Série: Mexendo nas bases (Parte 2)


A Wikipédia diz que O Anticristo - Praga contra o Cristianismo (Der Antichrist. Fluch auf das Christentum, setembro 1888) - Apesar de apontar Cristo, mesmo em sua concepção "própria", como sintoma de uma decadência análoga à que possibilitou o surgimento do Budismo, nesta obra Nietzsche dirige suas críticas mais agudas a Paulo de Tarso, o codificador do cristianismo e fundador da Igreja. Acusa-o de deturpar o ensinamento de seu mestre — pregador da salvação no agora deste mundo, realizada nele mesmo e não em promessas de um Além — forjando o mundo de Deus como a cima e além deste mundo. "O único cristão morreu na cruz", como diz no livro que seria o início de uma obra maior a que deu sucessivamente os títulos de Vontade de Poder e Transmutação de Todos os Valores: uma grande composição sinótica da qual restam apenas meras peças (O AnticristoO Crepúsculo dos Ídolos e oNietzsche contra Wagner) não menos brilhantes que a restante obra.  

No prólogo Nietzsche diz que "Este livro pertence aos homens mais raros. Talvez nenhum deles sequer esteja vivo. É possível que se encontrem entre aqueles que compreendem o meu “Zaratustra”: como eu poderia misturar−me àqueles aos quais se presta ouvidos atualmente? – Somente os dias vindouros me pertencem. Alguns homens nascem póstumos."

A palavras a seguir foram retiradas do livro "O Anticristo" escrito em 1888 pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche:


O que é bom? - Tudo aquilo que desperta no homem o sentimento de poder, a vontade de poder, o próprio poder.
O que é mau? - Tudo o que nasce da fraqueza.
O que é a felicidade? - A sensação de que o poder cresce, de que uma resistência foi vencida. 
(...)
O cristianismo tomou o partido de tudo o que é fraco, baixo, incapaz, e transformou em um ideal a oposição aos instintos de conservação da vida saudável; e até corrompeu a faculdade daquelas naturezas intelectualmente poderosas, ensinando que os valores superiores do intelecto não passam de pecados, desvios e tentações. O mais lamentável exemplo: a concepção de Pascal, que julgava estar a sua razão corrompida pelo pecado original; estava corrompida sim, mas pelo seu cristianismo!
(...)
Às vezes, ela (a piedade) pode conduzir a um total sacrifício da vida e da energia vital - uma perda totalmente desproporcional diante da magnitude da causa (o exemplo da morte do Nazareno). A piedade opõe-se completamente à lei da evolução, lei da seleção natural. Ela luta ao lado dos condenados pela vida. A humanidade aprendeu a chamar a piedade de virtude, quando em todo o sistema moral superior ela é considerada como uma fraqueza.
(...)
Esse envenenamento estende-se muito além do que se imagina: encontrei o instinto de presunção, próprio dos teólogos, por toda parte onde, nos nossos dias, há alguém que se sente "idealista" - por toda parte onde há alguém que se arroga, em virtude de uma origem mais elevada, o direito de olhar para a realidade com superior indiferença... O idealista, tal como o padre, tem na mão todas as grandes noções (e não só na mão!) e lança-as com um benévolo desprezo contra o "intelecto", os "sentidos", as "honras", o "conforto", a "ciência"; vê tais coisas abaixo de si como forças perniciosas e sedutoras, acima das quais "o espírito" plana, numa abstração pura, como se a humildade, a castidade, a pobreza, numa palavra, a santidade, não tivessem causado até hoje infinitamente mais prejuízo à vida que qualquer horror, qualquer vício... O puro espírito, eis a pura mentira... Enquanto o padre passar por ser superior - o padre, esse caluniador, esse envenenador da vida por profissão - não haverá resposta para a pergunta: O que é a verdade? A verdade já foi posta ao contrário quando o advogado voluntário do nada e da negação (Cristo) foi considerado como o representante da "verdade". Um povo que ainda acredita em si possui, além disso, um Deus que lhe é próprio. Venera esse Deus as condições que o tornam vitorioso, as suas virtudes - projeta a sensação de prazer que a si próprio se causa, o seu sentimento de poder, num ser a quem por isso pode agradecer. Quem é rico, oferece-Lhe o que tem; um povo orgulhoso necessita de um Deus a quem possa fazer sacrifícios. A religião é, nestas condições, uma forma de agradecimento. E um agradecimento a si mesmo: para isso se precisa de um Deus. Tal Deus deve poder servir e prejudicar, deve poder ser amigo e inimigo; e dever-se-á admirá-lo tanto no bem como no mal. A castração antinatural de um Deus para o converter num Deus unicamente do bem seria, neste caso, totalmente indesejável. Tanta necessidade se tem de Deus mau como de Deus bom.
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O que é cristão é um certo instinto de crueldade para consigo e para com os outros; o ódio aos que pensam de maneira diferente; a vontade de perseguir. (...) O que é cristão é o ódio de morte contra os senhores da terra, contra os "nobres" - e ao mesmo tempo uma rivalidade secreta, incofessada (deixa-se-lhes o "corpo", quer-se apenas a "alma"...). O que é cristão é o ódio contra o espírito, contra o orgulho, a coragem, a liberdade, a libertinagem do espírito; o que é cristão é o ódio contra os sentidos, contra a alegria dos sentidos, contra a alegria em geral...
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Para dominar os bárbaros, o cristianismo tinha necessidade de conceitos e valores bárbaros, daí o sacrifício do primogênito, a ingestão de sangue na comunhão, o desprezo pelo espírito e pela cultura; a tortura sob todas as suas formas, corporal e espiritual; a grande pompa do culto. (...) O cristianismo pretende dominar homens ferozes; o meio de o conseguir é torná-los doentes - o enfraquecimento é a receita cristã para a domesticação, para a "civilização". (...) para o bárbaro, sofrer, em si, nada tem de digno, muito pelo contrário: necessita previamente de uma explicação para poder confessar a si próprio o fato de sofrer (o seu instinto leva-o a negar o sofrimento e a suportá-lo silenciosamente). Neste caso, a palavra "Diabo" foi uma bênção: enfrentava-se um inimigo todo poderoso e terrível: não havia nada de vergonhoso em sofrer nas mãos de um tal inimigo.
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Para poder dizer "não" a tudo o que representa o movimento ascendente da vida sobre a Terra, o crescimento, o poder, a beleza, a auto-afirmação, era necessário que o instinto de ressentimento convertido em gênio fabricasse para si próprio um outro mundo, onde essa afirmação da vida fosse considerada o mal, o reprovável por si.
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Para o tipo de homens que no judaísmo e no cristianismo aspiram ao poder, a decadência é um estado sacerdotal, unicamente um meio: é interesse vital dessa classe de homens tornar a humanidade doente e perverter as noções de "bem" e de "mal", de "verdadeiro" e de "falso" num sentido mortal para a vida e infamante para o mundo.
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Que significa a "ordem moral universal"? Que existe, sem qualquer dúvida, uma vontade de Deus, que decide tudo o que o homem deve ou não fazer; que o valor de um povo ou de um indivíduo se gradua segundo a sua maior ou menor obediência à vontade de Deus; que nos destinos de um povo ou de um indivíduo mostra-se dominante a vontade divina que castiga ou recompensa segundo o grau de obediência. (...) o sacerdote, abusa do nome de Deus; chama "reino de Deus" a um estado de sociedade no qual é ele quem fixa os valores; chama "vontade de Deus" aos meios que emprega para alcançar ou manter tal situação; com cinismo glacial, valoriza os povos, as épocas, os indivíduos, conforme foram úteis ou resistiram à preponderância sacerdotal.
(...)
Ainda mais um passo: a "vontade de Deus", isto é, as condições de conservação do poder do sacerdote, deve ser conhecida – para tal propósito precisa-se de uma "revelação". Em vernáculo: torna-se necessária uma grande falsificação literária, descobre-se uma "Sagrada Escritura" – torna-se pública com toda a pompa hierática, com jejuns e lamentações por causa do longo "pecado". A "vontade de Deus" estava de há muito determinada: todo o mal residia no alheamento em relação à "Sagrada Escritura"... Já a Moisés fora revelada a "vontade de Deus"... Que sucedera? O sacerdote, com rigor, com pedantismo, formulara de uma vez por todas os grandes e pequenos tributos que se lhe hão-de pagar (não esquecer os mais saborosos pedaços de carne: com efeito, o sacerdote é um devorador de bife), o que ele quer ter, "o que é a vontade de Deus"... Doravante, todas as coisas da vida se encontram de tal modo ordenadas que o sacerdote é por toda a parte indispensável; em todas as ocorrências naturais da vida, no nascimento, no casamento, na doença, na morte, para não falar já do sacrifício ("a ceia"), aparece o santo parasita, para os desnaturalizar: na sua linguagem, para os "santificar"... Importa, pois, compreender isto: todo o costume natural, toda a instituição natural (o Estado, a justiça, o casamento, a assistência prestada aos doentes e aos pobres), toda a exigência inspirada pelo instinto da vida, em suma, tudo o que tem o seu valor em si é transformado, graças ao parasitismo do sacerdote (ou da "ordem moral do mundo"), em algo de fundamentalmente sem valor e contrário ao valor: necessita- se subsequentemente de uma sanção – torna-se imperativo um poder outorgante de valor; que negue nele a natureza e crie assim por isso mesmo um valor... O sacerdote desvaloriza, profana a Natureza: é a esse preço que ele em geral subsiste. A desobediência a Deus, isto é, ao sacerdote, à "lei", recebe agora o nome de "pecado"; os meios para de novo se "reconciliar com Deus" são, como é justo, meios com que se garante ainda mais profundamente a sujeição ao sacerdote: só o sacerdote "salva"... O medo da dor, ainda que da dor infinitamente pequena, não pode acabar de outro modo que não seja numa religião do amor...
(...)
E, contudo, o cristianismo deve a sua vitória a essa lastimável bajulação da vaidade pessoal - por esse meio atraiu tudo quanto estava falido, instintos sediciosos, mal equilibrados, aqueles sucumbidos pelo mal e a escória da humanidade.





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