Seu eu tivesse a chance de voltar ao passado...

Seu eu tivesse a chance de voltar ao passado, cometeria os mesmos erros. Faltaria aos mesmos encontros. Chegaria atrasado do mesmo jeito. Falaria na hora errada. Erraria o gol. Desistiria da viagem. Esperaria os quarenta minutos de atraso. Leria o péssimo livro. Cairia da bicicleta. Apostaria nos mesmos dados. Marcaria a mesma resposta errada na prova. Esperaria o pneu furar. Contaria as mesmas histórias. Faria os mesmos amigos. Voltaria a acampar na chuva. Pisaria nos mesmos espinhos. Dançaria as mesmas músicas. Não evitaria as derrotas. Comemoraria as vitórias como se fosse a primeira vez. Tropeçaria nas mesmas pedras. Não evitaria os buracos que caí.

Se eu tivesse a chance de voltar ao passado, não mudaria nada. Qualquer mudança implicaria em outro futuro. 

Se eu tivesse a chance de voltar ao passado, meu único esforço seria de me certificar que faria tudo exatamente igual.

Não mudaria meu futuro. Ao mudá-lo correria o risco de não ter você aqui comigo hoje. E se eu não tenho você aqui hoje, não importa o que fiz a vida inteira. Se tudo que fiz não me levasse a você eu mudaria todo meu passado para te encontrar no futuro.

Por você eu sofreria as mesmas decepções, cometeria os mesmo erros, apanharia novamente da vida. Se cada erro, cada lágrima, cada constrangimento foi necessário para cruzarmos o mesmo caminho, eu passaria por tudo mais uma vez.

Por você eu voltaria ao passado para garantir você no meu futuro!



Eliab Alves Pereira

Adeus, “Deus seja Louvado”: A religião e o dinheiro

As religiões em geral e o cristianismo em particular nunca mantiveram uma boa relação com o “vil metal”. O dinheiro foi, desde muito, fonte de grande desconfiança pelos religiosos; seu poder e sedução sobre os homens, sua capacidade de corrupção e de gerar divisões, seu caráter de ídolo… Pensando bem, religião e dinheiro não seriam assim tão diferentes; ambos exercem forte fascinação sobre os homens, geram guerras e divisões, são objetos de culto, etc., mas não é isso que quero explorar. O importante é que a religião, notadamente o cristianismo, nunca foi lá tão simpática ao dinheiro. Enxergava neste último algo de profano e perigoso, até mesmo de rivalizador.

Nesse sentido, parece-me particularmente estranho e contraditório o fato de religiosos, católicos e evangélicos, protestarem e incomodarem-se contra a retirada da frase “Deus Seja Louvado” das notas de Reais, pedido pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo na semana passada. Afinal, não foi Jesus, num gesto de revolta, que expulsou enfurecidamente os mercadores e cambistas que haviam transformado o Templo, “uma Casa de Oração” em uma “casa de negócios”, numa “caverna de ladrões”? Também o mesmo Jesus, sendo testado e tentado, acerca de se era ou não lícito pagar tributo a César, afirmou, apanhando uma moeda e mostrando a esfinge; “Dai, pois, a César, o que é César, e a Deus, o que é de Deus”.

Apesar das controvérsias da ostentosa Igreja Católica, da teologia da prosperidade e das igrejas caça-níquéis, de um modo geral, para a religião, ou melhor, para fé e a retidão das pessoas na doutrina, o dinheiro sempre representou uma ameaça corruptora, capaz de desviar ou tornar-se um obstáculo ao crente no caminho da salvação. Por isso, disse Jesus: “Que é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. Como sabemos, historicamente, o catolicismo condenava a usura, o lucro ao passo que o protestantismo calvinista condenava a ostentação gratuita, o perdulário e esbanjador, preferindo manter em relação ao dinheiro uma atitude ascética, discreta e poupadora.

Portanto, retirar o tal “Deus seja Louvado” significa, a meu ver, não somente prestar um excelente serviço em favor do Estado Laico, como também prestar um grande serviço às religiões em favor da coerência quanto às suas raízes históricas e dogmáticas. Na verdade, como se vê, os cristãos deveriam agradecer em vez de espernear.

Mas, para além dos temores e condenações religiosas, por que a religião manteve uma relação tão ambígua com o dinheiro? E por que espernearam os cristãos contra a queda do “Deus seja louvado” nas notas? Ora, o dinheiro, sobretudo na modernidade, é o único ser que, por seus atributos próprios, assemelha-se a Deus. Como o Todo Poderoso, o dinheiro também é onipotente e onipresente; nada escapa de sua mediação e tudo faz possível. O dinheiro é capaz de apresentar-se aos homens como meio de salvação e conforto, como entidade ao mesmo tempo concreta e transcendente capaz de redimir e elevar os afortunados que o tem e de condenar os desafortunados à miséria.

Tal como Deus, o dinheiro é um artefato criado pelos humanos e que, pela mistificação, logrou tal força sobre as vidas humanas que ganhou vida própria, tornando-se não apenas independente da humanidade mas mais poderosa do que ela. Deus e o dinheiro são fontes de sentido para o mundo, atrás de ambos correm, matam e morrem os homens.

Da mesma maneira que Deus, também o dinheiro usufrui de uma força divina, já dizia Karl Marx nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos; ele pode realizar tudo aquilo que o homem como homem, por suas forças e capacidades próprias não pode realizar por si mesmo. “Sou feio, mas posso comprar para mim a mais bela mulher… Eu sou coxo, mas o dinheiro me proporciona vinte e quatro pés…”.

No entanto, o dinheiro possui uma vantagem em relação Deus, qual seja; ele é uma divindade mais visível e palpável. Na verdade, o dinheiro substituiu Deus ao ponto do outrora Todo Poderoso ter de, no mundo moderno, encontrar o seu lugar no seio de outra divindade, o dinheiro. É isto que atesta a expressão “Deus seja louvado”. Deus passa a existir nesta outra divindade, mais humana e mundana, que é o dinheiro.

A revolta dos cristãos com a retirada da frase não é tanto pelo laicismo ou pelos seus privilégios, por tanto tempo tolerados e intocáveis, estarem sendo agora questionados e revisto pelo Estado. Mas sim porque Deus, o “seu” Deus perdeu o lugar no mais poderoso deus, o único capaz de, na fraturada e dividida modernidade, constituir a unidade do mundo, o dinheiro.



Alyson Freire
(Professor de Sociologia. Mestrando no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais - UFRN. Editor e integrante do Conselho Editorial da Carta Potiguar.)
http://www.cartapotiguar.com.br/2012/11/19/adeus-deus-seja-louvado-a-religiao-e-o-dinheiro/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter&utm_campaign=Feed%3A+CartaPotiguar+%28Carta+Potiguar%29

Sacrifícios por alforria

E aconteceu depois destas coisas, que provou Deus a Abraão, e disse-lhe: Abraão! E ele disse: Eis-me aqui.
E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi.
Então se levantou Abraão pela manhã de madrugada, e albardou o seu jumento, e tomou consigo dois de seus moços e Isaque seu filho; e cortou lenha para o holocausto, e levantou-se, e foi ao lugar que Deus lhe dissera.
Ao terceiro dia levantou Abraão os seus olhos, e viu o lugar de longe.
E disse Abraão a seus moços: Ficai-vos aqui com o jumento, e eu e o moço iremos até ali; e havendo adorado, tornaremos a vós.
E tomou Abraão a lenha do holocausto, e pô-la sobre Isaque seu filho; e ele tomou o fogo e o cutelo na sua mão, e foram ambos juntos.
Então falou Isaque a Abraão seu pai, e disse: Meu pai! E ele disse: Eis-me aqui, meu filho! E ele disse: Eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?
E disse Abraão: Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto, meu filho. Assim caminharam ambos juntos.
E chegaram ao lugar que Deus lhe dissera, e edificou Abraão ali um altar e pôs em ordem a lenha, e amarrou a Isaque seu filho, e deitou-o sobre o altar em cima da lenha.
E estendeu Abraão a sua mão, e tomou o cutelo para imolar o seu filho;
Mas o anjo do SENHOR lhe bradou desde os céus, e disse: Abraão, Abraão! E ele disse: Eis-me aqui.
Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho.
Então levantou Abraão os seus olhos e olhou; e eis um carneiro detrás dele, travado pelos seus chifres, num mato; e foi Abraão, e tomou o carneiro, e ofereceu-o em holocausto, em lugar de seu filho.
[Gênesis 22:1-13]

O temor de Isaque, a fidelidade de Abraão, a interrupção do anjo, o carneiro preso no mato. Uma trama digna de um palco de shakespeare. Essa narrativa do antigo testamento é bem conhecida como a prova que Deus precisava para considerar Abraão como "O Pai da Fé". Mas o que define Abraão como o pai da fé? Será que a atitude de pegar seu filho para sacrificá-lo seria uma prova de fé? Largar sua família e sair em peregrinação em busca de uma terra prometida por uma voz no meio da noite não seria uma prova suficiente de fidelidade? Por que Deus pediu Isaque a Abraão? 

Será que estamos lendo essa narrativa da forma correta? Você consegue enxergar um significado maior nessa passagem? Você consegue ver o evangelho estampado nessa narrativa do antigo testamento? 

A narrativa acaba com um desfecho feliz: o anjo impede que Abraão sacrifique seu filho, Abraão consegue passar no teste e, pra concluir, ainda consegue um carneiro para entregar no lugar de seu filho. Fim da história, correto?

Mas vejamos por outro ponto de vista: Isaque seria sacrificado. Abraão, com sua fé incondicional, promete a seu filho que "Deus proverá para si o cordeiro para o holocausto", mesmo sabendo que Deus pedira seu filho, Abraão ainda crê que haverá um substituto, ele não mentiu para seu filho, ele creu que Deus providenciaria, ele creu que Deus não tomaria para si o filho da promessa. 

O carneiro foi aceito no lugar de Isaque. O carneiro foi o redentor do primogênito de Abraão. Assim como Cristo foi nosso substituto. Nos contentamos com o fim da narrativa com a libertação de Isaque. Mas havia um carneiro a ser sacrificado em seu lugar. O sacrifício precisava ser consumado. Enquanto Abraão e Isaque se abraçavam, um animal havia sido providenciado para ser entregue a Deus. 

Cristo, assim como o carneiro, foi entregue em sacrifício em nosso lugar. Todos nós somos Isaques, todos nós seríamos entregues à morte, todos nós seríamos entregues ao juízo de Deus. Mas Deus proveu para si o cordeiro para o sacrifício. O cordeiro de Deus, seu único filho, a representação de Deus na terra, o amor encarnado, foi entregue para que nossa vida tivesse uma nova chance, um novo rumo.

A única coisa que cabe a nós é acreditar na entrega do Redentor. O que salvou Isaque não foi apenas o carneiro, mas a fé de Abraão de que o substituto seria providenciado. O que garante nossa salvação não é apenas a morte de Cristo, mas também a nossa fé de que a sua morte substituiu a nossa. A minha fé baseada no sacrifício de Cristo é que me salvará da morte, não são as coisas que faço, não é a minha cultura, meu sexo, a comida, as roupas, a orientação sexual, a profissão, o vício, o erro, a culpa, o acerto, que me salvarão ou me condenarão, mas apenas e unicamente, minha fé de que Cristo, ao morrer, tomou o meu lugar e, dessa forma, a morte não tem mais poder sobre mim. A minha vida agora foi restaurada pelo que Ele fez. 
Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido.
Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.
Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos.
Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca.


[Isaías 53:4-7]

Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado.
Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas;
Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem; porque não há diferença.
Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus;
Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.
Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados antes cometidos, sob a paciência de Deus;
Para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.
 
[Romanos 3:20-26]

Não perca seu tempo tentando encontrar formas de ganhar a salvação. Nada do que você fizer irá te salvar. O que Cristo fez por você, sim, é isso que te salvou! Deus só pede que você creia nisso. Isso é o evangelho! A fé de que nossa salvação foi dada por Cristo lá no calvário quando tomou o nosso lugar. Quando foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniqüidades.

Eu sei que o que é pregado hoje em dia pelos homens que se dizem profetas de Deus é diferente do que eu estou falando aqui. Todos ensinam que você precisa fazer coisas, deixar outras, seguir determinadas regras, usar determinadas roupas, dizer certas coisas, privar-se de certas comidas e bebidas, etc. Mas eu não consigo crer nesse deus que me condenará a uma eternidade de sofrimento por causa do meu sexo, ou da bebida que bebi, ou da festa que frequentei. Esse deus não é, e nunca será, o mesmo Deus que entregou-se no meu lugar para que eu pudesse ser chamado de Seu Filho. Ele morreu por TODOS porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus. Ele morreu por mim sabendo que eu sou falho, que sou corrompido, que sou digno de condenação. Mas mesmo sabendo disso Ele se ofereceu em meu lugar em troca de um relacionamento sincero, baseado no amor incondicional de um pelo outro. Ele não está nem aí para o que sou, o que importa para Ele é o que Ele é pra mim. Ele não está nem aí para o que sou, o que importa para Ele é se eu quero ser seu amigo. Ele não quis saber se Zaqueu era corrupto, Ele só queria jantar com ele. Ele não queria saber se a mulher do poço era Samaritana, Ele só queria ensinar-lhe algo. Ele não queria saber se Judas o trairia, Ele só queria que Ele fosse seu amigo. Ele não queria saber se a mulher trazida pelos fariseus era prostituta, Ele só queria libertá-la de seus opressores. Ele não queria saber se o ladrão na cruz era culpado, Ele só queria perdoá-lo e estar com Ele no paraíso. 

Deus não é como o homem. Ele não se importa com aquilo que os homens usam para condenar os outros. Ele prefere os condenados. Afinal, como Ele vai nos ajudar se não precisarmos de ajuda? 


Abraço,
Eliab Alves Pereira

Deus nos livre de um Brasil evangélico

Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.

Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.

Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.

Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista. 

O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.

Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.


Ricardo Gondim

Infinita Highway


Eu vejo um horizonte trêmulo
Eu tenho os olhos úmidos
Eu posso estar completamente enganado
Eu posso estar correndo pro lado errado
Mas "a dúvida é o preço da pureza"
É inútil ter certeza
(Infinita Highway - Engenheiros do Hawaii)

Todo gênio conhece outro gênio. 

O que me faz melhorar o que sou é saber que existe alguém melhor que eu naquilo que acho que sou bom. Assim terei uma meta a bater, uma linha de chegada a partir. A consciência de que ainda não sou bom o bastante é essencial para me levar ao aperfeiçoamento. Nas palavras de Shakespeare: um tolo pensa ser sábio, mas o homem sábio sabe que é um tolo. 

Nos limitamos quando pensamos que chegamos ao topo da escada. A estrada não deve ter fim, a busca deve ser eterna, nada é pouco e tudo não é o bastante.  O que nos move é o conhecimento de que ainda não terminamos.

George Shinn disse que crescimento significa mudança, e toda mudança implica o risco de passar do conhecido ao desconhecido.

Para ser bom em algo preciso reconhecer que há alguém melhor do que eu. Enquanto não houver metas a serem batidas, não haverá necessidade de lutar. Triste daquele que está no topo da escada e não tem mais para onde ir senão para baixo. Portanto, não subamos escadas, mas desbravemos estradas. Que nossa busca seja para o lado e não para cima. Quem sobe montanhas precisa descer quando a escalada chega ao fim. Quem encara novos horizontes encara mil destinos diferentes. 

Como bem observou Paulo Coelho, todo guerreiro ja ficou com medo de entrar em combate. Todo guerreiro já perdeu a fé no futuro. Todo guerreiro já trilhou um caminho que não era dele. Todo guerreiro já sofreu por bobagens. Todo guerreiro já achou que não era guerreiro. Todo guerreiro já falhou em suas obrigações. Todo guerreiro já disse "SIM" quando queria dizer "NÃO". Todo guerreiro já feriu alguém que amava. Por isso é um guerreiro; porque passou por estes desafios, e não perdeu a esperança de ser melhor do que era.

O leão não persegue se não houver um servo fugindo, o bebê não estende os braços se não houver a mãe para ampará-lo, o corredor só aumentará a velocidade se enxergar seu oponente à frente, a leitura acaba na última página, a estrada termina no abismo, o sono se vai com o cochilo, a sede morre com a água.

O que torna o caminho longo é a estrada que vemos à frente.
Que não nos conformemos com um único caminho; mas que nossos olhos brilhem a cada bifurcação.

Movimentemos a vida com a certeza de que sempre haverá algo à frente, um objetivo a cumprir, uma missão a encarar. Que não permitamos limitar a vida aos limites. Quebremos os grilhões, arrebentemos as cordas, pulemos os muros, avancemos as cercas.

O que faz a vida ser vida é a existência da necessidade de mais um passo. Afinal, o que é a morte senão o fim da liberdade de ir adiante?



Abraço,
Eliab Alves Pereira




O Homem e A Mulher

''O homem é a mais elevada das criaturas;
A mulher é o mais sublime dos ideais.
O homem é o cérebro;
A mulher é o coração.
O cérebro fabrica a luz;
O coração, o AMOR.
A luz fecunda, o amor ressuscita.
O homem é forte pela razão;
A mulher é invencível pelas lágrimas.
A razão convence, as lágrimas comovem.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher, de todos os martírios.
O heroísmo enobrece, o martírio sublima.
O homem é um código;
A mulher é um evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é um templo; a mulher é o sacrário.
Ante o templo nos descobrimos;
Ante o sacrário nos ajoelhamos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter , no crânio, uma larva;
Sonhar é ter , na fronte, uma auréola.
O homem é um oceano; a mulher é um lago.
O oceano tem a pérola que adorna;
O lago, a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa;
A mulher é o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço;
Cantar é conquistar a alma.
Enfim, o homem está colocado onde termina a terra;
A mulher, onde começa o céu.''

Victor Hugo

O pastor herege

“Deus nos livre de um Brasil evangélico.” Quem afirma é um pastor, o cearense Ricardo Gondim. Segundo ele, o movimento neopentecostal se expande com um projeto de poder e imposição de valores, mas em seu crescimento estão as raízes da própria decadência. Os evangélicos, diz Gondim, absorvem cada vez mais elementos do perfil religioso típico dos brasileiros, embora tendam a recrudescer em questões como o aborto e os direitos homossexuais. Aos 57 anos, pastor há 34, Gondim é líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista. E tornou-se um dos mais populares críticos do mainstream evangélico, o que o transformou em alvo. “Sou o herege da vez”, diz na entrevista a seguir.

CartaCapital: Os evangélicos tiveram papel importante nas últimas eleições. O Brasil está se tornando um país mais influenciável pelo discurso desse movimento?

Ricardo Gondim: Sim, mesmo porque, é notório o crescimento do número de evangélicos. Mas é importante fazer uma ponderação qualitativa. Quanto mais cresce, mais o movimento evangélico também se deixa influenciar. O rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos se dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro.

CC: Como o senhor define esse perfil?

RG: Extremamente eclético e ecumênico. Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas. Já se fala em um “evangelicalismo popular”, nos moldes do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás. O movimento cresce, mas perde força. E por isso tem de eleger alguns temas que lhe assegurem uma identidade. Nos Estados Unidos, a igreja se apega a três assuntos: aborto, homossexualidade e a influência islâmica no mundo. No Brasil, não é diferente. Existe um conservadorismo extremo nessas áreas, mas um relaxamento em outras. Há aberrações éticas enormes.

CC: O senhor escreveu um artigo intitulado “Deus nos Livre de um Brasil Evangélico”. Por que um pastor evangélico afirma isso?

RG: Porque esse projeto impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico, o que não é de nenhum modo desejável. Seria a talebanização do Brasil. Precisamos da diversidade cultural e religiosa. O movimento evangélico se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República. Isso fica muito claro no projeto da Igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, é o de facilitar a expansão da igreja. E, nesse sentido, o movimento é maquiavélico. Se é para salvar o Brasil da perdição, os fins justificam os meios.

CC: O movimento americano é a grande inspiração para os evangélicos no Brasil?

RG: O movimento brasileiro é filho direto do fundamentalismo norte-americano. Os Estados Unidos exportam seu american way oflife de várias maneiras, e a igreja evangélica é uma das principais. As lideranças daqui leem basicamente os autores norte-americanos e neles buscam toda a sua espiritualidade, teologia e normatização comportamental. A igreja americana é pragmática, gerencial, o que é muito próprio daquela cultura. Funciona como uma agência prestadora de serviços religiosos, de cura, libertação, prosperidade financeira. Em um país como o Brasil, onde quase todos nascem católicos, a igreja evangélica precisa ser extremamente ágil, pragmática e oferecer resultados para se impor. É uma lógica individualista e antiética. Um ensino muito comum nas igrejas é a de que Deus abre portas de emprego para os fiéis. Eu ensino minha comunidade a se desvincular dessa linguagem. Nós nos revoltamos quando ouvimos que algum político abriu uma porta para o apadrinhado. Por que seria diferente com Deus?

CC: O senhor afirma que a igreja evangélica brasileira está em decadência, mas o movimento continua a crescer.

RG: Uma igreja que, para se sustentar, precisa de campanhas cada vez mais mirabolantes, um discurso cada vez mais histriônico e promessas cada vez mais absurdas está em decadência. Se para ter a sua adesão eu preciso apelar a valores cada vez mais primitivos e sensoriais e produzir o medo do mundo mágico, transcendental, então a minha mensagem está fragilizada.

CC: Pode-se dizer o mesmo do movimento norte-americano?

RG: Muitos dizem que sim, apesar dos números. Há um entusiasmo crescente dos mesmos, mas uma rejeição cada vez maior dos que estão de fora. Hoje, nos Estados Unidos, uma pessoa que não tenha sido criada no meio e que tenha um mínimo de senso crítico nunca vai se aproximar dessa igreja, associada ao Bush, à intolerância em todos os sentidos, ao Tea Party, à guerra.

CC: O senhor é a favor da união civil entre homossexuais?

RG: Sou a favor. O Brasil é um país laico. Minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros. Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossensuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou heterossexualidade.

CC: O senhor enfrenta muita oposição de seus pares?

RG: Muita! Fui eleito o herege da vez. Entre outras coisas, porque advogo a tese de que a teologia de um Deus títere, controlador da história, não cabe mais. Pode ter cabido na era medieval, mas não hoje. O Deus em que creio não controla, mas ama. É incompatível a existência de um Deus controlador com a liberdade humana. Se Deus é bom e onipotente, e coisas ruins acontecem, então há algo errado com esse pressuposto. Minha resposta é que Deus não está no controle. A favela, o córrego poluído, a tragédia, a guerra, não têm nada a ver com Deus. Concordo muito com Simone Weil, uma judia convertida ao catolicismo durante a Segunda Guerra Mundial, quando diz que o mundo só é possível pela ausência de Deus. Vivemos como se Deus não existisse, porque só assim nos tornamos cidadãos responsáveis, nos humanizamos, lutamos pela vida, pelo bem. A visão de Deus como um pai todo-poderoso, que vai me proteger, poupar, socorrer e abrir portas é infantilizadora da vida.

CC: Mas os movimentos cristãos foram sempre na direção oposta.

RG: Não necessariamente. Para alguns autores, a decadência do protestantismo na Europa não é, verdadeiramente, uma decadência, mas o cumprimento de seus objetivos: igrejas vazias e cidadãos cada vez mais cidadãos, mais preocupados com a questão dos direitos humanos, do bom trato da vida e do meio ambiente.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-pastor-herege/

Deus ama os gays, mas isso não é o bastante

Título original: Stupidity
por Aline Menezes

A minha fé (ou as minhas crenças) jamais deverá servir de desculpa para incitar a violência contra quaisquer pessoas que assumam práticas sexuais diferentes das minhas. Pela visão de mundo que sempre busco ter, acompanho com frequência o noticiário e o debate sobre os crimes executados contra os homossexuais, consequentemente, sobre os direitos deles. O que vejo: tolos e fariseus discutindo de maneira leviana questões fundamentais para qualquer país que queira ser democraticamente livre.

No ano passado, o jornalista e deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) escreveu uma carta para o Jornal do Brasil em resposta a um colunista que o acusara de “censurar cristãos”. Nas palavras de Leandro Fortes, repórter da revista CartaCapital, o texto do parlamentar era “uma pequena aula de civilidade e história”. Reproduzo aqui apenas um trecho, mas ressalvo que o documento completo merece ser lido:

[...] Sendo a defesa da Dignidade Humana um princípio soberano da Constituição Federal e norte de todo ordenamento jurídico brasileiro, ela deve ser tutelada pelo Estado e servir de limite à liberdade de expressão. Ou seja, o limite da liberdade de expressão de quem quer que seja é a dignidade da pessoa humana do outro. O que fanáticos e fundamentalistas religiosos mais têm feito nos últimos anos é violar a dignidade humana de homossexuais.

Quando li a carta, quis abraçar Jean Wyllys e pedir desculpas a ele pelos imbecis que dizem compartilhar da mesma fé que eu; queria ter pedido desculpas a Jean Wyllys e a todos aqueles que diariamente sofrem ou já foram vítimas de seres homofóbicos, muitos dos quais são agressores que se vestem de terno e gravata e demonstram ares de virilidade, típicos dos machos mais selvagens que a natureza ainda não conseguiu banir da Terra; queria ter pedido desculpas a todos os gays, lésbicas, travestis e tantas outras pessoas identificadas por nomes estigmatizados, utilizados para oprimi-los, violentá-los e tirar deles o direito à vida.

O deputado tem razão: fanáticos e fundamentalistas religiosos têm provocado a disseminação do ódio contra os homossexuais. Além disso, Jean Wyllys comentou que, no Brasil, 200 homossexuais são brutalmente assassinados por ano, segundo estatísticas divulgadas pelo Grupo Gay da Bahia e da Anistia Internacional. (Não apurei dados recentes). De tão comuns, esses crimes nem sempre estampam as capas dos jornais ou das agências de notícias, pois já integram a seção de “cotidiano”. A motivação da brutalidade contra eles: a identidade de gênero.

Numa lúcida entrevista à CartaCapital, também de 2011, o pastor Ricardo Gondim afirmou que é a favor da união civil entre os homossexuais. E mais: “Temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social. A comunidade gay aspira por relacionamentos juridicamente estáveis. A nação tem de considerar essa demanda. E a igreja deve entender que nem todas as relações homossexuais são promíscuas. Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação estreita com a homossexualidade ou heterossexualidade”.

Essa entrevista rendeu a Ricardo Gondim sua “demissão” como colunista de uma das revistas mais importantes do meio evangélico no Brasil, a Ultimato (nome sugestivo). E rendeu também uma série de acusações e violências verbais contra o téologo e escritor brasileiro. Porém, Gondim afirmou no site dele:

[...] Eu podia ser outra pessoa. Estou consciente de meus dons e talentos. Sei que poderia tornar-me famoso e disputado entre os maiorais do movimento evangélico. Mas, não sei explicar, preferi o caminho dos proscritos. E a minha história virou piada; fui arrastado ao charco. Dei uma entrevista à revista Carta Capital (eu daria novamente, sem tirar uma vírgula) e os eventos desandaram. Antigos companheiros passaram a me evitar como um leproso. Reconhecer que homossexuais têm direito era um pecado incontornável. Contudo, prefiro o ódio de fundamentalistas e homofóbicos à falta de paz; quero poder deitar a cabeça no travesseiro com a consciência de que defendi o que é justo.

Sempre que releio essa parte, eu me emociono. Porque sinto que é uma declaração honesta e sincera de alguém que reconhece a essência da expressão “fé cristã” e não se rende à estupidez religiosa, nem muito menos à hipocrisia de semideuses, encastelados em seus púlpitos ou gabinetes fedidos e sujos de excrescências diabólicas. Graças a Deus, e somente a Ele, existem cristãos que pensam diferentemente das declarações equivocadas de Silas Malafaia, por exemplo, e de todos os seus seguidores inocentes ou perversos; mal-informados ou estúpidos.

Aqueles que são incapazes de reconhecer as diferenças, os direitos, as dores e as angústias alheias jamais deveriam ser chamados de cristãos. Primeiramente, porque não o são; em segundo lugar, porque nunca o foram.

*Jornalista, sergipana, residente em Brasília