Lendas dos Judeus #05 (O terceiro dia)


A CRIAÇÃO: O terceiro dia
Até esta altura a terra era plana e totalmente coberta de água. Mal haviam se ouvido as palavras de Deus: “Ajuntem-se as águas”, e surgiram as montanhas e colinas, e a água acumulou-se em bacias profundas. Mas a água era rebelde e recusava-se a ocupar os lugares mais baixos, e ameaçou inundar a terra, até que Deus forçou-a de volta ao mar e circundou o mar de areia. Agora, sempre que a água sente-se tentada a transgredir ela contempla a areia e recolhe-se. As águas estavam apenas imitando seu chefe Rahabe, o Anjo do Mar, que rebelou-se contra a criação do mundo. Deus havia ordenado a Rahabe que assumisse também a água. Ele recusou-se, dizendo: “Já tenho o que basta”. A punição pela sua desobediência foi a morte. Seu cadáver jaz nas profundezas do oceano, e a água dispersa o mau cheiro que emana dele.
AGORA, SEMPRE QUE A ÁGUA SENTE-SE TENTADA A TRANSGREDIR ELA CONTEMPLA A AREIA E RECOLHE-SE.
A principal criação do terceiro dia foi o reino das plantas, tanto as plantas terrestres quanto as do Paraíso. Primeiro foram feitos os cedros do Líbano e as outras grandes árvores. Em seu orgulho por terem sido colocadas em primeiro lugar, elas projetaram-se alto ar acima, considerando-se as mais privilegiadas das plantas. Então Deus disse:
– Eu abomino a arrogância e o orgulho, porque apenas eu sou exaltado, e ninguém mais.
Ele então criou no mesmo dia o ferro, substância pela qual as árvores caíam. As árvores começaram a chorar, e quando Deus perguntou a razão das suas lágrimas elas disseram:
– Choramos porque criaste o ferro a fim de nos derrubar com ele. O tempo todo nos havíamos crido as mais elevadas da terra, e agora o ferro, nosso destruidor, foi chamado à existência.
Deus respondeu:
– Vocês mesmas proverão um cabo ao machado. Sem a sua assistência o ferro não será capaz de fazer coisa alguma contra vocês.
A ordem de gerar semente segundo a sua espécie foi dada apenas às árvores. Mas as diversas espécies de erva rasteira pensaram consigo mesmas que se Deus não tivesse desejado divisões segundo as espécies não teria instruído as árvores a darem fruto segundo a sua espécie, cuja semente estivesse nele – especialmente já que as árvores estavam inclinadas por sua própria iniciativa a se dividirem em espécies. Por essa razão as ervas rasteiras também se reproduziram segundo as suas espécies. Isso ocasionou uma exclamação do Príncipe do Mundo: “Dure para sempre a glória do Senhor; regozije-se o Senhor nas suas obras”.
A obra mais importante realizada no terceiro dia foi a criação do Paraíso. Dois portões de carbúnculo formam a entrada do Paraíso, e seis miríades de anjos ministrantes o guardam. Cada um desses anjos brilha com o esplendor do céu. Quando o justo aparece diante dos portões, as roupas com que foi enterrado são tiradas dele, e os anjos o vestem com sete vestimentas de nuvens de glória, colocam sobre sua cabeça duas coroas, uma de pedras preciosas e pérolas, a outra de ouro de Parvaim, depositam oito murtas na sua mão, e proferem louvores diante dele e dizem: “Siga seu caminho, e coma o seu pão com alegria”. Em seguida eles o conduzem a um lugar repleto de rios, cercado por oitocentas espécies de rosas e murtas. Cada [justo] tem um dossel segundo seus méritos, e sob ele fluem quatro rios, um de leite, o outro de bálsamo, o terceiro de vinho e o quarto de mel. Cada dossel é coberto de uma vinha de ouro, e dela pendem trinta pérolas, cada uma brilhante como Vênus. Sob cada dossel há uma mesa de pedras preciosas e pérolas, e sessenta anjos postam-se junto de cada homem justo, dizendo a ele: “Vá e coma com alegria o mel, porque você ocupou-se com a Torá, que é mais doce do que o mel, e beba o vinho reservado na uva desde os seis dias da criação, pois você se ocupou da Torá, que é comparável ao vinho”.
DEUS ASSENTA-SE NO MEIO DELES E EXPÕE-LHES A TORÁ.
O menos belo dos justos é bonito como José e o Rabi Johanan, como os grãos de uma romã de prata sobre a qual descem os raios do sol. Não há luz, pois “a luz dos justos brilha intensamente”. Eles experimentam quatro transformações por dia, passando por quatro estágios. No primeiro o justo é transformado em criança. Ele entra na divisão das crianças, e desfruta das alegrias da infância. Ele é então transformado num jovem, e entra na divisão dos jovens, com os quais ele desfruta dos deleites da juventude. Ele em seguida transforma-se em adulto, no auge do vigor, e adentra a divisão dos homens, e experimenta os prazeres da idade adulta. Finalmente ele é transformado em velho. Ele entra na divisão dos velhos, e desfruta dos prazeres da velhice.
Há oitenta miríades de árvores em cada canto do Paraíso, sendo a mais inferior delas mais excelente do que todas as árvores de especiaria. Em cada canto há sessenta miríades de anjos cantando com vozes melodiosas, e a árvore da vida ergue-se no meio e dá sombra a todo o Paraíso. Ela tem quinze mil sabores, cada um distinto do outro, e os perfumes variam da mesma forma. Sobre ela pendem sete nuvens de glória, e ventos sopram sobre ela dos quatro lados, de modo que seu aroma é bafejado de uma ponta do mundo à outra. Sob ela assentam-se os eruditos e explicam a Torá. Sobre cada um deles estendem-se dois dosséis, um de estrelas, o outro de sol e lua, e uma cortina de nuvens de glória separa um dossel do outro.
Além do Paraíso começa o Éden, contendo trezentos e dez mundos e sete compartimentos para sete diferentes classes de piedosos. No primeiro estão os “mártires vítimas do governo” como Rabi Akiba e seus companheiros; no segundo estão os que foram afogados; no terceiro Rabi Johanan ben Zakkai e seus discípulos; no quarto aqueles que foram arrebatados na nuvem de glória; no quinto os penitentes, que ocupam um lugar que mesmo um homem perfeitamente piedoso não pode obter; no sexto estão os jovens que não experimentaram o pecado em suas vidas; no sétimo estão os pobres que estudaram a Bíblia e a Mishnah, e conduziram uma vida de decência auto-respeitosa. E Deus assenta-se no meio deles e expõe-lhes a Torá.
Quanto às sete divisões do Paraíso, cada uma tem doze miríades de milhas de largura e doze miríades de milhas de extensão. Na primeira divisão habitam os prosélitos que abraçaram o judaísmo por sua próprio arbítrio, não por pressão. As paredes são de vidro e os lambris de cedro. O profeta Obadias, ele mesmo um prosélito, é o supervisor dessa primeira divisão. A segunda divisão é construída de prata, e seus lambris são de cedro. Aqui vivem os que se arrependeram, e Manassés, o filho penitente de Ezequias, preside sobre eles. A terceira divisão é construída de ouro e prata. Aqui habitam Abraão, Isaque e Jacó, todos os israelitas que saíram do Egito e toda a geração que viveu no deserto. Também Davi está ali, junto com todos os seus filhos exceto Absalão, sendo que um deles, Quileabe, ainda vivo. E todos os reis de Judá estão ali, com exceção de Manassés, filho de Ezequias, que preside sobre a segunda divisão, a dos penitentes. Moisés e Arão presidem sobre a terceira divisão. Aqui há preciosos vasos de ouro e prata e jóias e dosséis e camas e tronos e lâmpadas, de ouro, de pedras preciosas e de pérolas, o melhor de tudo que há no céu. A quarta divisão é construída de belíssimos rubis, e seus lambris são de madeira de oliva. Aqui habitam os perfeitos e constantes na fé, e os lambris são de oliveira porque suas vidas foram para eles amargas como azeitonas.
ELIAS TOMA A CABEÇA DO MESSIAS, COLOCA-A NO COLO E DIZ: “AQUIETE-SE, PORQUE O FIM ESTÁ PRÓXIMO”.
A quinta divisão é construída de prata, ouro e ouro refinado, e do ouro mais puro e bdélio, e no meio dela passa o rio Gion. Seus lambris são de prata e ouro, e exala dele um perfume mais requintado do que o perfume do Líbano. As colchas das camas de prata e de ouro são feitas de púrpura e azul, tecidas por Eva, e de escarlata e pelo de bode, tecido por anjos. Aqui habita o Messias num palanquim feito de cedro do Líbano, “senso seus pilares de prata, o fundo de ouro, o assento de púrpura”. Com ele está Elias. Ele toma a cabeça do Messias, coloca-a no colo e diz: “Aquiete-se, porque o fim está próximo”. Em todas as segundas-feiras e quintas e sábados e dias santos os patriarcas vem até ele, bem como os doze filhos de Jacó, e Moisés, Arão, Davi e Salomão, e todos os reis de Israel e de Judá, e choram com ele e confortam-no, e dizem a ele: “Aquiete-se e coloque sua confiança no Criador, pois o fim está próximo”. Também Corá e seu grupo, e Datã e Abiram e Absalão vêm até ele toda quarta-feira e perguntam: “Quanto falta até que o fim venha cheio de maravilhas? Quando nos trarás novamente à vida, e dos abismos da terra nos alçarás?” O Messias lhes responde: “Vão até seus pais e perguntem a eles”. Quando ouvem isso eles ficam com vergonha e não vão perguntar aos seus pais.
Na sexta divisão habitam os que morreram realizando algum ato piedoso, e na sétima divisão os que morreram de uma enfermidade infligida como expiação pelos pecados de Israel.


Lendas dos Judeus é uma compilação de lendas judaicas recolhidas das fontes originais do midrash(particularmente o Talmude) pelo talmudista lituano Louis Ginzberg (1873-1953). Lendas foi publicado em 6 volumes (sendo dois volumes de notas) entre 1909 e 1928.
Tradução: Paulo Brabo

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