiss) da nossa mente, poderemos experimentar a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.
Como diz o texto: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12:2)
Por que conservar nossa mente que admite qualquer coisa no lugar do que é bom? Por que nos conformar com um mundo que não é agradável? Por que escolher outra coisa no lugar do que é perfeito? É tolice! E não pensem que falo isso só para vocês que lêem, falo principalmente para mim, miserável pecador que escreve.


Texto de ThiagoMB17