Deus é burro?

Deus é burro? Essa dúvida me surgiu durante algumas conversas e observações. Vi o receio que há quando colocamos Deus próximo da razão, ou conhecimento. Uma vez disse que pretendo cursar Filosofia se ocorrer tudo como planejado. Uma amiga comentou: "Conheço uma menina que cursou Sociologia e hoje ela é ateia. Ela era da igreja - uma benção - mas acabou abandonando a fé por causa do que ensinaram lá na universidade." Recentemente, na nossa série de encontros sobre Perdão, no último dia, que discutimos como tema "Perdoar Deus", em um momento da conversa um amigo levantou-se com argumento ateístas defendendo a ideia de que Deus não é necessário para que o homem tenha necessidade de Ser. E nós instigamos esse pensamento para podermos refletir no que ele disse. Resolvi amenizar a situação quando percebi a expressão em alguns rostos do tipo: "O que eles estão dizendo?". Outro dia, ouvi um cara falando num palco que pessoas que buscam conhecimento demais se afastam de Deus. Já fui censurado (não sei porque estou usando o verbo no passado), eu SOU censurado frequentemente porque leio muito e "por causa disso, tudo que falo é influência do que leio, não de Deus". Outra situação interessante foi quando uma pessoa disse o seguinte sobre os físicos do programa "O universo" que é apresentado no History Channel: "E eles ainda não acreditam em Deus!" Eu quero comentar sobre essa última situação. Quando a pessoa fez esse comentário, não estávamos discutindo a crença dos físicos, mas eu quero que você perceba que esse comentário foi jogado sem sentido algum na conversa de forma que já foi julgando os caras como incrédulos. Foi algo do tipo: "Pelo nível de conhecimento deles, já posso dizer que eles não crêem em Deus!

A dúvida e o questionamento nunca foram bem vistos pelos representantes do "Reino". A história está cheia de exemplos de pessoas que foram ameaçadas de morte para que mudassem sua forma de falar, pensar ou agir, justamente porque seus pensamentos iam de encontro ao conhecimento monopolizado pela igreja na época. Veja o exemplo de Baruch Spinoza (O apóstolo da razão), que foi perseguido por causa de seus pensamentos baseados na razão ao invés da superstição, superstição essa que usava o medo para segurar seus devotos. Como ele mesmo disse a um antigo amigo que cedeu às crenças da igreja: “Raciocine, seu tolo! Foi levado a se devotar a essa igreja não por seu amor a Deus, mas pelo medo do inferno!” Vejamos o caso de Charles Darwin! Sua doença era vista pelos religiosos da época como um castigo divino por causa de sua Teoria da Origem das Espécies. A inquisição fez Galileu Galilei repudiar seu trabalho sobre o movimento da Terra ao redor do Sol porque contradizia o que Josué escreveu na bíblia ao dizer que o sol parou de girar ao redor da terra quando ele orou (Josué era soldado, não astrônomo).


Hoje não vemos mais fogueiras de pagão, caçada aos pensadores ou esquartejo de caras que saíram da caixinha. Mas é perceptível o clima, o desprezo e a inquietação que ocorre sempre que alguém diz o que pensa e o que pensa é diferente do normal. Recentemente nós podemos pegar como exemplo o Ricardo Gondim, que foi caluniado e perseguido por causa de suas ideias. Exemplos e mais exemplos podem ser citados aqui, tanto do passado quanto do presente. E a pergunta que fica no ar: Deus é burro? 


Pergunto no sentido de questionar o motivo de tanto medo da dúvida, tanto medo das ideias contrárias, tanto medo do que não está escrito na bíblia. Será que Deus é tão pequeno a ponto de caber apenas na bíblia? Não existe Deus além da bíblia, é isso? Não existe Deus além da igreja? Que Deus é esse que precisa adoecer Darwin porque não pode argumentar contra suas ideias de forma passiva? Que Deus é esse que exigiu que Galileu deixasse de lado suas ideias para que não contrariasse "o que Ele disse"? Que tipo de Deus rejeita os pensamentos de Spinoza e o considera pagão a ponto de mandar "seus intermediários" excluírem o apóstolo da razão por motivos mesquinhos? Que Deus conduz "seus servos" a atacarem alguém como Ricardo Gondim - um homem extremamente educado, passivo e dedicado ao que diz - a ponto de o perseguirem e o caluniarem, como fizeram, apenas para defender um conservadorismo podre e ofensivo?


Se Deus é o Poderoso Chefão assim como todo mundo diz, então porque Ele parece inseguro diante de pessoas que pensam demais (o que é preciso)? Porque Deus, a sabedoria suprema, ao invés de contra argumentar, destrói seus contrários? Ou ao invés de dar sabedoria aos "seus mediadores" para que eles respondam à altura os diferentes, ele dá permissão para que cacem?


Em relação a garota que estudou Sociologia e virou ateia, será que o ensinamento que ela recebeu é que não foi o suficiente para se sustentar na universidade? O que ensinaram a Ela? Que Deus faz e desfaz quando quer? Que Ele é misterioso? Que não devemos questioná-lo? Que Ele é poderoso e por isso faz o que faz? Cara, Deus é forte o suficiente para vencer o ceticismo, a igreja que não é, nem o deus que ela criou! O problema está em confundirmos os nomes Deus e igreja. Não dê o mesmo nome a coisas tão diferentes!


Deus não é burro! Burro é quem o tranca numa caixa; burro é quem aceita isso.


Deus é questionável, Ele é paciente com perguntas, Ele é humilde a ponto de sentar conosco e explicar o que não sabemos. Ele é transparente o suficiente a ponto de nos deixar duvidar dEle. Quem o faz, não deve temer o inferno, deve ter cuidado com os conservadores. Meu relacionamento com meus amigos é baseado em perguntas sobre nós mesmos: "Por que você fez isso?"; "Como você pode gostar disso?"; "Onde você estava?"; "Como você gosta?"; "Você pensa isso?"; "O que você quer fazer?"; "Quem é você?"; Ou atritos: "Eu não concordo com você"; "Eu penso que você deveria fazer assim"; "Se eu fosse você, falaria com ela"; "Não confio nesse caminho, vamos por ali"! Por que meu relacionamento com Deus não pode ser da mesma forma? Ele vai me jogar no inferno por questioná-lo? Ótimo! Que amigo! 


Aprendamos com Cristo, aprendamos com o seu jeito de deixar os outros no caminho certo: "Se tu soubesse quem te pede água (quem é você?)"; "Amarás a Deus e ao teu próximo, assim como amas a ti mesmo (como amo a mim mesmo?; quem é meu próximo?)"; "O que queres que os homens façam por ti, faça igualmente por eles (o que eu quero?)"; "Buscai primeiro o reino dos céus e a sua justiça e todas estas coisas serão acrescidas (o que é o reino dos céus e justiça?)"; "Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e muitos são os que entram por ela (que porta?, que caminho?, que perdição?)". Hoje, citações desse tipo têm um significado inquestionável. As pessoas lêem e engolem palavras do tipo "Reino dos céus", "próximo", "justiça", etc. Sem ao menos se perguntarem o que significam ou porque Cristo disse isso. Apenas engolem essas palavras e as usam para ensinar outros. 


Faça um teste: Chegue em sua igreja, se você frequenta uma, e pergunte sobre determinada crença, de preferência alguma crença que diverge com a crença de outra igreja. A resposta foi dada em 10 minutos acompanhada de alguns versículos bíblicos? Cuidado!


A dúvida estreita caminhos, ela arrebata momentos; a dúvida é a bússola dos sábios, ela reprime os ignorantes e tira deles o caminho seguro. A dúvida é a porta de saída dos sistemas. É a chave dos grilhões que grudaram em nós, é a luz no fim do túnel escuro de respostas prontas. A dúvida antecede a resposta, sendo assim o único caminho para o saber. Ela é o passo anterior ao achado. Se queremos conhecer a Deus, o caminho é pela dúvida, pelo questionamento, não pelo prédio da ignorância. O caminho até Ele é inseguro, é de dúvidas, mas é o caminho mais seguro. O caminho da ignorância, da superstição não é um caminho, é uma queda livre num abismo sem fim. Parece um caminho porque finge dar em algum lugar, mas ele não te leva a lugar nenhum senão para baixo, para longe do caminho das pedras, do caminho das perguntas, do caminho estreito, te afasta da bússola dos sábios. 

"(...) estar em meio a essa rerum concordia discors [discordante concerto das coisas] e toda a maravilhosa incerteza e ambigüidade da existência e não interrogar; não tremer de ânsia e gosto da interrogação, nem sequer odiar quem interroga, talvez até se divertindo levemente com este – isto é o que percebo como desprezível (…). 
(Nietzsche)



Abraço,
Eliab Alves Pereira

0 comentários:

Postar um comentário