Meus pequeninos irmãos


Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; 


Tive vários momentos de introspecção essa semana. Não necessariamente sobre um determinado tema, mas vez por outra me peguei com a cabeça longe. Tive a oportunidade de observar coisas que são rotineiras para algumas pessoas mas que, para nós, vivendo em outro contexto, são coisas fáceis de esquecer e são até mesmo situações que nem sequer nos dão a percepção de que existem, que são coisas de filmes e só.

Assisti a um filme chamado "Guerra ao terror" que relata a vida de soldados enviados ao Iraque para combater o terrorismo. O filme se passa entre um grupo de soldados responsáveis por resolver problemas com explosivos. Um Grupo anti-bombas. A forma de retratar o comportamento deles e a condição humana em situações desse tipo é bem interessante. O relacionamento que os militares desenvolvem com a população, os contratempos, os momentos de crises onde as cabeças não tomam o mesmo caminho, e o que acontece quando o estresse assume o controle, são pontos importantes do filme. A pressão da guerra os leva a desarmar muitos objetos explosivos, mas eles não conseguem ajuda nem enxergam opções para evitar que seus problemas desencadeiem uma reação que resultará na explosão de um ou de outro durante uma brincadeira, que não foi bem-vinda em algum determinado momento. Um soldado guarda em baixo de sua cama os dispositivos que ele já conseguiu desarmar em suas missões. Esse soldado precisou abrir o corpo de um jovem iraquiano que foi morto por terroristas. A cena é forte. Os terroristas armaram explosivos dentro do corpo do garoto assassinado. O soldado precisa abrir todo o tórax do garoto para poder chegar até os circuitos e interromper a transmissão antes que as bombas detonem. Suas mãos tremem enquanto procuram espaço entre as entranhas do jovem até encontrarem os fios. O soldado chora enquanto precisa tirar um ou dois órgãos do rapaz iraquiano para ter espaço para trabalhar.

Ao assistir ao filme "Órfãos de Guerra", fiquei extremamente tocado pela ideia do filme e pela forma que ele representa a vida de crianças que perderam os pais durante a guerra. George Hoog, um jornalista inglês, viaja para a China com o intuito de cobrir os acontecimentos da guerra. Ao testemunhar as atrocidades cometidas por tropas japonesas, pelas quais quase foi executado, é salvo por um guerrilheiro chinês e encaminhado a um refugio numa antiga escola que abriga crianças órfãs. Ao chegar lá George se depara com muitas crianças sujas, doentes, traumatizadas e com fome. O lugar não tem energia elétrica, água ou remédios. O filme mostra como o jornalista inglês e uma corajosa enfermeira australiana, que já cuidava dos órfãos, conseguem reverter essa situação e levar todas as crianças a pé até uma cidade que fica a 800km de distância. A história é baseada em fatos reais e é uma excelente lição de solidariedade, compromisso, perseverança, valores e necessidades humanas.

Além desses filmes, tive a companhia de outros como "Fomos heróis" com Mel Gibson; "Olga", um filme brasileiro inspirado na biografia escrita por Fernando Morais sobre a alemã, judia e comunista Olga Benário Prestes; "A guerrilha", mostrando todo o poder dos ideais de Che Guevara; e "A conspiração", que tenta derrubar uma candidata a vice-presidência dos EUA; que são filmes que retratam pontos de conflito nos seres humanos, questões que levam as pessoas ao extremo, situações que normalmente o mais fácil seria jogar a toalha.

Talvez a influência desses filmes tenham me levado a meditar sobre as condições extremas em que podem se encontrar algumas pessoas. O livro que estou lendo "Pra que serve Deus" de Philip Yancey traz dez ocasiões em que as pessoas precisavam de nada mais do que a Graça divina manifestada por seus semelhantes mais próximos para tirá-las de determinada situação. 

Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. 


Tudo isso me fez pensar: enquanto estou escrevendo esse artigo, oito mil prisioneiros estão sendo forçados a ocupar o espaço projetado para quatro mil na Prisão Pollsmoor, perto da Cidade do Cabo. Onde os detentos usam retalhos de espuma sobre o chão para dormir e um único vaso sanitário serve para cinquenta homens que ocupam uma cela menor que meu quarto. Os prisioneiros só têm uma hora fora da cela para fazer exercícios no pátio e depois têm de voltar para suas 23 horas de celas úmidas, pequenas, sujas e sem nenhum contato com o exterior. Enquanto você lê esse texto, provavelmente, milhares de pessoas estão sendo levadas a condições que chegam a ser desumanas. Enquanto dormimos, milhões de pessoas estão em alguma calçada usando papelão como cama. Todo dia quando saio da universidade, encontro uma mulher sentada numa pedra, olhando para qualquer lugar que não sejam os olhos de outra pessoa. Outro dia, ou melhor, outra noite, enquanto estava voltado do cinema, eu a vi em uma esquina perto de minha casa com roupas curtas, passando maquiagem e, provavelmente, esperando seu primeiro ou próximo cliente que paga por sexo numa noite em que se encontra necessitado de um objeto para despejar seus desejos sexuais.

Esses homens que têm transtornadoo mundo todo chegaram aqui.(...) e afirmam que existe um outro rei, Yeshua.
Atos 17:6e7

Outro dia eu estava pagando minha conta depois de comer alguns cachorros-quentes quando olhei para uma das mesas que ficam na calçada e vi um homem de mais ou menos um metro e noventa de altura, muito magro, usando um monte de panos em forma de fralda para cobrir sua nudez. Ele estava agachado ao lado da lixeira que fica em cada mesa da lanchonete procurando algum resto de comida que alguém jogou fora. Talvez aquela fosse a janta dele.

Philip Yancey conta que conheceu "uma menina de treze anos que vendeu sua virgindade a um homem em troca de uma refeição no McDonald's". Também conheceu "outra de catorze anos que afirmava fazer sexo sempre que pudesse porque isso a ajudaria a pegar AIDS e assim logo estaria morta."

John Thomas, pastor batista da cidade de Fish Hoek, conta a Yancey que "é possível que uma mãe faça sexo com cinco ou seis homens diferentes num esquema normal. O contato da segunda-feira paga a escola das crianças, o da terça paga as contas da casa, o da quarta paga a quitanda e assim por diante."

Situações desse tipo nos levam a vários debates, reflexões, nos deixam constrangidos, nos fazem sentir pena de quem sofre com isso, mas não sei porque situações desse tipo não nos levam a ajudar essas pessoas. Eu sei que muita gente faz algo pra mudar esse quadro, mas quantas pessoas têm conhecimento de coisas assim e não fazem absolutamente nada para intervir?
Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
Eu acredito que quando Cristo disse "Ide e pregai o evangelho" ele estava falando sobre pregar a Graça, pregar o amor a quem precisa, ele estava  enviando pessoas para que cuidassem de outras pessoas, ele estava dando a missão de ir, conhecer, se relacionar e dar uma opção, uma alternativa de uma vida de tranquilidade, paz, comunhão, afetividade, carinho, importância, cuidado. Acredito que pregar o evangelho é pregar a Graça de Deus. E não se pode pregar a Graça com um discurso. É impossível! A Graça se prega como Cristo pregou, na prática. No estender da mão, no toque nos olhos, no chamar pelo nome. Não há como pregar o evangelho sem conviver, sem se relacionar. Quanto tempo Paulo ficava nas comunidades para pregar o evangelho? E vez por outra o vemos se auto cobrando por estar devendo uma visita a uma igreja ou a outra. As cartas não resolveriam nada. De que adianta ler o que ele escrevia se ele não tinha como demonstrar aquilo ao pessoal? As pessoas nunca iriam entender. Cada um iria ler e absorver o que quisesse. O evangelho é prático, não teórico!
E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
O meu objetivo com esse artigo é chamar a nossa atenção para coisas que, vez por outra, passa despercebido por nossas preocupações. Há um mundo cheio de problemas, gritando por socorro, clamando por um amigo, alguém que demonstre interesse, compaixão e Graça por causas perdidas (como diz a música Dom Quixote de Engenheiros do Hawaii). Enquanto dormimos, milhares de mulheres vendem o corpo para conseguir sustento. Enquanto comemos, milhares de pessoas morrem de fome sem nunca terem sido apresentadas a um prato de comida com mais de duas opções de alimento. Enquanto estamos ensaiando para a banda da igreja, milhares de pessoas estão correndo para lugares onde o conhecimento de Deus se torna cada vez mais escasso. Nesse momento, provavelmente, existe um soldado em algum lugar cumprindo sua missão. Mais tarde ele poderá estar chorando ao pensar em coisas que ele fez. Em algum lugar do mundo há crianças que perderam os pais e seguem caminhos corrompidos por falta de instrução. E o que estamos fazendo? Cantando? Lendo artigos na internet? Assistindo a vídeos, pregações, debates? Essas coisas são importantes para nosso crescimento, mas quando é que vai chegar a vez de irmos? Quando vamos largar os microfones para segurar na mão do perdido? Quando trocaremos lição de moral por palavras de conforto? Quando soltaremos as pedras para abraçar? Quando sairemos da cadeira confortável ou do cargo respeitável e iremos para as calçadas falar da Salvação pela Graça? Falar com nossas atitudes, não com nossos sermões. Como disse São Francisco de Assis, Pregue o evangelho e, se possível, use palavras.
E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
Eu quero que você pense nas pessoas que estão em outra realidade da sua. Quando você terminar de ler esse artigo, pessoas continuarão presas em celas, mentes, vícios. Você pode gostar desse post e dizer que tudo isso é verdade, mas e as pessoas que não conhecem essa suposta verdade? Você pode deixar vários comentários dando sua opinião, mas quando é que você vai dizer coisas a pessoas que realmente precisam? Uma mão estendida vale muito mais do que um sermão vazio de atitudes.

Só para e imagina, imagina um detento em uma cela minúscula, sem conforto algum, apenas remorso, ódio, tristeza, culpa. Imagina alguém nesse momento chorando no canto da parede do quarto porque não consegue perdoar quem a tratou mal. Imagina quantas garotas estão se vendendo nesse momento em busca de algo que nunca chega. Tente ver a imagem de pessoas que estão no fundo do poço nesse exato momento. Elas precisam de Deus, elas precisam de você, elas precisam ver Deus em você. Imaginou? Agora vá. Vamos! 

E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.



Abraço,
Eliab Alves Pereira 

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