A canção das mágoas

Lá fora o céu chora. Talvez por perder suas delicadas gotas d`água para uma terra seca de amor. 

Dá pra perceber no estalar dos pingos.

Eles gritam!

Toda grande tempestade começa com uma gota!

O céu chora, os pingos gritam, e a maioria das pessoas está dormindo. A canção das mágoas não incomoda os dormentes. O silêncio do sono tapa os ouvidos para não ouvir o clamor lá fora. Pingo a pingo a sintonia é formada dando ritmo a mudez da noite chuvosa.

Da noite que o céu chora. E os homens dormem.

Noite de chuva serve para lembrar que falta algo. O vento frio traz melancolia do horizonte escuro. E junto com ele vem a sensação de saudade, de que precisamos estar com alguém para esquentar o corpo. O que falta é quem faz a terra ser fértil; é quem cessaria o choro do céu; quem faria os pingos se calarem; é quem acordaria os homens.

O que falta é amor como ele é. Não como frases e desejos, não como sentimentos ou necessidades, mas de forma sincera, prática, independente de afetividade, distância e aparência. O que falta, nas noites de chuva, é amor por amar. Lembrar do outro não como objeto de auto satisfação, mas como o outro que também tem frio, que também está só, que também acordou com o choro dos pingos. 

Quem falta pra acabar com a solidão trazida pela chuva é o amor plantado, praticado, semeado. Aquele que cresce com as lágrimas do céu. Aquele que faz os gritos dos pingos de chuva se transformarem em louvores. Aquele que abre um sorriso no céu com raios e espera que ele grite com trovões, trovões que acordam os homens, homens que escrevem cânticos, que olham pela janela e vêem, no meio da escuridão, a claridade da nova colheita.

E o jardim brotará depois de uma tempestade durante a noite. Tempestade que acordou os homens para verem as mudanças. Os gritos lacrimais do céu e da chuva em um deserto de desamor transformam-se em cânticos e ritmos de dança em um jardim cultivado pelo choro dos que estavam acordados enquanto a maioria dormia.

Todo belo jardim já passou uma noite na chuva.

Que esse jardim não seja desmatado assim como os outros. Se for, ao morrer, ele ceifará o homem. Ele destruirá seu destruidor. Ele porá fim aos doentes que dormem, aos que não cuidaram dele. Esse jardim será cultivado na alma do homem. Se destruído, destruirá seu jardineiro infiel. 

Que aprendamos a cultivar nossa alma, plantar em outros jardins e germinar nosso eu no outro. Assim, toda chuva é motivo para dançar, toda gota alimentará uma semente, e todo homem acordará para semear. Semeando o amor, semeando seu eu no próximo. Toda chuva alimentará isso. E os gritos das gotas, o choro do céu e a dormência dos homens não passarão de sonhos ruins numa noite fria.

No fim, todos perceberão que uma grande tempestade é necessária para despertar grandes homens.



Abraço,
Eliab Alves Pereira



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