"Jesus chorou"
(João 11:35)
O menor versículo da bíblia, o "Lobo da Estepe" de Herman Hesse e algumas palavras de Vinícius de Morais consumaram uma saga de pensamentos que vinham tomando espaço na minha mente. Nesse artigo quero fazer uma análise de apenas um desses três meios que me fizeram enxergar a liberdade de si mesmo como uma ponte para a salvação do eu. O que quero compartilhar com você é o grande significado que o menor versículo da bíblia me trouxe.
Jesus chorou! Não vamos aqui discutir o motivo de Jesus ter chorado, a ideia é compreender o porque de ele ter chorado PUBLICAMENTE. Por que ele não fez isso de forma isolada? Por que ele deixou que os que estavam próximos vissem esse momento de fraqueza? Foi um momento de fraqueza?
Nós fomos e somos criados num meio onde a atitude de chorar é vista como uma demonstração de vulnerabilidade, onde um garoto é ensinado que chorar não é coisa de homem, é coisa de mulher ou de "caba frouxo". E, ainda nesse mesmo meio, fomos apresentados a uma figura de deus em que ele não sofre, ele não demonstra fraqueza, ele não chora. "Porque ele é o todo poderoso", ou "porque ele não é vulnerável ao sofrimento". Mas bem ali, num cantinho da bíblia, duas palavras nos mostram que Deus sofre, que Deus chora, que Deus cede à tristeza. "Jesus chorou". E não só em um cantinho da bíblia, em outro lugar nós vemos essa afirmação; quando Paulo diz que "Deus é Amor". A partir do momento em que Paulo diz que Deus é amor, as características que são atribuídas ao amor, também são atribuídas a Deus, de forma que, quando Paulo diz que "O amor tudo sofre", Deus sofre. Como bem observou o Ricardo Gondim ao falar sobre esse trecho da bíblia. Enfim, nos foi ensinado que a lágrima é sinônimo de fraco, pequeno, vulnerável.
E aí eu me pergunto: Se isso é verdade, por que Deus não hesitou ao chorar em público? E mais: por que Ele chama de bem aventurados os que choram? Se o choro é sinônimo de fraqueza, Ele deveria controlar-se na frente da multidão. Se a lágrima reflete vulnerabilidade, seus produtores não devem ser chamados de bem aventurados.
Acredito que essa "força" ao engolir um choro, essa resistência em evitar a tristeza e a luta contra as lágrimas que se acumulam no canto do olho apontam para alguém que escolheu esse comportamento para mascarar uma face que foi esquentada pela torrente de lágrimas que banharam seu rosto. A atitude de se mostrar forte diante de determinadas situações revela um comportamento de alguém que foi ferido e abusado, quer seja sexualmente, moralmente ou psicologicamente. Prometer a si mesmo que não mais se importará, que não demonstrará compaixão, sensibilidade, dor; são promessas de alguém que experimentou uma tristeza profunda e toda sua confiança no outro pingou e foi sugado pelo tecido onde as lágrimas caíram. Abrir mão da dor pelo outro é o caminho mais fácil para tornar alguém áspero, seco, impenetrável.
Quando você se isola emocionalmente, você não permite que as pessoas te machuquem, mas também não permite que elas te curem!
Foi o que aconteceu com o Sr. Harley, O Lobo da Estepe, ele simplesmente decidiu se isolar, trancar-se num mundo sombrio, frio, distante, longe da dor; no inferno. O lugar onde a bíblia faz referência como sendo a total solidão, ausência, é o inferno. Ele, ironicamente, nos afasta da dor, mas da dor que o amor pode trazer, mas a falta disso é que nos leva a uma situação mais drástica de sofrimento. Isolar-se da dor traz mais sofrimento porque a dor é uma ferida que só cicatriza com a liberdade, não com a prisão dentro de si. A liberdade de abrir mão do mundo que foi criado para não se magoar, mas que magoa. A liberdade traz consigo o incômodo do amor. Como a sensação ardente de um bom remédio derramado numa ferida.
Nos isolamos por medo de sermos magoados mais uma vez, nos trancamos no porão de nossa alma para nos asseguramos que não seremos traídos novamente; caluniados, perseguidos, nos cobrimos com o lenço da frieza emocional a fim de nos protegermos dos fantasmas que espremem nosso coração, que gelam nossa alma e arrancam soluços enquanto nossa cura escorre pelos olhos.
Chorar não é para os fracos. O choro é o grito de um coração valente que decidiu ser sincero consigo mesmo, com o outro. A lágrima é a carta de alforria de um ser que trancou-se dentro de si mesmo para não ser magoado pelos outros, mas, ao fazer isso, magoou a si mesmo. Como diz a música de Los Hermanos: "Quem sempre quer vitória perde a glória de chorar!" Mostrar-se sensível e vulnerável publicamente é mais louvável do que voltar de uma guerra com a cabeça do inimigo nas mãos. Ao fazer isso, nos libertamos de nós mesmos, nos livramos da vergonha, quebramos os grilhões da mágoa, da falta de confiança. Ao permitirmos que a dor, a sensibilidade, a angústia rasguem nosso peito, temos a oportunidade de limpar o que a ferida abriu. Chorar não é vergonhoso. Vergonhoso é secar os olhos enquanto o coração se despedaça. Vergonhoso é enganar a si mesmo a fim de mascarar-se com o objetivo de me defender do outro.
Ao chorar publicamente Cristo nos dá uma valiosa lição. Ele nos ensina que até o maior dos Seres deve ceder à dor quando ela bater a porta. Ele nos ensina que um homem livre é livre de si mesmo, é livre para permitir que suas emoções fluam, escorram, dancem. Ele diz: "Bem aventurados os que choram, porque serão consolados". Quando você se isola emocionalmente, você não permite que as pessoas te machuquem, mas também não permite que elas te curem! Ao me isolar eu não dou ao outro a oportunidade de me colocar no colo, enxugar minhas lágrimas, abraçar e dizer que aquilo vai passar. Ao me isolar eu passo a imagem de que não sofro, de que sou intocável, frio, "forte", e quem tem esse rótulo não precisa de ajuda. Ninguém tem pena do leão que atacou a zebra, mas todos se entristecem com a derrota dela. Ninguém tenta ajudar o leão a pegá-la, mas, se tivermos a oportunidade, vamos salvá-la dele.
Encerro esse artigo citando Vinicius de Morais falando sobre a maior solidão:
A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.
Por fim, ao trancar-se em si mesmo, tendo a tristeza como companhia, a mágoa como sombra e o remorso como alimento, não produzimos amor pelo próximo. Porque tudo que aprendemos foi criar pedras para atirar nos outros, para mantê-los distantes, distantes o suficientes para não verem nossas falhas, nossa fraqueza ante a dor. O que nos falta aprender, e aprendemos aqui, é que a dor não é fraqueza quando a vencemos com a sinceridade de nossa entrega aos sentimentos que surgem, quando a subjugamos ao confessar ao outro o que nos aflige, o que nos põe medo. O que vence a dor é a liberdade de sorrir, abraçar, dizer "eu te amo", correr na chuva, brincar feito criança quando nossa alma foi violentada por um mundo perverso, mas ao pagar o mal com o bem convertemos o que eram ruim em coisa boa, pois não há escuridão densa o suficiente para vencer a menor faísca de luz que se acende.
Abraço,
Eliab Alves Pereira
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