Braços cruzados

"Eu não esquento a cabeça. Não vou mudar o mundo mesmo!"

Isso já é o suficiente para alguém ouvir muita coisa da minha parte. E foi assim que entrei numa discussão hoje.

Estava conversando com uma pessoa sobre más ações que são esquecidas quando quem as praticou manipula os atingidos com benefícios. E, por incrível que pareça, a pessoa tentou defender isso.

Eu sou corrupto, não trabalho para o bem social, mas isso não é relevante se eu te der uma grana extra pra você votar em mim. "Ah, mas ele ajudou alguém que precisava desse dinheiro!" Eu menosprezo pessoas, desvalorizo ações que não me geram lucros, mas você não se importa com isso porque, afinal, eu vou te empregar na minha empresa, correto? "Ah, mas tem muita gente chata no meio do mundo mesmo. Nem todo mundo as suporta. E quem não desvaloriza coisas que não trazem benefícios próprios?"

"Você não vai mudar o mundo sozinho!" Foi o que ouvi hoje. Pensei em citar Madre Tereza de Calcutá quando disse: "O que eu faço é uma gota no oceano. Mas sem ela o oceano seria menor." Mas não ia adiantar, Madre Tereza não era protestante, se é que você me entende.

"Quem não vai mudar o mundo é quem não tenta". Respondi. Como posso dar a mão a alguém que precisa se meus braços estiverem cruzados? 

Mas como explicar a cor verde a um cego? É difícil mostrar algo que só você vê; principalmente se a outra pessoa teve os olhos arrancados por um sistema acomodado, amém! 

O que estão ensinando a esse povo? "Tome aqui uma lista de coisas que vão te dizer como viver e está tudo bem!". É isso? Você não vê o monstro que estão criando quando limitam pessoas a algumas ações? Quando as prendem em uma bolha que não permite que vejam o caos lá fora?! Eu faço parte de um grupo de ação social, mas isso não me acomoda. Isso não me permite pensar: "Ah, já estou fazendo isso aqui, está ótimo!" Não! O mundo é grande, está bagunçado, precisa de mim, precisa de você! Se eu me limitar à ação social que eu faço num determinado lugar, esse grupo também será uma bolha. Isso deveria me dar mais vontade de procurar outros meios para trabalhar, não me acomodar!

Ouvi coisas que não queria ouvir, ouvi coisas que me fizeram pensar na distância em que algumas pessoas estão de fazer algo para os outros, ouvi coisas que me provaram que, se não houver recompensa, algumas pessoas deixarão o resto do mundo na lama. O pior é que a recompensa almejada não é ter salvo alguém, a recompensa não é fazer um novo amigo, a recompensa não é se doar a quem precisa, mas a recompensa é algo que vai me beneficiar com bens materiais ou financeiros. Como diria Emicida: "Quanto mais eu conheço algumas pessoas, mais eu gosto do meu cachorro!"

Não ter apoio, não ver grandes mudanças e ser a minoria a fazer é o bastante para eu desistir de ajudar o mundo? Cristo fez tudo sozinho! Ele foi debochado, criticado, perseguido e, depois que se foi, quem ficou pra continuar seu trabalho fez o que fez. Mas a sua gota tornou o oceano maior. Depois de todo o trabalho, qual a recompensa que ele teve? Foi traído, negado, crucificado. Por quem? Pelos seus! Se tem alguém que teria direito de desistir do mundo por causa dos resultados, esse alguém é Deus! Mas Ele abriu mão desse direito, arregaçou as mangas e veio fazer o que NÓS deveríamos fazer. Imagina se Ele olha pra nós de diz: "Eles estão perdidos, não vou esquentar a cabeça."

Uma vez li num livro de fábulas chinesas uma história contada por Lie Yukou que dizia o seguinte:

Perto das montanhas de Taihang e Wangwu vivia um velho de noventa anos que todo mundo achava que ele era louco. Ele tinha uma ideia fixa; a de remover as montanhas da frente de sua aldeia e levá-las para outro lugar. Ninguém acreditou que ele fosse fazer isso. Certo dia o velho louco acordou bem cedo e disse novamente que iria remover as duas montanhas para abrir caminho até Hanying, onde os agricultores iam vender seus produtos no mercado. Ele começou a encher um cesto com pedras e, pouco depois, passou perto de sua casa com a carga nas costas. Sua mulher perguntou: 

- Onde vai jogar a montanha? 
- No mar Bohai. 

Logo seu filho e seus três netos foram trabalhar com ele. Juntos quebravam as pedras, tiravam a terra, enchiam com ela os cestos e iam jogá-las no mar Bohai. Até o filho de sete anos da viúva, que nascera depois da morte do vizinho, veio ajudá-los. Eles trabalhavam de domingo a domingo, de primavera a primavera, voltando para casa apenas uma vez por ano. 
Mesmo as pessoas que não acreditavam que fosse possível tirar as montanhas do lugar se dispuseram a ajudar o velho louco. Primeiro sua mulher e seus outros filhos. Depois os vizinhos e os vizinhos de seus vizinhos. Mais tarde acharam, sim, que a montanha tinha de dar passagem até Hanying. 
Um sábio que vivia na curva do rio tentou dissuadi-lo daquela loucura.

- Deixa de ser doido. Um homem velho e fraco como você, incapaz de carregar um saco de areia, vai remover duas montanhas para mudá-las de lugar?

O velho deu um suspiro. Olhou para a montanha, olhou para o mar Bohai, lá longe, como se calculasse quanto tempo faltava para terminar o trabalho, e disse:

- Se eu morrer, eu deixo meu filho e o filho do meu filho, o filho do meu neto, o filho do filho do meu neto. Já as montanhas, não crescem mais nem aumentam de tamanho. Por isso eu vou continuar meu trabalho.

O sábio da curva do rio não soube o que responder.

[Dizem que essas duas montanhas estavam no sul do país. Hoje, uma está em Qinghai e a outra, na periferia de Beijing.]

Enquanto você esfria sua cabeça, eu carrego meu cesto. Senta de braços cruzados no meio do meu caminho e eu passo por cima de você.



Abraço,
Eliab Alves Pereira


1 comentários:

  1. bom texto, quem cruzou o braços ñ esta em minha turna, eu ñ gosto de ficar quieto quando da p\ ajudar....

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