Não era o amigo vento!

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São oito e trinta e dois da manhã. O calor do sol me acordou assim que entrou pela janela, mas as massagens do vento me deixaram na cama até agora. Um barulho me desperta, corta a atenção que eu dava às carícias do amigo invisível. O ruído toma conta do quarto e sai correndo pela casa, ficando menor no fim do corredor. E ele se repete. Ele vem de baixo de minha cama. Ainda deitado, lanço o braço esquerdo à procura do meu companheiro barulhento. Ainda não estou totalmente acordado. Não sei que barulho é esse. Quero pegá-lo antes que ele saia correndo pela casa novamente. Mas ele já foi e voltou umas três vezes. “Agora eu o pego!” Pensei. 

Meu braço está esticado mas não consigo dobrá-lo para que toque o chão. As articulações do meu cotovelo estão contra a beira do colchão. Isso me impede de dobrar o braço. Recolho minha ferramenta de busca. Ainda com preguiça, reviro-me na cama. Agora dou as costas ao teto e fico deitado sobre meu peito. Vou dar a vez para meu outro braço procurar pelo ruído. O lado esquerdo do meu rosto descansa na cama aquecida pelo sol enquanto o vento agora acaricia minhas costas. Minha respiração me levanta de leve a cada vez que meus pulmões enchem. 

O companheiro barulhento parou de gritar. A casa está silenciosa agora. Não há nada correndo pelo corredor. Apenas os cantos do vento em diferentes tons pelas brechas das portas. Agora as articulações do meu braço direito estão se dobrando às beiras do colchão. Meu braço desce o abismo. Minha mão toca o chão frio e sai à procura do meu amigo, agora, silencioso. Acabo batendo em algo. O que é isso? Pontas arredondadas, uma superfície lisa mas em certos lugares há pequenas saliências e divisões. O objeto treme na minha mão e o barulho volta a correr pela casa. Nesse instante lembrei de que havia mudado, na noite anterior, o alerta do celular. Ele deve ter caído ali em baixo quando cai no sono. 

Ele gritou apenas mais uma vez. Seu barulho ecoou pela casa e foi respondido com um silêncio mórbido. Então ele calou-se. Tornou-se pequeno. Recolheu-se como um calouro depois de levar um grito de um sargento durão e experiente. O silêncio do silêncio gritou alto o suficiente para que o barulho se calasse. Trouxe o celular para próximo do meu rosto. O que será que aconteceu? É uma mensagem. Número desconhecido. Quem será? 

Desbloqueei o teclado, cliquei na opção de visualizar mensagem e quatro palavras saltaram na tela: “Você não me ligou!”. Fiquei parado, lendo e relendo aquelas palavras, tentando entender aquela frase. Deve ser engano, pensei. E mais uma vez o celular me avisa que chegou mais um recado. Ao abrir a correspondência, leio: “Não, não é engano.” Quem será? Deve ser Higor ou Jean fazendo alguma brincadeira. Penso. E mais uma vez meu companheiro grita pra mim: “Esqueceu da garota bonita na parada de ônibus?” Meus olhos se arregalam e muitas lembranças correm pela minha cabeça como o vento que corre pela casa. “A garota da parada de ônibus!” Exclamo. Mas, como? “Já que você resolveu apenas escrever, decidi ligar. Mas como, pelo jeito, você prefere as palavras, aqui estamos nós.” Ela respondeu. Ainda não mandei nenhuma mensagem! Como ela pode responder tudo isso? Como ela pode responder meus pensamento? Mais uma mensagem cai na caixa de entrada: “Quando for escrever sobre isso, não escreva a próxima mensagem que te enviarei.” Logo em seguida a próxima carta digital chega. 

Franzo a testa. Olho em volta procurando algum observador. Levanto ainda mais a sobrancelha direita enquanto contraio a boca para o lado esquerdo. Minha expressão agora é de “o que está havendo?”. Não consigo segurar e caio na risada. Coço a testa com a mão esquerda. Sento na cama. Espreguiço o corpo todo. Coloco as mão nos joelhos. Olho para a porta fechada do quarto. Viro-me um pouco e olho os prédios vizinhos por cima do meu ombro direito. Atento para o barulho dos carros passando na rua e o latido de algum cachorro que passeia com seu dono. Há barulho de ferragens sendo cortadas em algum lugar. Dá pra ouvir a canção das panelas que caíram no chão de algum apartamento lá em baixo. Toda a minha atenção na sinfonia do bairro acaba quando volto a dar atenção apenas para a canção do amigo vento que voltou a sussurrar nas fissuras das portas. Dá pra senti-lo correr pela casa. 

Coloco o celular num canto da cama. Assanho o cabelo. Esfrego o rosto com as duas mãos. Deslizo-as para a nuca, entrecruzo os dedos como alguém que senta numa cadeira de balanço olhando para a estrada como se não tivesse nenhuma preocupação com problema algum. Levo meus pés até o chão. Olho para baixo. Recolho as mão para segurar a quina do colchão. Aperto-o até sentir que a ponta dos dedos está tocando a palma da mão com a espuma. Levanto-me e vou até a porta. Com a mão esquerda, toco na fechadura ainda fria. Rodo a chave com a mão direita para destrancar a porta. 

Abro-a a fim de dar bom dia ao amigo vento que corre pela casa desde cedo. Quando aquele pedaço de madeira sai da minha frente e encosta-se na parede, olho sem jeito para o corredor. Fico nervoso. Olho para o chão. Continuo segurando a porta. Volto a ouvir a orquestra desritimada do bairro. Agora consigo ouvir o som do alarme de um carro no outro lado da rua. E um vendedor de picolé caseiro anuncia seu produto em algum lugar aqui perto. Tudo se torna plano de fundo. Como aquela música que toca nos filmes enquanto os personagens se calam, entreolham-se e a câmera começa a focar em detalhes como os olhos, mãos nervosas, mordidas no canto da boca. Depois corta a cena e mostra os dois de longe. Encarando um ao outro. A música canta o momento. 

Meu momento agora era de confusão. Ao olhar para o corredor em frente a porta do meu quarto, em busca do meu amigo vento, dei de cara com outra coisa. Mas não era... Opa! Espera! Me pediram pra não escrever essa parte.

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