Oração

Estava Jesus em certo lugar orando e, quando acabou, disse-lhe um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos.
E ele lhes disse: Quando orardes, dizei: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu.

dá-nos cada dia o nosso pão cotidiano;
e perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo aquele que nos deve; e não nos deixes entrar em tentação, [mas livra-nos do mal.]
Disse-lhes também: Se um de vós tiver um amigo, e se for procurá-lo à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães,
pois que um amigo meu, estando em viagem, chegou a minha casa, e não tenho o que lhe oferecer;
e se ele, de dentro, responder: Não me incomodes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para te atender;
digo-vos que, ainda que se levante para lhos dar por ser seu amigo, todavia, por causa da sua importunação, se levantará e lhe dará quantos pães ele precisar.
Pelo que eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á;
pois todo o que pede, recebe; e quem busca acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á.
E qual o pai dentre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente?
Ou, se pedir um ovo, lhe dará um escorpião?
Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?


(Lucas 11:1-13)

Quando aprendi que Deus, ao invés de intervir diretamente, participa; ao invés de manipular a dor, comunga dela; me vi na situação de que 99,9% das minhas orações deveriam ser reformuladas. Uma vez que elas seriam petições que seriam realizadas, obviamente, por intervenção, me peguei numa situação em que não sabia mais como orar, nem o que dizer ao orar. Isso me levantou uma dúvida: "Será que minha conversa com Deus é tão limitada a petições que quando percebo que elas não são bem a razão da oração fico sem ter o que dizer?" É como não saber conversar com um garçom porque tudo que eu sei é pedir coisas a ele.

Mas como dizer isso depois de o próprio Cristo ter ensinado a orar dessa forma? Os discípulos pedem a Cristo que lhes ensine a orar, e Cristo nos apresenta a famosa oração do Pai Nosso carregada com seis petições.

Não quero dizer que essa forma de orar está errada, mas não me sinto confortável com ela. Eu não me sinto bem se eu for a casa de um amigo para conversar com ele e a conversa girar em torno de coisas que eu quero que ele faça pra mim. Ou vice versa.

Percebi que minhas orações (todas elas) giravam em torno de pedidos. Tudo que eu fazia era "ligar" pra Deus e ditar meus pedidos a fim de que Ele os anotasse com cuidado pra não esquecer de nenhum. E eu me pergunto: Que tipo de conversa é essa? A oração deveria ser uma conversa com o objetivo de compartilhar minha vida com Deus, não? 

Por que não falo com Deus sobre como foi meu dia, como estou me sentindo? Por que não conto as novidades da minha vida? Por que não falo sobre o filme que eu vi no cinema e gostei (ou odiei)? Por que não falo com Deus sobre o tempero novo na comida do almoço? Por que não compartilho com ele meus sonhos, desejos, objetivos? Por que tudo que eu faço é pedir para que Ele realize tudo que eu quero? Por que minha oração é tão mesquinha a ponto de, se eu tirar os pedidos, fico sem assunto?  

Não estou dizendo que você deve parar de orar, ou estou dizendo que você não deve pedir nada a Deus, não é isso! Eu só quero chamar a atenção para o que se tornou nossa oração. Ela é uma conversa com Deus ou um pedido a um garço super poderoso?

"Mas, Eliab, o próprio Cristo nos ensinou assim! 'Pedi, e dar-se-vos-á.' Ele nos ensinou nessa mesma passagem que você colocou no início da postagem que se formos insistentes, Deus vai atender a todos os nossos pedidos".

Eu sei o que Ele disse. Mas me responde uma coisa: É esse o tipo de conversa que você quer estipular com Deus? É assim que você quer investir seu tempo com Ele? Não estou dizendo que você deva parar de pedir, só estou dizendo para que nossas orações deixaram de ser (ou nunca foram) um diálogo entre amigos, mas um encontro com um gênio da lâmpada.

Faça um teste: Ao orar, tente pontuar tudo que você pede a Deus. No fim da oração, tente refazê-la para si mesmo só que dessa vez sem as petições. O que sobrou? ("Deus (...) amém!")?

Cristo disse que tudo que eu pedir com insistência Deus me dará por causa da minha importunação. Ok! Mas eu escolho a conversa no lugar dos pedidos. Eu escolho um Deus amigo no lugar de um Deus garçom. Eu escolho conversar com Deus sobre meu dia, sobre meu trabalho, minha família, escolho falar sobre meus projetos, minhas frustrações, minhas dúvidas. Eu quero falar sobre um novo amigo, sobre um pensamento que me incomodou, eu quero falar sobre uma decepção, sobre o novo artigo que estou pra escrever. 

Penso que minha oração a Deus deve ser exatamente como a conversa que tenho com um amigo ou um familiar. Deve ser contando a Ele sobre minha vida. Um diálogo de conhecimento mútuo. Você pode dizer: "Mas Deus já sabe como é sua vida. Ele sabe de tudo." Bem, se isso for verdade, então Ele também sabe de tudo que você precisa, então você não precisa pedir. E não me venha com aquela resposta pronta que diz: "Deus sabe o que você precisa, mas Ele precisa que você diga." Por favor, troca o disco!

Acredito que o que nos impede de orar dessa forma é a ideia absurda que nós geralmente temos de Deus. Toda aquela coisa de santidade, perfeição, "vós", "ouça o que eu digo, varão", ou de que devemos nos comportar de maneira apropriada na presença de Deus, e blá, blá, blá... 

Você pode dizer que estou exagerando. Mas façamos outro teste: Se você faz parte de alguma igreja, observe seu comportamento com seus amigos numa roda de conversa e analise o que acontece quando o pastor ou padre senta com vocês. O clima mudou? As palavras também? E o assunto? 

Cara, se você não tem liberdade ou intimidade o suficiente pra falar com seu líder espiritual assim como fala com um amigo, que dizer da sua conversa com Deus? Uma vez que você, provavelmente, tem toda uma imagem de um Deus santarrão, tipo robozinho, barba branca, cajado e toda aquela seriedade, você deve, sem dúvida, enxergá-lo como mais perfeito do que seu líder. Se você muda seu comportamento diante do seu líder espiritual, quer dizer diante de Deus como toda essa definição que você tem dEle? 



Não conversamos com Deus como conversamos com um amigo porque não O vemos como um amigo!


"Deus é nosso empregado. Seu trabalho é nos servir. Nossas orações são seu salário!"
(Marge Simpson, em um dos episódio de Os Simpsons)


Mas uma dúvida fica no ar: Se eu digo que Deus não intervém diretamente, que ao invés de manipular a dor, sofre junto; e Cristo diz que Ele atende aos pedidos feitos com insistência, como Ele faz isso? Porque uma vez que Ele não intervém diretamente, como Ele poderia atender as petições feitas por nós?

A resposta é simples! Através da(s) manifestação(ões) dEle na Terra. Se eu peço ajuda a Deus, Ele vai me atender através do meu próximo. Não com um truque de mágica. Se eu peço saúde, há médicos. Se peço sabedoria, há escritores, professores e amigos que Deus pode usar para atender meu pedido. Se peço paciência ele pode me atender através da música, poesia, viagem, paisagens. Se peço comida, ele pode me atender através do vizinho que lembrou de mim na hora da refeição. Se estou machucado, Ele cuida de mim através do Bom Samaritano. Se meu barco está afundando e peço ajuda, Ele me salva através do cara que estava dormindo num canto do barco. Se eu peço pra ressuscitar meu irmão que morreu, Ele se manifesta através do cara que chorou ao chegar no túmulo. Se acabou o vinho, Ele transforma água em vinho através do cara que acabou de chegar na festa.

Não são truques de mágica, são meios pelos quais Deus se utiliza para agir em nosso mundo.


Certa vez um homem estava se afogando depois que seu barco afundou em alto mar. Ele orou a Deus pedindo ajuda. Cinco minutos depois um pescador, que ouviu seus gritos, se aproximou com um barco para ajudá-lo. Ele disse: "Não! Vá embora! Deus vai me salvar." E o homem se foi. Mais cinco minutos depois outro pescador foi ajudá-lo. Ele disse: "Vá embora! Não precisa me ajudar. Eu orei e Deus vai me salvar." E o pescador voltou a praia. Se passaram mais cinco minutos e um navio de pesca o encontrou em meio aos destroços do seu barco destruído. Os pescadores jogaram uma rede para pegá-lo. Ele fugiu da rede e mandou que os homens fossem embora porque Deus o salvaria. E os homens se foram. O náufrago cansou de gritar e nadar e acabou morrendo afogado. Quando chegou ao céu, foi direto reclamar com Deus por não tê-lo salvado. Deus respondeu: "Ora, na verdade, eu tentei te salvar três vezes e você recusou todas!"


Abraço,
Eliab Alves Pereira 

4 comentários:

  1. E quando alguém doente e sozinho ora a Deus e fica curado? Ou quando Deus faz se acalmar uma tempestade em alto mar, atendendo a oração de um pescador? Me refiro aos momentos que Deus não tem um homem a seu serviço para se manifestar.

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  2. Eu creio que a confusão da interpretação se dá quando apontamos para a oração como a fonte de cura. Eu posso ficar bom de uma doença simplesmente porque chegou o fim da doença. Se isso aconteceu depois de eu ter orado, posso dizer que foi por causa da oração? Muita gente dá créditos a sua oração ao invés de agradecer o trabalho do médico.

    É como o conto do pescador no fim da postagem. Os homens que foram salvá-lo não foram porque ele orou. Foram porque viram que ele precisava de ajuda. Deus não aumentou a percepção auditiva deles ou revelou numa visão que alguém estava se afogando. O que eu digo como expressão de Deus através de nós é a capacidade que temos de cuidar um do outro quando podemos. Não é que Deus pega o controle remoto e vai nos guiando. Pra quem leu a Teoria da Evolução das Espécies, o ato de arriscar sua vida para salvar outra é antinatural. Nenhum ser, por instinto, se arrisca para salvar outro. A partir do momento que eu burlo isso, é aí que eu vejo a expressão de Deus. Como forma de cuidado, temos em nosso DNA uma fórmula para evitar certas ocasiões que nos colocariam em risco. Penso que Deus se revela justamente nesse pico onde deixamos de lado o que nosso instinto diz e nos arriscamos. Nosso instinto diz para sairmos de perto dos náufragos com a comida que achei para me alimentar sozinho. A fórmula de Deus em mim diz: compartilhe. Meu instinto diz para socar o cara que me golpeou, a expressão de Deus em mim diz: vire o outro lado. Jogue uma pedra em um leão e fique parado em sua frente pra ver se ele vai te desculpar. E, por incrível que pareça, acredito que é possível. Quem sabe? Mas, naturalmente, ele vai te atacar.

    Se o cara orou, sozinho, e ficou curado, talvez o fato de ele estar curado não foi a oração, mas, naturalmente, curou-se. O problema está quando dizemos que é por causa da oração que aquilo aconteceu. E eu não defendo essa ideia porque se o que curou o carinha foi a oração dele, por que a oração da criança que se afogou não a salvou? Ou por que a oração da mãe pedindo comida não foi atendida? Por que a oração do cara deu um carro a ele mas não deu um pão ao que pediu lá do outro lado do mundo? Não são as orações que nos presenteiam, nós é que dedicamos a ela os nossos presentes. Porque é mais fácil aceitar que eu fui privilegiado, fui atendido, em minhas petições.

    Embutido na ideia de "Deus ouviu minhas preces" está o sentimento de "eu merecia ser atendido".

    No caso do cara na tempestade, sozinho, respondo da mesma forma que respondo em relação ao doente que dedicou sua cura à oração.

    Quando eu era garoto, desenhei um sol na areia da praia com meus primos esperando que aquilo fizesse a chuva parar. E parou! Devo agora dedicar ao desenho o fato de a chuva parar?

    Mas compliquemos mais a questão:
    E por que Cristo acalmou uma tempestade? Os outros não poderiam acalmar? Se o pescador solitário foi atendido, os discípulos, amigos de Cristo, não seriam atendidos sem precisar acordá-lo? Eles também não eram expressões de Deus na terra?

    (Depois eu volto pra responder essa, preciso sair agora)

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  3. Demorei muito, eu sei! Mas vamos lá continuar a conversa...

    Por que Cristo acalmou uma tempestade? Os outros não poderiam acalmar? Se o pescador solitário foi atendido, os discípulos, amigos de Cristo, não seriam atendidos sem precisar acordá-lo? Eles também não eram expressões de Deus na terra?

    Se eu digo que Deus se utiliza de seres para se expressar e intervir em determinadas situações, então eu devo defender a ideia de que qualquer ser pode ser ferramenta divina. E se eu defendo isso, então Deus não precisa usar alguém para ajudar quem está em perigo, Ele pode, simplesmente, usar quem está em perigo. Não seria mais fácil? Seria mais lógico usar quem está sofrendo a causa ao invés de fazê-lo depender de outro para receber sua solução. Afinal, foi o que aconteceu com Cristo, não? Ele não precisou de outro alguém para solucionar as coisas pra Ele, correto? Ele foi a expressão de Deus. Mas por que Ele acalmou uma tempestade e seus discípulos não? Por que há uma necessidade de alguém resolver isso por mim? Por que eu não posso fazer isso por conta própria sem esperar pelo outro?

    Note que as narrativas bíblicas que relatam uma intervenção divina, são situações onde pessoas dependem de alguém para aquilo acontecer: Cura, expulsão de demônios, multiplicação de alimento, ressurreição, perdão de pecados, mudança de comportamento, etc.

    Cristo não curaria se não houvesse doentes que o procurasse; não ressuscitaria se não houvesse um morto; não expulsaria demônios se não houvesse possuídos; não multiplicaria alimento se não houvesse famintos. Note que há uma dependência de ambos os lados para o divino se manifestar. As pessoas dependiam de Cristo para alcançarem a realização de suas petições, mas Cristo também dependia delas para realizar seus milagres. Cinco mil pessoas dependeram dele para se alimentarem, mas Ele dependeu de um garoto com cinco pães e dois peixes para alimentar o povo. Observe que há uma necessidade de dependência mútua para o divino acontecer. Não creio na expressão divina através de um ser isolado. Se acontecer algo que dê a entender isso, é como eu falei antes, pra mim, não é expressão divina, mas um fato que aconteceu por seguir seu curso natural. Como a cura do cara sozinho ou o fim da tempestade do pescador solitário.

    Penso que a condição para que haja uma manifestação divina é a união dos seres que precisam da manifestação. O necessitado e o promotor. É como a união das peças de um quebra cabeças para resultar na construção de uma imagem. Imagine se Deus colocasse em nossas mãos o poder de cuidarmos de nós mesmos! Onde ficaria a dependência do outro? A necessidade de compartilhar meu problema? Onde ficaria o esforço de me abaixar para levantar o caído? Ou de olhar para cima e pedir ajuda? Nosso individualismo, nossa prepotência e nosso narcisismo exige que sejamos independentes do próximo. Note que não é um pó mágico que desenvolve um milagre, mas a escolha de buscar alguém que eu CREIO que me ajudará naquela situação. Numa situação, Cristo orou para multiplicar os pães e peixes, mas, noutro momento, mandou que o general voltasse para casa pois sua filha já estava curada. Ele nem precisou orar. Ele precisou apenas de uma causa e um (dois) necessitados. As peças se uniram para montar a imagem. A necessidade encontrou uma solução para realizar o milagre.

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  4. Penso que se tivéssemos o poder de consertar nossa vida sozinhos o mundo não precisaria de famílias e amigos. No conto da criação Deus observa a necessidade de o homem estar acompanhado. Somos seres incompletos, inacabados, condenados à construção e reconstrução por meio dos outros. Fomos criados para cuidarmos uns dos outros, para cuidar dos que precisam, alimentá-los, salvá-los de tempestades, perdoá-los. Nossa missão é se doar ao outro. É a conjugação da ordem "amar o próximo".

    Milagre não é só o acontecimento que atrai as notícias, milagre também está nos detalhes do momento. Milagre não é apenas a multiplicação dos pães e peixes, mas o fato de o Criador do universo depender de um garotinho para alimentar seus ouvintes, e ser humilde o suficiente para ceder a essa dependência. Milagre não é só a ressurreição da garota, mas o fato de um poderoso general sair em busca de um estranho crendo que Ele será a solução para o seu problema. Milagre não é só a cura do fluxo de sangue de uma mulher, mas a atenção que O Deus Criador deu a quem era excluída pela sociedade por causa de sua doença. Milagre não é apenas o acontecimento utópico, sobrenatural e inesperado, mas também a atitude de alguém se dispor a outro alguém para ajudá-lo em algo que não era sua obrigação cumprir.

    O que dizer do pescador que orou (sozinho) e a tempestade se acalmou?
    A necessidade de admitir que [Deus ATENDEU a MINHA oração] vai me levar a colocar o fim da tempestade como resultado da MINHA oração. Infelizmente temos a necessidade de dizer que Deus atendeu às minhas preces. O problema é que, dentro dessa afirmação, está o sentimento de que "há algo em mim que fez com que Deus me ouvisse". Esse pensamento é perigoso pois trás consigo, mais uma vez, aquela ideia que comentamos antes sobre individualismo, narcisismo e prepotência.

    Bem, é isso! Espero ter conseguido explicar meu pensamento e responder sua dúvida.

    Abraço!

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