Lendas dos Judeus #11 (O homem e o mundo)


ADÃO: O homem e o mundo
Com dez frases Deus criou o mundo, embora uma única frase tivesse bastado. Deus queria deixar claro quão severa será a punição aplicada sobre os perversos, que destróem o mundo criado através de até dez frases, e quão agradável a recompensa destinada aos justos, que preservam o mundo através de até dez frases.
O mundo foi feito para o homem, embora tenha sido a última de suas criaturas a chegar. Isso foi proposital, porque o homem deveria encontrar todas as coisas prontas para si. Deus foi o anfitrião que preparou pratos finos, pôs a mesa e em seguida conduziu o convidado ao seu lugar. Ao mesmo tempo, a aparição tardia do homem sobre a terra deve ser vista como uma admoestação à humildade. Que o homem se guarde do orgulho, para não ter de ouvir a provocação de que o pernilongo é mais velho do que ele.
A superioridade do homem sobre as outras criaturas fica evidente no próprio modo da sua criação, completamente diferente do delas. Ele foi o único criado pela mão de Deus: o restante surgiu da palavra de Deus. O corpo do homem é um microcosmo, um mundo completo em miniatura, e o mundo, por sua vez, é um reflexo do homem. O cabelo da cabeça corresponde às florestas da terra, suas lágrimas ao mar, sua boca ao oceano. O mundo, além disso, é semelhante à órbita do olho do homem: o oceano que engloba a terra é como o branco do olho, a terra seca é a íris, Jerusalém a pupila e o Templo a imagem refletida na pupila.
“POR CAUSA DE ISRAEL, CRIAREI O MUNDO”.
Porém o homem é mais do que mera imagem do mundo. Ele alia em si mesmo qualidades do céu e da terra. De quatro ele faz lembrar os anjos, de quatro faz lembrar os animais. Sua capacidade de se expressar, seu intelecto judicioso, sua postura ereta, o fulgor do seu olhar – tudo isso faz dele um anjo. Por outro lado ele come e bebe, expele dejetos do corpo, reproduz-se e morre, como as feras do campo. Foi por isso que Deus disse antes da criação do homem:
– Os seres celestiais não se reproduzem, mas são imortais; os seres da terra se reproduzem, mas morrem. Criarei o homem a fim de unir os dois, de modo a que quando ele pecar, quando comportar-se como animal, a morte o acometerá; mas se abster-se de pecar, viverá para sempre.
Deus convocou todos os seres do céu e da terra para contribuírem na criação do homem, e ele mesmo tomou parte nela. Por essa razão todos esses amam o homem, e se ele viesse a pecar mostrar-se-iam interessados na sua preservação.
O mundo inteiro, naturalmente, foi criado para o homem piedoso, temente a Deus, que Israel produz com a oportuna condução da lei de Deus revelada a ela. Portanto Israel é que foi levado em consideração quando o homem foi feito. Todas as outras criaturas foram instruídas a alterarem sua natureza se em algum momento do curso da história Israel precisasse de ajuda. Ao mar foi ordenado que se dividisse diante de Moisés, e ao céu que desse ouvidos às palavras do líder; o sol e a lua foram instados a pararem sob o comando de Josué, os corvos a alimentarem Elias, o fogo a poupar os três jovens na fornalha, o leão a não causar dano a Daniel, o peixe a cuspir Jonas e o céu a abrir-se para Ezequiel.
Em sua humildade, Deus consultou os anjos, antes da criação do mundo, a respeito de sua intenção de criar o homem. Ele disse:
– Por causa de Israel, criarei o mundo. Farei divisão entre luz e trevas, da mesma forma que no futuro farei por Israel no Egito: densas trevas cobrirão a terra, e os filhos de Israel terão luz em suas habitações; farei separação entre as águas abaixo do firmamento e as águas acima do firmamento, da mesma forma que farei por Israel: dividirei as águas para ele na travessia do Mar Vermelho; no terceiro dia criarei as plantas, e farei da mesma forma por Israel: produzirei para ele o maná no deserto; criarei os grandes luminares para dividirem o dia e a noite, e farei o mesmo por Israel: irei diante dele como uma coluna de nuvem durante o dia e como uma coluna de fogo durante a noite; criarei as aves do céu e os peixes do mar, e farei o mesmo por Israel: trarei para ele codornizes do mar; da mesma forma que soprarei o fôlego da vida nas narinas do homem, farei por Israel: darei a ele a Torá, a árvore da vida.
TODA A CRIAÇÃO FOI CONDICIONAL.
Os anjos maravilharam-se de que tanto amor fosse dispensado ao povo de Israel, e Deus disse a eles:
– No primeiro dia da criação farei o céu e o estenderei; da mesma forma Israel erguerá o Tabernáculo como habitação da minha glória. No segundo dia estabelecerei uma divisão entre as águas da terra e as águas do céu; da mesma forma Israel pendurará no Tabernáculo um véu para separar o lugar Santo do Santo dos Santos. No terceiro dia farei com que a terra produza ervas e vegetação; da mesma forma Israel, em obediência aos meus mandamentos, comerá ervas na primeira noite da Páscoa, e preparará para mim os pães da proposição. No quarto dia farei os luminares; da mesma forma Israel fará para mim o candelabro de ouro. No quinto dia criarei os pássaros; da mesma forma ele moldará [sobre a Arca] os querubins de asas estendidas. No sexto dia criarei o homem; da mesma forma Israel separará um homem dos filhos de Arão para sumo-sacerdote a meu serviço.
Conseqüentemente, toda a criação foi condicional. Deus disse às coisas que fez nos seis primeiros dias:
– Se Israel aceitar a Torá, vocês permanecerão e se perpetuarão; de outro modo farei com que tudo retorne ao caos.
O mundo inteiro viveu portanto em suspense e temor até o dia da revelação do Sinai, quando Israel recebeu e aceitou a Torá, cumprindo assim a condição estabelecida por Deus no momento em que criara o universo.


Lendas dos Judeus é uma compilação de lendas judaicas recolhidas das fontes originais do midrash(particularmente o Talmude) pelo talmudista lituano Louis Ginzberg (1873-1953). Lendas foi publicado em 6 volumes (sendo dois volumes de notas) entre 1909 e 1928.
Tradução: Paulo Brabo

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