Não eram as horas

Quinze horas e dois minutos. Oito minutos esperando o ônibus. E nada. Uma garota atravessa a rua driblando o trânsito. Chega na parada. Ajeita a bolsa no ombro direito. Estou sentado. Desenhando ou escrevendo em meu bloquinho. Ela se aproxima de mim. Fica em pé do meu lado evitando o sol e aproveitando a sombra. Estou de mau humor. Não ofereço o lugar pra ela sentar. Percebo que ela está olhando para o que escrevo ou desenho. Paro de rabiscar. Levanto a cabeça e olho se o ônibus vem vindo. E nada. Ela tira o olhar como se não quisesse ser pega curiando meus desenhos ou escritos. Olho pra ela sem disfarçar. Ela olha pra mim. Baixo a cabeça e continuo a escrever ou desenhar. Dessa vez escrevo “Beautiful girl at bus stop. Write about it later” torcendo para que ela não entenda. Deveria estar fazendo alemão. Penso. 

Lá vem o ônibus. Levanto. Arrasto minha mochila. Estendo a mão direita segurando o bloquinho de desenhos ou anotações. O ônibus para pra mim. Caminho até a porta dianteira. Olho para trás e a garota está mais perto do que antes. Ela vai comigo. Subo as escadas. Pago a tarifa. Recebo oitenta centavos de troco. Passo a catraca. Procuro um lugar pra sentar mas não acho assento vago. Me encosto na barra de ferro próxima ao assento preferencial. E lá vem ela. Fica em pé atrás de mim. Não tem mais ninguém pra subir. O ônibus sai. Na próxima parada sobe muita gente. O espaço se encurta e nossos corpos ficam mais próximos. Olhou pra mim. Disfarcei. Olhei depois. Ela virou o rosto. Nos olhamos pelo reflexo da janela. Tirei o celular do bolso para ver as horas. Ela perguntou se eu poderia emprestá-lo por um segundo. Era algo importante e devolveria logo. Receoso, emprestei. Ela agradeceu. Olhou pra ele. Não olhei. Me devolveu e agradeceu novamente. Guardei o aparelho no bolso. O ônibus parou. Quatro pessoas desceram. Umas oito subiram. E cada vez ficava mais apertado. E nós, próximos. Ficamos tão próximos que consegui sentir o cheiro do seu cabelo. Um cheiro neutro. Não fedia mas não cheirava a cosméticos. Neutro. Mas bom. Olhei para baixo e vi que ela estava usando um tênis branco. Daqueles que as garotas costumam usar pra jogar handball. Pelo tamanho e estilo do short que ela estava usando, era isso que ela estava treinando. Ou estava indo ao treino. Olhei para a janela e vi que ela estava me observando pelo reflexo. Fiquei com vergonha. Mas encarei. Analisei a cena e sorri. Achei motivo pra rir no nosso comportamento. Olhou pra mim. Disfarcei. Olhei depois. Nos olhamos pelo reflexo da janela. Vou descer na próxima. Ela sorriu. Baixei a cabeça. Sorri. Sai. 

Desci do ônibus. Ajeitei minha mochila nas costas. Saí pela calçada no sentido de quem vai para a dianteira do ônibus sem olhar pra ela. Algumas pessoas passaram correndo por mim para não perder a vez. E continuei. O ônibus saiu e passou por mim. Olhei para dentro. Ela estava olhando pra mim. E sorriu. Uma leve contração nos lábios. Um sorriso tímido, infantil e doce. Acenei com a cabeça. E ela se foi. Tirei o celular do bolso para ver as horas mais uma vez. Quando desbloqueei a tela, vi uma sequencia de números. Mas não eram as horas.

Eliab Alves Pereira

7 comentários:

  1. Maturidade na escrita e inocência no conteúdo, no encontro, na forma de desarmar o mau humor, na forma de dar o número de contato. Muito bem, continue assim.

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  2. Nossa, que coisa mais linda *-*
    Amei, me encantei, me apaixonei por esse texto!!!

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  3. Muito massa cara, final inesperado. Qdo a história parecia contada veio a surpresa.. parabéns!

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  4. Depois... o coito foi consumado?

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  5. O que não se escreve no conto, não se escreve nos comentários também! ^^ #Segredo

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  6. Consumado o coito foi u.u uhauhau ... um ônibus, um coito, dois corpos xD

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  7. Já dei o título... o q tá espera pra contar sobre o coito? Curioso pra saber se foi tbm num ônibus \°/

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