A CRIAÇÃO: O terceiro dia
Até esta altura a terra era plana e totalmente coberta de água. Mal haviam se ouvido as palavras de Deus: “Ajuntem-se as águas”, e surgiram as montanhas e colinas, e a água acumulou-se em bacias profundas. Mas a água era rebelde e recusava-se a ocupar os lugares mais baixos, e ameaçou inundar a terra, até que Deus forçou-a de volta ao mar e circundou o mar de areia. Agora, sempre que a água sente-se tentada a transgredir ela contempla a areia e recolhe-se. As águas estavam apenas imitando seu chefe Rahabe, o Anjo do Mar, que rebelou-se contra a criação do mundo. Deus havia ordenado a Rahabe que assumisse também a água. Ele recusou-se, dizendo: “Já tenho o que basta”. A punição pela sua desobediência foi a morte. Seu cadáver jaz nas profundezas do oceano, e a água dispersa o mau cheiro que emana dele.
AGORA, SEMPRE QUE A ÁGUA SENTE-SE TENTADA A TRANSGREDIR ELA CONTEMPLA A AREIA E RECOLHE-SE.
A principal criação do terceiro dia foi o reino das plantas, tanto as plantas terrestres quanto as do Paraíso. Primeiro foram feitos os cedros do Líbano e as outras grandes árvores. Em seu orgulho por terem sido colocadas em primeiro lugar, elas projetaram-se alto ar acima, considerando-se as mais privilegiadas das plantas. Então Deus disse:
– Eu abomino a arrogância e o orgulho, porque apenas eu sou exaltado, e ninguém mais.
Ele então criou no mesmo dia o ferro, substância pela qual as árvores caíam. As árvores começaram a chorar, e quando Deus perguntou a razão das suas lágrimas elas disseram:
– Choramos porque criaste o ferro a fim de nos derrubar com ele. O tempo todo nos havíamos crido as mais elevadas da terra, e agora o ferro, nosso destruidor, foi chamado à existência.
Deus respondeu:
– Vocês mesmas proverão um cabo ao machado. Sem a sua assistência o ferro não será capaz de fazer coisa alguma contra vocês.

A obra mais importante realizada no terceiro dia foi a criação do Paraíso. Dois portões de carbúnculo formam a entrada do Paraíso, e seis miríades de anjos ministrantes o guardam. Cada um desses anjos brilha com o esplendor do céu. Quando o justo aparece diante dos portões, as roupas com que foi enterrado são tiradas dele, e os anjos o vestem com sete vestimentas de nuvens de glória, colocam sobre sua cabeça duas coroas, uma de pedras preciosas e pérolas, a outra de ouro de Parvaim, depositam oito murtas na sua mão, e proferem louvores diante dele e dizem: “Siga seu caminho, e coma o seu pão com alegria”. Em seguida eles o conduzem a um lugar repleto de rios, cercado por oitocentas espécies de rosas e murtas. Cada [justo] tem um dossel segundo seus méritos, e sob ele fluem quatro rios, um de leite, o outro de bálsamo, o terceiro de vinho e o quarto de mel. Cada dossel é coberto de uma vinha de ouro, e dela pendem trinta pérolas, cada uma brilhante como Vênus. Sob cada dossel há uma mesa de pedras preciosas e pérolas, e sessenta anjos postam-se junto de cada homem justo, dizendo a ele: “Vá e coma com alegria o mel, porque você ocupou-se com a Torá, que é mais doce do que o mel, e beba o vinho reservado na uva desde os seis dias da criação, pois você se ocupou da Torá, que é comparável ao vinho”.
DEUS ASSENTA-SE NO MEIO DELES E EXPÕE-LHES A TORÁ.
O menos belo dos justos é bonito como José e o Rabi Johanan, como os grãos de uma romã de prata sobre a qual descem os raios do sol. Não há luz, pois “a luz dos justos brilha intensamente”. Eles experimentam quatro transformações por dia, passando por quatro estágios. No primeiro o justo é transformado em criança. Ele entra na divisão das crianças, e desfruta das alegrias da infância. Ele é então transformado num jovem, e entra na divisão dos jovens, com os quais ele desfruta dos deleites da juventude. Ele em seguida transforma-se em adulto, no auge do vigor, e adentra a divisão dos homens, e experimenta os prazeres da idade adulta. Finalmente ele é transformado em velho. Ele entra na divisão dos velhos, e desfruta dos prazeres da velhice.
Há oitenta miríades de árvores em cada canto do Paraíso, sendo a mais inferior delas mais excelente do que todas as árvores de especiaria. Em cada canto há sessenta miríades de anjos cantando com vozes melodiosas, e a árvore da vida ergue-se no meio e dá sombra a todo o Paraíso. Ela tem quinze mil sabores, cada um distinto do outro, e os perfumes variam da mesma forma. Sobre ela pendem sete nuvens de glória, e ventos sopram sobre ela dos quatro lados, de modo que seu aroma é bafejado de uma ponta do mundo à outra. Sob ela assentam-se os eruditos e explicam a Torá. Sobre cada um deles estendem-se dois dosséis, um de estrelas, o outro de sol e lua, e uma cortina de nuvens de glória separa um dossel do outro.
Além do Paraíso começa o Éden, contendo trezentos e dez mundos e sete compartimentos para sete diferentes classes de piedosos. No primeiro estão os “mártires vítimas do governo” como Rabi Akiba e seus companheiros; no segundo estão os que foram afogados; no terceiro Rabi Johanan ben Zakkai e seus discípulos; no quarto aqueles que foram arrebatados na nuvem de glória; no quinto os penitentes, que ocupam um lugar que mesmo um homem perfeitamente piedoso não pode obter; no sexto estão os jovens que não experimentaram o pecado em suas vidas; no sétimo estão os pobres que estudaram a Bíblia e a Mishnah, e conduziram uma vida de decência auto-respeitosa. E Deus assenta-se no meio deles e expõe-lhes a Torá.
Quanto às sete divisões do Paraíso, cada uma tem doze miríades de milhas de largura e doze miríades de milhas de extensão. Na primeira divisão habitam os prosélitos que abraçaram o judaísmo por sua próprio arbítrio, não por pressão. As paredes são de vidro e os lambris de cedro. O profeta Obadias, ele mesmo um prosélito, é o supervisor dessa primeira divisão. A segunda divisão é construída de prata, e seus lambris são de cedro. Aqui vivem os que se arrependeram, e Manassés, o filho penitente de Ezequias, preside sobre eles. A terceira divisão é construída de ouro e prata. Aqui habitam Abraão, Isaque e Jacó, todos os israelitas que saíram do Egito e toda a geração que viveu no deserto. Também Davi está ali, junto com todos os seus filhos exceto Absalão, sendo que um deles, Quileabe, ainda vivo. E todos os reis de Judá estão ali, com exceção de Manassés, filho de Ezequias, que preside sobre a segunda divisão, a dos penitentes. Moisés e Arão presidem sobre a terceira divisão. Aqui há preciosos vasos de ouro e prata e jóias e dosséis e camas e tronos e lâmpadas, de ouro, de pedras preciosas e de pérolas, o melhor de tudo que há no céu. A quarta divisão é construída de belíssimos rubis, e seus lambris são de madeira de oliva. Aqui habitam os perfeitos e constantes na fé, e os lambris são de oliveira porque suas vidas foram para eles amargas como azeitonas.
ELIAS TOMA A CABEÇA DO MESSIAS, COLOCA-A NO COLO E DIZ: “AQUIETE-SE, PORQUE O FIM ESTÁ PRÓXIMO”.
A quinta divisão é construída de prata, ouro e ouro refinado, e do ouro mais puro e bdélio, e no meio dela passa o rio Gion. Seus lambris são de prata e ouro, e exala dele um perfume mais requintado do que o perfume do Líbano. As colchas das camas de prata e de ouro são feitas de púrpura e azul, tecidas por Eva, e de escarlata e pelo de bode, tecido por anjos. Aqui habita o Messias num palanquim feito de cedro do Líbano, “senso seus pilares de prata, o fundo de ouro, o assento de púrpura”. Com ele está Elias. Ele toma a cabeça do Messias, coloca-a no colo e diz: “Aquiete-se, porque o fim está próximo”. Em todas as segundas-feiras e quintas e sábados e dias santos os patriarcas vem até ele, bem como os doze filhos de Jacó, e Moisés, Arão, Davi e Salomão, e todos os reis de Israel e de Judá, e choram com ele e confortam-no, e dizem a ele: “Aquiete-se e coloque sua confiança no Criador, pois o fim está próximo”. Também Corá e seu grupo, e Datã e Abiram e Absalão vêm até ele toda quarta-feira e perguntam: “Quanto falta até que o fim venha cheio de maravilhas? Quando nos trarás novamente à vida, e dos abismos da terra nos alçarás?” O Messias lhes responde: “Vão até seus pais e perguntem a eles”. Quando ouvem isso eles ficam com vergonha e não vão perguntar aos seus pais.
Na sexta divisão habitam os que morreram realizando algum ato piedoso, e na sétima divisão os que morreram de uma enfermidade infligida como expiação pelos pecados de Israel.
Lendas dos Judeus é uma compilação de lendas judaicas recolhidas das fontes originais do midrash(particularmente o Talmude) pelo talmudista lituano Louis Ginzberg (1873-1953). Lendas foi publicado em 6 volumes (sendo dois volumes de notas) entre 1909 e 1928.
Tradução: Paulo Brabo
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