À maior das ofensas, respondo com um sorriso simples. À toda humilhação, com um olhar de perdão. Às críticas, pedradas e chicotadas, respondo com um braço estendido e uma mão que quer ajudar. Lembre-se: não há argumento maior que o amor! Não há golpe mais forte que um abraço! E não há nada que possa ser dito contra um olhar de compaixão! Por isso, sejamos suaves como uma brisa de fim de tarde; Belos como um pôr do sol; Sensíveis como as asas de uma borboleta. E o mundo se mostrará mais belo para nós. Porque a beleza começa por dentro!
Sobre sementes...
Dentro de cada um de nós mora aquilo de melhor que podemos encontrar no ser humano. Sejamos então gentis uns com os outros. Não pelo homem que te feriu hoje, mas pelo homem bondoso que há dentro dele e ainda não veio à superfície. Façamos o bem àquilo que há de melhor de em cada um de nós! Cuidemos do poeta que há dentro do nosso inimigo. Do amante que há dentro de nosso oponente. Não nos deixemos enganar por um comportamento à parte. Afinal, por mais escura que seja a noite, ela não pode comprovar a inexistência de um belo dia logo em seguida. Amemos então aquilo que há de melhor em cada um de nós (e no outro). Olhemos para a semente enxergando a árvore que há nela!
Navegante
Deixa-me olhar teus olhos,
que parecem o imenso mar,
que convida os navegantes para velejá-lo.
Deixa-me olhar teus olhos!
Por eles eu abdico da segurança do cais para desbravar esse teu oceano de mistérios! Deixa-me decifrar você!
Nesta viagem que me conduz para...
Não me importa onde!!!
Só me importa te olhar!
Deixa-me hipnotizar-me pelos teus segredos! Não me reveles nada agora! Deixa-me buscá-los! Deixa-me buscar-te!
Deixa-me navegar em ti
Deixa-me navegar em teus olhos
Grandes pérolas negras que atiçam minha cobiça e tornam-me despido de minhas armaduras
E, despido de tudo que me protege, navego em ti
Sem medo do desconhecido
Porque pelo desconhecido fui atraído
Deixa-me olhar teus olhos!
Deixa-me navegar em ti!
que parecem o imenso mar,
que convida os navegantes para velejá-lo.
Deixa-me olhar teus olhos!
Por eles eu abdico da segurança do cais para desbravar esse teu oceano de mistérios! Deixa-me decifrar você!
Nesta viagem que me conduz para...
Não me importa onde!!!
Só me importa te olhar!
Deixa-me hipnotizar-me pelos teus segredos! Não me reveles nada agora! Deixa-me buscá-los! Deixa-me buscar-te!
Deixa-me navegar em ti
Deixa-me navegar em teus olhos
Grandes pérolas negras que atiçam minha cobiça e tornam-me despido de minhas armaduras
E, despido de tudo que me protege, navego em ti
Sem medo do desconhecido
Porque pelo desconhecido fui atraído
Deixa-me olhar teus olhos!
Deixa-me navegar em ti!
Sobre amar...
Um coração cheio de amor não tem espaço para permitir que a decepção de histórias mal acabadas consumam seu espírito! E, se possível for, aumente o tamanho do seu coração, só pra caber mais um pouco de amor nele! Porque o amor é a única coisa que, quanto mais você dá, mais você tem!
Sobre bondade...
Às vezes a gente faz o bem! E às vezes quem recebe esse bem não o enxerga como tal. É aí que entra a desvalorização do que foi feito com o coração! É aí onde entra o espinho da ingratidão, furando nosso coração até o fim! A gente só precisa lembrar que não devemos ser cruel com todo o mundo só porque uma parte dele foi cruel conosco! Conseguimos ser benevolentes com todos! Com os que nos amam e com os que nos odeiam!
Que lição nos dá a flor! Mesmo quando tem suas pétalas arrancadas, colore o chão que a sustentou e perfuma as mãos que a despiu!
O melhor de nós
Geralmente o melhor de nós é feito nos bastidores, quando as luzes já foram apagadas, quando todos já foram dormir, quando ninguém está vendo! O melhor de nós é feito dentro de um pequeno quarto escuro, acompanhado apenas de nossa solidão. O melhor de nós se manifesta anonimamente! Sendo assim, o melhor que podemos dar de nós mesmos está condenado a sofrer a dor de nunca ser visto! De ser desconhecido, encubado. Está condenado a caminhar sozinho pela escuridão, em ruas solitárias e frias. O melhor que temos de nós mesmos é anônimo, é misterioso para os outros! A maior parte das pessoas nunca saberá das grandes coisas que você fez porque esse privilégio foi selado e guardado para aqueles que realmente conhecem você!
Simplicidade
Enquanto os beija-flores beijarem, enquanto as borboletas borboletearem, enquanto o vento soprar e o rio correr; haverá a fé de que a simplicidade e a leveza são os melhores caminhos para seguir! Que o nosso dia seja suave como o sono de uma criança. Que nossa mente esteja o tempo todo calma como um lago escondido entre montanhas. Que o nosso olhar seja confortável como um vento frio de fim de tarde! Que os nossos olhos estejam prontos para contemplar o belo em cada momento do dia.
O fazedor de amanhecer
Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas
prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.
Tenho desapetite para inventar coisas
prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.
[Manoel de Barros]
O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
[Manoel de Barros]
Explicação
Mosaicos são obras de arte. São feitos com cacos. Os cacos, em si, não têm beleza alguma. Mas se um artista os ajuntar segundo uma visão de beleza, eles se transformam numa obra de arte.
Músicas são mosaicos de sons. Notas são cacos. Não são nem bonitas e nem feias. Mas se um compositor as organizar numa “frase” elas passam a dizer algo. Transformam-se em temas. Sonatas e sinfonias são feitas com temas entrelaçados.
Também nós somos feitos de cacos. Milan Kundera comparou a vida a uma partitura musical. “O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, transpõe o acontecimento fortuito ('o caco') para fazer dele um tema que, em seguida, fará parte da partitura de sua vida. Voltará ao tema repetindo-o, modificando-o, desenvolvendo-o, transpondo-o, como faz um compositor com os temas da sua sonata”. ('A Insustentável Leveza do Ser', p. 58). Somos um mosaico espiral, à semelhança do bolero de Ravel.
As "Escrituras Sagradas" são um livro cheio de cacos. Nelas se encontram poemas, estórias, mitos, pitadas de sabedoria, relatos de acontecimentos, poemas eróticos, eventos sangrentos. Ao ler as "Escrituras" comportamo-nos como um artista que seleciona cacos para construir um mosaico ou como um compositor a compor sua sonata.
Os cacos das "Escrituras Sagradas" existiram por muito tempo como estórias que eram contadas oralmente, antes de serem transformados em textos para serem lidos. O registro escrito dessa tradição oral trouxe uma vantagem: as estórias continuaram a existir mesmo depois da morte do contador de estórias. E trouxe uma desvantagem: transformados em textos escritos perdeu-se a figura do contador de estórias. Com isso os leitores começaram a ler as “estórias” como se fossem “história”.
“História” refere-se a coisas que aconteceram realmente no passado e nunca mais acontecerão, como um jogo de futebol que acontece só uma vez e nunca mais se repete. Mas a parábola do Bom Samaritano nunca aconteceu. Foi uma “estória” contada por um mestre contador de estórias chamado Jesus.
As estórias são contadas no passado mas elas não têm passado. Só têm presente. Estão sempre vivas. Quando as ouvimos ficamos “possuídos”, rimos, choramos, amamos, odiamos — embora elas nunca tivessem acontecido.
O místico Ângelus Silésius escreveu: “Temos dois olhos. Com um vemos as coisas eternas, que permanecem. Com o outro as coisas efêmeras, que desaparecem.” A “história” é criatura do tempo. As “estórias” são emissárias da eternidade.
Muitos são os mosaicos que podem ser feitos com um monte de cacos. Muitas são as músicas que podem ser feitas com as doze notas da escala cromática. Horror, humor, amor, vida, morte, vingança... Tudo depende do coração do artista. Como disse Jesus, o homem bom tira coisas boas do seu bom tesouro; o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro. Coração feio faz mosaicos e músicas feias. Coração bonito faz mosaicos e músicas bonitas. Os mosaicos e as sonatas são o retrato de quem os fez.
Cada religião é um mosaico, um jeito de ajuntar os cacos. Cada religião é uma sonata: uma rede de temas. Escolhi os cacos de que mais gosto para fazer o meu mosaico, o meu livro de estórias, a minha sonata, o meu altar à beira do abismo.
[Rubem Alves, em "Perguntaram-me se acredito em Deus"]
O Antibuda
Me pergunto se já houve na história sociedade com tão pouco interesse pelo sagrado quanto a nossa; tão pouco preocupada com a vida do espírito, com tanto desprezo pelo imensurável, tão pronta a desprezar os que sentem que essas coisas são essenciais à vida humana. (Paul Kingsnorth, em In The Black Chamber)
A grande contribuição das tradições religiosas não está nas instituições que geram ou nas suas teologias. Seu valor está consumado nas suas narrativas: na medida de humanidade das histórias que contam. O homem comum, se tiver sorte, nunca vai ter de entender os meandros da teologia à qual está afiliada a sua fé. Porém o mais despretensioso dos homens pode ter, e frequentemente tem, a vida desarmada pelo caráter humano de uma grande história. A teologia quer nos ensinar a ser gente admirável; uma história pode nos ensinar a quem admirar – e não há herança mais delicada e mais rara.
É o que ganharam as gerações que pausaram diante da história de Sidarta, da família Gautama, que nasceu no atual Nepal coisa de 500 anos antes de Jesus. Sidarta Gautama, diz a história, era um príncipe. Seu pai, querendo prepará-lo para ser um grande monarca, manteve desde o nascimento o filho recluso no palácio, vivendo regaladamente e longe de tudo que pudesse despertar nele a consciência do aspecto trágico da vida.
O príncipe viveu vinte e nove anos desse modo, sem testemunhar sofrimento, enfermidade ou morte, entre gente paga pelo pai para viver como se os recursos da vida fossem inesgotáveis. O que salvou Sidarta dessa existência entorpecente foi uma escapada de carruagem para fora do palácio. No caminho o príncipe encontrou um homem velho. “Todos as criaturas envelhecem”, explicou seu cocheiro, diante da perplexidade do príncipe. Encontraram um homem sofrendo de uma enfermidade. “Todas as criaturas estão sujeitas à doença e à dor”, explicou o cocheiro. Encontraram um corpo em decomposição. “A morte sobrevêm a todos”, explicou o cocheiro.
Encontraram por fim um asceta, e nessa figura o príncipe encontrou quem admirar. Com a ajuda do cocheiro, Sidarta escapou do palácio enquanto os guardas dormiam e passou a viver como asceta mendicante. Submeteu-se com seus seguidores a privações cada vez maiores, até desmaiar de exaustão enquanto se banhava no rio e entender que o ascetismo extremo não era a resposta para o dilema do sofrimento. Ele intuiu que não era sábio recorrer aos extremos: sem forças e faminto, aceitou o arroz-com-leite que veio lhe oferecer uma jovem. Então, com 35 anos, sentado sob uma figueira, Sidarta alcançou a iluminação: era o Buda.
A saída que o Buda entreviu para o beco sem saída das mazelas da vida é o nirvana/o assoprar da vela: um estado de plena iluminação e de plena suficiência, uma imobilidade deliberada que torna seu sujeito finalmente livre das armadilhas do desejo e do temor, bem como de suas consequências. Para o Buda, o sofrimento é causado pela ânsia de possuir, a gana de ser e de permanecer. Para deixar de sofrer o homem deve desapegar-se de todo de todas as coisas. Quem não tem a ilusão de ser e de permanecer não tem mais por onde sofrer.
Esta inepta recapitulação bastará para apontar porque a alma de gerações de homens e mulheres foi destelhada por essa história. A humanidade essencial da trajetória do Buda plantou as sementes da gentileza e da tolerância em culturas inteiras.
* * *
Para o inquieto coração ocidental, o desfecho do nirvana parece particularmente indesejável. Se para deixar de sofrer é preciso deixar de desejar, para nós o próprio sofrimento passa a parecer destino mais nobre e admirável. Queremos ansiar formidavelmente pelas coisas, ainda quando entendemos que a descompensação será perene e nos causará constante insatisfação. Celebramos na verdade a insatisfação como motor de todo progresso.
Rejeitar a solução do Buda é uma coisa, mas não nos limitamos a não ver o mundo como ele via. Nosso desprezo pelo que as tradições da humanidade tomaram por sagrado é mais sofisticado e mais completo – e isso fica claro quando comparamos as nossas narrativas. A sociedade de consumo exige que a nossa história individual seja um rigoroso reverso da história de Sidarta.
Na sociedade de consumo somos o Antibuda.
Em sua refinada modalidade contemporânea, o capitalismo é um convite perene para que desejemos, sustentemos e habitemos o palácio de delícias que Sidarta deixou para trás. Tudo – absolutamente tudo – que a publicidade faz é acenar com um mundo ilusório livre de limites e de decadência. Este, explica o capitalismo, é você, e este é o mundo que você quer desejar comprar. Você não precisa contemplar o envelhecimento, nem sequer o seu. Você pode estar conectado 100% do tempo, sem conhecer a inconveniência da separação. Este produto (não, este! Este!Este!) irá finalmente dar a você o senso de satisfação pessoal que você sempre desejou e mereceu. E a morte, para sua conveniência, já foi tirada de cena há décadas. Quem precisa pensar em degolar um frango, quando pode pedir uma porção de chicken nuggets.
Da mesma forma que os habitantes do palácio de Sidarta Gautama, o capitalismo é pago para falar e agir como se todos os recursos fossem inesgotáveis, como se a riqueza e a opulência fossem o modo natural de se experimentar a vida. Vai dar tudo certo, e nossas colaboradoras irão atendê-lo em um minuto. Aceite por favor este cartão de tratamento preferencial, que em circunstâncias difíceis irá poupá-lo das ânsias e constrangimentos que afligem a maioria dos mortais. Só não saia de casa sem ele. Você deve ter lido em algum lugar que este mundo já conheceu morte, dor e sofrimento, mas isso foi antes do nosso Plano MaxClient. Posso lhe falar dos nossos benefícios? Veja como colocamos esse novo modelo de automóvel numa desolada planície siberiana, de modo a lembrá-lo que o tráfego é uma ilusão e este mundo não tem limites. Quem seria estúpido de querer olhar para fora deste palácio, não é verdade? Posso lhe trazer mais um uísque? E não me deixe esquecer: você merece.
Não há quem ouça a história de Sidarta e não entenda que há algo de assombroso, algo de puramente grandioso e admirável, em sua decisão de abandonar uma vida de artificialidades e mergulhar na realidade como ela é. E ainda assim permanecemos cegos para o fato de que cotidianamente o que encarnamos é o Antibuda. Sidarta recusou uma vida privilegiada porque não queria viver uma ilusão; a vida de ilusão que ele deixou para trás é tudo pelo que lutamos.
* * *
Admirar é estabelecer um alvo, é delinear uma cultura. Você admira Bill Gates e Steve Jobs. Gerações de budistas veneraram um cara que apostava que todas as conquistas humanas são ilusórias, que o que chamamos de seguranças nada produzem além ansiedade e sofrimento, que o único território que vale à pena conquistar é o do coração.
Outras gerações de homens admiraram São Francisco, ou Gandhi, que criam em coisa semelhante e viveram de modo muito parecido. Ou Jesus, porque não é preciso fingir que essas narrativas essenciais difiram em muito. O Antibuda é também o Anticristo.
Como Sidarta Gautama, o rabi de Nazaré ensinou que a sede pela riqueza e pelo poder desfiguram, desvirtuam e traem a humanidade de todos que se deixam embriagar por ela. A riqueza promete satisfação, mas gera um ciclo vicioso de insatisfação; promete autonomia e segurança, mas gera dependência e fomenta o engano; promete que seremos admirados e reconhecidos, mas nos confina ao isolamento; promete grandeza, mas nos reduz a marionetes, a meros simulacros de gente.
Como o Buda, Jesus viveu de modo inteiramente consistente com esse ensino. Suas histórias, suas palestras, suas frases de efeito e suas investidas articulam a mesma mensagem que o seu modo de vida: se você quer ser meu seguidor, meu amigo, saiba que não tenho onde cair morto – e você deveria estar me admirando é por isso.
Ou: quem não abre mão de tudo que possui não tem cacife para ser meu seguidor.
Ou: não sejam idiotas de acumular riquezas num mundo em que tudo se perde. Tudo que não é eterno se perde, meu caro. Olhe ao redor, essa civilização e esses monumentos. Quanto tempo perdido! Vai tudo abaixo e você nesse meio tempo sonegando tempo para o que na vida realmente conta. Venda tudo o que possui e dê aos pobres, e vamos ali comer um peixe que Simão acabou de pescar. O cara pensa que está coberto porque tem reservas em celeiros, mas morre amanhã e pra quem fica? O amor, a amizade: isso é eterno, sujeito. Não existe amor maior do que dar a vida pelos que você ama. Ame muito, e vai ter muita vida pra dar. Eu vim para que vocês tenham vida, e vida em abundância. O que eu peço ao meu Pai, e vocês são testemunhas, é que que quem quiser me seguir viva como eu vivi.
Ou: olhe para essas flores do campo. Só olhe pra elas.
Desapegue-se, velho, foi a porção da mensagem de Jesus que as primeiras gerações de seus seguidores tomaram por essencial. Os convertidos do Pentecostes despiram-se da cadeia das coisas para tornarem-se livres para viver em comum, e os apóstolos alertaram continuamente para a ilusão da riqueza. Não ignoravam que, como Sidarta, Jesus tinha feito o trajeto voluntário para longe das riquezas em direção ao abraço amoroso do mundo: Vocês conhecem o caráter do nosso Jesus – que, sendo rico, por amor de vocês se fez pobre, para que pela sua pobreza vocês fossem enriquecidos (2 Coríntios 8:9). E não ignoravam que nada podia haver de mais paradoxal do que um seguidor de Jesus admirando um rico ou concedendo a um poderoso tratamento preferencial:
Que ideia é essa de dar ao rico lugar de honra e ao pobre um banquinho no canto? Quem lhes ensinou esse critério perverso de seleção? Não foi os pobres do mundo que Deus escolheu para fazer ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? E vocês desonram o pobre! Não são os ricos que oprimem vocês e os arrastam aos tribunais? (Tiago 2:3-6)
A posição oficial do Novo Testamento é de que o que um rico merece é comiseração, e de alguém que lhe abra os olhos para a verdade da sua condição:
Eis agora, vocês que são ricos, lamentem e chorem, por causa das desgraças que lhes sobrevirão. As suas riquezas estão apodrecidas, e as roupas de vocês roídas pela traça. O seu ouro e sua prata estão enferrujados, e a ferrugem deles prestará testemunho contra vocês, e devorará as suas carnes como fogo. Vocês ajuntaram economias, mas em vão: esses são os últimos dias. O salário que vocês fraudulentamente sonegaram dos seus empregados está clamando, e o clamor dos trabalhadores têm chegado aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Vocês viveram regaladamente sobre a terra, e se refestelaram. Vocês engordaram o coração de vocês, muito bem; pena que justo hoje é dia de matar os animais gordos para o consumo. (Tiago 5:1-6)
* * *
Tanto budistas quanto cristãos trataram de minimizar o impacto da mensagem e da vida dos seus mestres através de comentários e teologias, isto é, reposicionamentos ideológicos. O budismo contemporâneo se divide em duas grandes correntes, Theravada e Mahayana, que divergem entre si, em ênfases e práticas, pelo menos tanto quanto as igrejas católica e protestante. Ou seja, um tanto razoável.
Porém não é difícil argumentar que os cristãos anularam o impacto da vida e da mensagem de Jesus de modo mais eficaz do que os budistas jamais fizeram com o Buda. Como já devo ter dito em mais de um lugar, os cristãos usaram o próprio conceito da divindade de Jesus como pretexto para tornar sem efeito qualquer relevância que o seu modo de vida e suas palavras tivessem para os dilemas deste mundo. Assine aqui e estará aceitando Jesus como Salvador pessoal, sinta-se muito à vontade para ignorar o que ele faz e diz nessas quatro biografias. Na nossa loja virtual você encontra por 900 reais a Bíblia da Vitória Financeira.
Felizmente, as histórias têm um brilho que nem mesmo a fuligem da máquina teológica consegue apagar. No ocidente, a despeito das barbaridades interpretativas, litúrgicas e operacionais da igreja formal, as gerações continuaram a desarmar-se diante da ternura essencial do Jesus da narrativa que está nos evangelhos. Encontrando em Jesus quem admirar, escolheram tornar-se gente admirável pessoas como São Francisco, Tolstoi, Gandhi, Madre Teresa e Martin Luther King.
* * *
Nosso mundo encontra-se numa grande encruzilhada entre narrativas competidoras.
De um lado, as narrativas do sagrado insistem que devemos admirar gente como Buda e como Jesus, e nos dizem: desapegue-se, meu caro. Deixe de correr atrás do vento. Deixe de derramar ansiedade sobre si mesmo e sobre os outros. Não seja idiota de ajuntar riquezas inconstantes onde tudo se perde. Conquiste o seu coração. Respeite o próximo e o ambiente. Ame. Reduza, e será grande. Recolha-se, e estará no centro. Sirva, e será maior do que todos. Recue, e verá a paisagem que todos perdem. Seja gentil. A notícia da graça é a gratuidade de todas as coisas. Rico é quem não precisa de nada.
Do outro lado, as narrativas da sociedade de consumo querem que admiremos os grandes e bem-sucedidos, e nos dizem: tome posse, meu caro. Corra atrás de resultados. Crise é oportunidade, canalize em produtividade essa insatisfação. Acumule, e será finalmente livre para desfrutar. Conquiste o mundo, e seu coração encontrará a paz. Faça alianças sinergéticas e aposte todas as suas fichas. Consuma. Pense grande, e será grande. Cada palmo que você pisar será seu. Seja servido, e sua grandeza será evidente. Um dia tudo isso será seu. Seja implacável. Todo aquele que invocar o nome da performance será salvo. Rico é quem tem tudo.
Diga-me quem você admira, e saberei quanto você é admirável.
Paulo Brabo, em O Antibuda.
AUSÊNCIA
Ela chegou em casa - naquela cabaninha que construiu com seu amor. Um cantinho longe de tudo. Bem no meio da mata. Cercada de árvores, pra guardar as lembranças que só eram deles. A cabaninha era de madeira de carvalho. Carvalho que ficava depois do riacho. E tinha cheiro da chuva que cai de manhã cedinho e molha a grama.
Já era tarde da noite e era noite chuvosa. Mas ainda dava pra ver um pedacinho da lua.
Quando ela chegou em casa, não tinha abraço de boas vindas. Só o silêncio passeava pela sala vazia. Havia uma cadeira de balanço no cantinho. Ainda estava balançando...
Estava escuro. Apenas um pouco da luz da lua atravessava a janela de vidro. Era pouca luz pra muita escuridão. Ainda dava pra ver a poeira no ar. A poeira do casaco sacudido de quem saiu.
E estava frio. Ou seria ausência? Talvez só lembranças!
Às vezes falta alguém pra dançar no ritmo da tristeza que a gente sente. Às vezes só falta alguém que dê colo para um corpo cansado de tudo. Alguém que entende nosso choro e chora junto. Alguém que silencie os gritos que ouvimos do mundo. Às vezes só falta alguém pra escutar nossa dor. Às vezes só falta alguém que traga um cobertor quentinho pra quem tá chegando da chuva. Alguém que diga que está lá esperando por você.
Às vezes só falta alguém que não era pra faltar.
Que já está lá...
Mas não está!
ELIAB ALVES PEREIRA
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